quarta-feira, novembro 29, 2006

Desencontros – o Papa na Turquia e a suspensão das negociações para a adesão do país à União Europeia.
Já não bastava - as constantes idas matinais para Lisboa de pé, as ocasionais supressões de algumas composições. Na semana passada foi o pincel do camião que caiu para linha, imediatamente seguida das catenárias, que todos os anos têm os seus momentos de glória e resolvem cair e desgraçar a circulação. Como se ainda não fosse suficiente, houve a greve de ontem que, embora desconvocada, só deu direito ao comboio de Cascais, o de São Pedro não andou.

À saída, mesmo ao lado do botão para abrir a porta, um sinal sobre a possibilidade de transportar bicicletas ao fim-de-semana. E, por debaixo, qualquer coisa como andar de comboio é qualidade de vida.

Não me lixem.

terça-feira, novembro 28, 2006

O problema dos pratos com peixe - é que, não só a qualidade do alimento confeccionado em si, mas também da própria confecção, tem que ser relativamente elevada, quando comparado com carne, para não ficar terrível. Esta característica é tão mais evidente quanto menos condimentada ou elaborada for a receita: peixe grelhado ou cozido tem que ser mesmo fresco.

O problema dos textos poéticos é que, quando comparados com outros tipos, são muito mais exigentes, na forma e no conteúdo.

segunda-feira, novembro 27, 2006

Na entrada “quinteto” de qualquer dicionário, era esta a definição que devia constar

domingo, novembro 26, 2006

Dar outra cor que não azul. Evitar a "blue note". Mudar de escala. Uma maior. A escala maior é sempre mais... grande, digamos assim para provocar uma inconsistência linguística, um erro que só existe em português e não no espanhol do "más grande" nem no francês do "plus grand".

É claro que qualquer escala maior é sempre passível de ser aproximada por uma relativa menor. Mas não precisamos ir por aí, tudo pode ser aproximado por tudo, basta olhar de outra forma para a sequência de notas em causa. O importante é evitar a quarta aumentada da pentatónica menor. Porque é bluesy. Azulinha.

A não ser que se deturpe o carácter bluesy. E aí, de repente, parece que passa a outra tonalidade. Os dois, o som e a cor. E o cromatismo, leia-se, também aqui, as gradações da cor e, simultaneamente, a sucessão de notas com intervalo de segunda menor, é indispensável. Como aquele que sobe da quarta perfeita à quinta perfeita sem evitar nenhum degrau. Basta pô-la a soar alegre. Bem-disposto. Descontraído. Com groove. Com atitude.

Não se esqueça de adaptar bem a dose. Não dispensa a leitura do folheto informativo no interior. Em caso de persistência dos sintomas, consulte o seu médico.

sábado, novembro 25, 2006

O pedinte salta - do passeio para estrada assim que o semáforo salta do laranja para o vermelho. Toca o acordeão com os olhos de cachorro que a sua situação, possivelmente, legitima perfeitamente. Não sei o que toca nem estou preocupado em saber. A única coisa que consigo pensar, enquanto subo o volume do rádio do meu carro, é que me está a estragar o My Iron Lung.

sexta-feira, novembro 24, 2006

O sol nasce entre Oeiras e Algés, mais ou menos naquela porção de linha antes da Cruz Quebrada. A vista para o rio parece pedir uma iluminação condizente e é então que ele se levanta. Espreguiça-se e os braços passam a linha do horizonte, a cor alaranjada irrompe e queima a superfície. No espelho da água, um trilho ondulado parece indicar um caminho de calor, rumo à luz intensa.

quinta-feira, novembro 23, 2006

E não te esqueças de fechar os olhos quando queres mesmo ouvir. Só assim consegues ver todo o som e o silêncio.

quarta-feira, novembro 22, 2006

Serviço público - é pôr um filme como “A Queda” a começar à uma da manhã de uma quarta-feira, obviamente em segundo plano em relação a todas coisas importantes, tais como o Contra-Informação, os resumos da Liga dos Campeões e o Um Contra Todos.

terça-feira, novembro 21, 2006

Ainda não criaram - um daqueles questionários imbecis da Internet para este tema mas eu tenho a mais profunda convicção que, se fosse um electrodoméstico, seria um frigorífico. Daqueles à americana; grandes e com duas portas laterais. E no frost, obviamente.

