sexta-feira, janeiro 09, 2004

«Muito curiosa esta partícula «pá!», que não querendo dizer nada, quer dizer tudo e exprime as mais ínfimas variações de alma. O professor Óscar Lopes já nos deu um magnífico estudo sobre o «assim». Este «pá», ao que sei, aguarda ainda o exame ilustrado e frio duma grande cabeça. Lá chegaremos, acho. Admiremos para já, de ouvido, a beleza e a simplicidade daquela vogal aberta que parece estalar com a oclusiva «p», como uma sonora bolota a saltar no lume.

Quanto à semântica, o que me entristece é virem-me dizer que a Língua Portuguesa é desmunida de capacidade de síntese. Neste simples «pá» do coronel Bernardes há uma mistura de gáudio, de reconhecimento, de descrição, de desconfiança, de alarme, que não se encontra nos falantes dos demais idiomas, com excepção das crianças de peito.
- Vem lá o gajo!
- Qual? O das sardinhas ardidas?
- Não, o puto das águas, pá!»

in, Fantasia para dois coronéis e uma piscina, Mário de Carvalho