segunda-feira, novembro 20, 2006

A dor deve ser sobretudo física, mas o conflito trava-se também ao nível psicológico. Os olhares percorrem a sala, perscrutam as caras alheias em busca dos sinais de cansaço, em busca do desespero e da rendição à desistência. Parecem dizer a si mesmos, assegurar-se, que apenas necessitam aguentar mais que os outros e não ir até ao limite próprio. Muito menos ultrapassá-lo. É como os leilões, não precisamos licitar o máximo, apenas mais que os outros. Partindo sempre do princípio que o nosso está para lá do dos outros. Adoro os olhos da Jane Fonda naquele grande plano perto do final, do desfecho, quando a boca dela se abre e diz:

“They shoot horses too, don’t they…?”

domingo, novembro 19, 2006

Acho piada aos gajos - que vão pedalar para Lisboa com o intuito de sensibilizar as pessoas para os malefícios do tabaco e, ao mesmo tempo, divulgar vivências saudáveis. Eu, que não fumo e ando de carro, acharia piada se um conjunto de fumadores fizesse a baixa de cigarro no canto da boca a alertar os ciclistas para a seca que é andar de bicicleta.

sexta-feira, novembro 17, 2006

«Pepe, los obispos y el sida

Querido sobrino Pepe:
En los últimos tiempos, la Conferencia Episcopal Española, que son obispos y cosas así, anda cabreada con el asunto de las campañas de prevención del Sida que recomiendan el preservativo; porque la gomita, dicen, favorece la promiscuidad sexual. O sea, les pone las cosas fáciles a quienes son partidarios del asunto. La teoría de los pastores de almas consiste en lo siguiente: el miedo al Sida es saludable, porque mantiene castos a los jóvenes como tú, de puro acojonoados ante la posibilidad de agarrar algo y que se os caiga todo a pedazos. Eliminar o atenuar ese miedo, es decir, familiarizar a tu generación con el uso del preservativo, no es por tanto prevenir, sino pervertir; porque los mozuelos, inmaduros como sois, al sentiros más impunes y seguros, practicaréis el sexo con más asiduidad y, por tanto, conculcaréis la ley de Dios sin tino ni tasa, dejándoos llevar por la irresponsabilidad y la naturaleza muy dale-que-te-pego propia de los jóvenes de hoy. Que la verdad, Pepe, sois la leche.

Pongamos un bonito ejemplo practico. Tu novia Mari Juli y tú, verbigracia, os tenéis unas ganas tremendas; pero también, gracias a la divina providencia, le tenéis miedo al Sida. Que lo mismo hasta de suyo resulta intrínsecamente bueno – los caminos del Señor son sinuosos e inescrutables – porque su amenaza, a modo de infierno, nos mantiene lejos del pecado. Pero el diablo, que es muy cabroncete, Pepe, se vale de cualquier artimaña infame; e incluso esa benéfica – en términos de salud de almas – ira de Dios postmoderna, el Sida, puede ser soslayada merced a la técnica. Así que tú y Mari Juli podéis ir como si nada a la farmacia de la esquina, comprar por todo el morro una caja de seis y encamaros toda la tarde, ofendiendo el orden natural – como todo el mundo sabe, el orden natural limita el sexo al matrimonio -, en vez de orar para alejar la tentación, reservar vuestros cuerpos para honrarlos como templos, daros duchas frías o agarrar la guitarra y aprovechar la visita del papa a Cáceres, cuando vaya, para poneros a cantar con cristiana y juvenil alegría mi amiga Catalina que vive en las montañas, du-duá, du-duá. Todo eso, como debe hacer cualquier joven responsable que se respete – y la respete a ella, Pepe -, esperando con paciencia, continencia y templanza el día, sin duda próximo, en que Mari Juli termine los estudios y encuentre un trabajo de abogada o de top model, y tú ya no estás alternando el paro con la moto de mensaka sino de presidente de Argentaria, y podáis comprar una casa y un Bemeuve y una barbacoa para los domingos y una cama enorme. Y a partir de ahí, si. Entonces por fin podréis primero casaros – a ser posible por la Iglesia -, y luego practicar una sexualidad mensurada, responsable y cristiana que tampoco precisará preservativo, pues siempre lo haréis pensando en la procreación, y nunca por torpes y bajos instintos; como inequívocamente recomienda Su Santidad Juan Pablo II. Que para eso es infalible por dogma, y de jóvenes y de sexualidad sabe un huevo.

Ya sé lo que vas a decirme, sobrino. Que la vida es corta y además a menudo es muy perra, que tú no serás siempre joven, y que una de las cosas buenas que tiene, si no la mejor, está precisamente en la bisectriz exacta del ángulo principal de tu novia. Y que en Mari Juli, en sus ojos y en su boca y en sus etcéteras, está el consuelo, y el alivio al dolor, y la esperanza, y el tener a raya la maldita soledad y el miedo y la incertidumbre de estar vivo. Sé todo eso, y además que tu naturaleza – y la suya, colega, ojo – claman por sus derechos; y que salvo que uno sea un amanuense del hágaselo usted mismo, o tenga la suerte de soñar cada noche con Salma Hayek bailando con la serpiente en Abierto hasta la amanecer, y se alivie en sueños – o lo que alivie a Mari Juli en la viceversa correspondiente -, unos jóvenes de vuestra edad, que además estáis locos el uno por el otro, pueden andar por la vida bastante frustrados. Y sé también que lo que te cuentan los obispos y su baranda, Pepe, nada tiene que ver con la realidad del mundo realmente real; y que más les valdría salir un día a darse una vuelta y echar un vistazo fuera de las catacumbas. Pero oye. Mi obligación, sobrino, colega, es darte consejos saludables que te alejen del vicio y colaboren en el perfecto estado de revista de tu alma.

Dicho lo cual, Pepe, si pese a todo sigues decidido a pecar, recuerda que más vale ir al infierno con el preservativo puesto. »

Con animo de ofender, Arturo Pérez-Reverte

quarta-feira, novembro 15, 2006

A primeira imagem mental - que o nome me transmite é esta:


Mas depois caio em mim. Deixo-me de parvoíces e a imagem seguinte já é mais deste género:


Enfim, o Herbie Hancock não será, possivelmente, a pessoa mais indicada para escrever um tratado sobre estética visual. Mas para escrever um sobre estética musical é um bom candidato.

Por que é que eu gosto de ouvir este gajo e estou em ansioso para o concerto de amanhã, porquê, porquê…? Porque tem um percurso incrivelmente rico e diversificado. Com passagem pela sétima arte e tudo.

Vamos à música. Do mais clássico e mainstream possível como isto



Passando por fases da rocalheira e dos instrumentos electrónicos



Até coisas ultra-foleiras como esta aqui




Vêm…? Está cá tudo. Não falha nada.

terça-feira, novembro 14, 2006

Ainda não foi desta. Nem com três match-points o Roddick consegue fechar o jogo frente ao Federer.
Há uma moda crescente - de resolver arrufos da vida de figuras públicas, sobretudo no campo da política, através de lavagens de roupa e acusações com recurso à publicação de livros. Irrita-me a falta de respeito que estas pessoas têm por este tipo de objectos. Usem outro mecanismo para se atacarem e sacudir a água do vosso capote.

domingo, novembro 12, 2006

Sou um possível herege - quando digo que os devaneios a solo nem sempre me enchem as medidas e que gosto mais de ouvir em trio. Aliás, da meia dúzia de CD’s que tenho do Keith Jarrett, só um será a solo e não é o concerto de Colónia.

Há qualquer coisa naquela secção rítmica que funciona para lá do perfeito. É estupidamente suave e solta, há momentos em que parece que descolaram do piano que supostamente acompanham. Mas estão sempre lá.

Somar a longa ausência com as misteriosas circunstâncias em que decorreu ou não chegou a decorrer a última vez que esteve em palcos lusos, faz com que este seja um dos concertos de jazz mais esperados do público português de há muito tempo.

Dito assim é ser injusto. Não é só por isso. O cerne é ver um dos pianistas mais criativos, originais e geniais dos últimos tempos. E não é só aquele que faz dois sets de três quartos de hora a improvisar. É aquele que tem a coragem de pegar em standards mais do que batidos e tocá-los incrivelmente bem.

Ter empresas de segurança a patrocinar torneios de ténis é estranho. Os juízes de linha parecem seguranças com “Prosegur” escrito a branco nas camisolas pretas.

sábado, novembro 11, 2006

Quando exportar não se revelou assim tão bom quanto isso – Os analistas, as notícias, o senso comum, todos apontam um grave problema económico ao nosso país: viver acima das suas possibilidades. Estou farto de ouvir o discurso da receita milagrosa que é exportar mais. Então associada àqueles chavões dos produtos de valor acrescentado, nem se fala.

Mais: há exportações que me preocupam.

Nas décadas que antecederam a Revolução dos Cravos, exportámos gente que foi uma loucura. A mão-de-obra que saiu deste país para os quatro cantos do mundo foi notória. O processo inverteu-se. Agora recebemos gente para os tais “empregos que os portugueses já não querem”, sobretudo dos Palops, Brasil e, mais recentemente, do Leste Europeu.

A seguir a lógica do senso comum, seria tentado a pensar que tudo permanecesse assim: Portugal deixava de ser “um país de emigrantes para ser de imigrantes”. Cada vez mais estou convicto que este tipo de discurso é perigoso e ignora um outro fenómeno, de menores dimensões, é certo, mas igualmente importante.

Continuamos a exportar gente. Ou melhor, recomeçámos a exportar. Mas houve uma grande transformação, que faz toda a diferença: deixou de ser mão-de-obra de baixa qualificação para se tornar em mão-de-obra qualificada.

A associação do emigrante português do Bidonville e o Mercedes na aldeia em Agosto tenderá a desaparecer. Vão deixar de ser os avecs que vêm cá de vacanças e que trazem as valisas todas às costas e que atafulham as auto-estradas, as festas de aldeias esquecidas durante o resto do ano, as feiras e as praias da Costa. Até porque com o passar do tempo, cada vez mais a segunda geração de emigrantes naturalmente sentirá menor ligação ao país de origem e menor necessidade de vir a correr nas férias para a fronteira de Vilar Formoso.

É claro que sempre houve casos notórios de ilustres figuras nacionais que fizeram a sua vida além fronteiras dada a notória incapacidade de singrar na cauda da Europa. São exemplos que vão da investigação científica, à literatura e às artes. Porém, com a crescente facilidade de deslocação, o fenómeno parece-me mais expressivo nos dias que correm.

Os novos emigrantes portugueses são jovens qualificados a rondar os vinte, trinta anos que levam na mala um dinamismo, uma vontade de trabalhar e de fazer acontecer. Quadros médios e altos, potenciais líderes ou elite. Não consigo deixar de pensar na falta que fazem cá dentro.

Há as razões negativas: o desapontamento com um país que, inúmeras vezes, teima em ser um colete-de-forças, uma âncora que prende ao chão. Saem atraídos pelas melhores condições de vida para pessoas com as habilitações adequadas, atraídos pela hipótese de trabalhar em países onde a cultura de trabalho é mais exigente e eficiente, onde se ganha melhor.

Nem todos o farão pelas razões más e pessimistas. Também os há que partem porque, pura e simplesmente, têm a vontade, o bichinho de conhecer o mundo, de viver longe durante algum tempo e procuram ter uma experiência internacional que os marque.

Alguns voltam. Trazem conhecimento, experiência, maturidade, cultura de trabalho, know-how que pode ser muito importante para um país que precisa de aprender imenso com alguns exemplos que vêm do exterior. Mas outros não. E não mais se imaginam a viver e a trabalhar aqui.

No fundo no fundo, até podemos estar a seguir à risca o conselho dos tais analistas económicos: não exportamos pessoas com pouca diferenciação, mas sim com elevado valor acrescentado.

Mas podem ser pessoas que Portugal perde para outros países.

sexta-feira, novembro 10, 2006

«Tenho-me perguntado como se terá chegado à situação em que a arte é, de facto, uma questão de competição entre artistas. Interrogo-me sobre se os artistas optam por competir entre si ou se são estimulados, empurrados ou seduzidos a tal como resultado da caracterização desta sociedade em particular? Questiono-me se um jovem músico, sente o desejo instintivo de competir com este ou, pelo contrário, unir forças e comparar notas? Pergunto-me se, quando estes dois músicos se encontram para comparar notas mas acontece que estas são avaliadas por uma terceira entidade – o crítico – se sentem ambos tão influenciados pela avaliação dessa terceira entidade, a ponto de se empenharem na competição entre si para agradar ao crítico? Entretanto, o crítico fala para uma quarta entidade, o público. Mas, ao procurares agradar ao crítico, será que agradarás ao público?»

Wayne Shorter

quarta-feira, novembro 08, 2006

Amanhã começa o ciclo. A semana com nomes mais sonantes desde que me lembro. Sinto-me um puto à espera da meia-noite da Consoada.

O arranque é dado pelo senhor Wayne Shorter. Aquele que no Estoril Jazz de 2003 (o ano em que o Dave Holland também veio e tocou com a Big Band, da qual fazia parte o Chris Potter no CCB) no Parque Palmela protagonizou uma caricata cena. A meio do set, resolveu usar o sax soprano que ainda não tinha saído do tripé. Deu meia dúzia de notas e ajeitou o bocal como quem quer afinar. Mais uma ou outra nota, voltou a mexer no bocal.

Até que ficou uns instantes de volta daquilo sem conseguir resolver o problema. O público já ria. Sem saber quanto tempo demoraria a operação e sem querer ficar a encher chouriços, o Brian Blade arrancou um solo de um momento para o outro e ficou à espera que o Danilo Perez e o Patitucci o seguissem. Um momento incrível. Continuaram à desgarrada até o avozinho fazer sinal. Estava pronto para recomeçar. E retomaram o tema.

Domingo e quinta da semana que vem são os outros dois vértices que formam este triângulo. Mas esses a seu tempo.

terça-feira, novembro 07, 2006

Os jogadores do Braga jogam com tranquilidade, entram em campo com tranquilidade, tentam jogar com tranquilidade, para ganhar o jogo com fundamentalmente tranquilidade e tentam trabalhar bem para jogar fundamentalmente bem e com tranquilidade.

Os jogadores do Braga têm uma grande ilusão. Como o nome do clube começa por Sporting, estão convencidos que jogam no Sporting Clube de Portugal. E é por isso que se enganam e marcam na baliza errada. Como manter a tranquilidade, como manter a tranquilidade? Sporting, Benfica, Lisboa. Sporting de Braga, Braga.

Como? Com tranquilidade.

segunda-feira, novembro 06, 2006

Diz que é uma seca de programa - A semana passada não vi mas já tinha ouvido dizer mal. Ontem não perdi o Gato Fedorento nos novos moldes para saber ao certo do que se trata. Ou para poder passar à crítica.

Para um confesso fã dos outros formatos de programa, confesso que fiquei muito pouco impressionado com este novo. Talk-show com público a assistir, uns sketches que salvam a honra do convento intercalados com piadas fracas de encher chouriços, interacção com convidados, variedades e música a fechar. Se bem que desta vez, o David Fonseca esteve intocável a tocar Mónica Sintra em inglês.

Agora, tudo se resume a fazer trocadilhos com a actualidade, como se se tratasse de uma espécie de contrainformação mas sem os bonecos. Ou a achincalhar figuras públicas. Não que desgoste de caricaturas. Aliás, a do Paulo Bento estava brilhante. Não gosto é só de caricaturas.

No geral, fraco. Por muito que me custe dizer. Eu sei que estas coisas de repetir sempre a mesma fórmula são difíceis, o público satura e começa a surgir a pressão para voos mais altos. Ainda para mais se tivermos em linha de conta o sucesso que foram as séries anteriores.

Não resulta. E, o pior, é que normalmente não há um retrocesso. Uns tipos que passaram de uma produção minúscula para um programa com público e convidados, regra geral não voltam para uma produção mais pequena, mesmo que não chegue ao cúmulo da da Sic Radical.

E é pena porque com parca necessidade de agradar, o resultado final era muito melhor. Mesmo na série anterior na RTP, onde os meios não eram assim tão escassos como no canal de cabo. Poderá ser muito mau agoiro da minha parte: espero que não se tornem em mais uns Herman José.

domingo, novembro 05, 2006

The same old fears

sábado, novembro 04, 2006

Ignora-me
Evita-me
Desaparece
Deixa-me
Abandona-me
Goza comigo
Faz pouco de mim
Zanga-te comigo
Ofende-me
Grita-me
Discute
Berra comigo
Insulta-me
Diz mal de mim
Responde-me com cinismo
Ataca-me
Bate-me
Esbofeteia-me
Aleija-me
Magoa-me

Tudo menos essa indiferença

sexta-feira, novembro 03, 2006

Disse-me um dia que o que mais gostaria de fazer era conseguir tocar com a guitarra mesmo cá em baixo, como aqueles gajos que ficam com o braço quase à altura do joelho. Para ele, era o máximo do cool, tem imenso estilo ver um gajo tocar assim. Mas impossibilitava as frases rápidas.

Eu concordei com a teoria e aproveitei para dizer que gostava do Jimmy Page, mas não era propriamente por ele conseguir essa proeza com aqueles braços compridos e fininhos. E depois compreendi que não conseguia dar uma boa razão para gostar do tipo. Porque toca bem? Há muitos que tocam bem.

Fiquei lixado. Há coisas que não são para explicar. Quem não percebe porque é que o Jimmy Page é para venerar não me merece que perca tempo a tentar fazê-lo. Há admirações que não se explicam, assim como há amores que não têm decifração possível.

A ironia acentua-se quando procuro, há dias, ou seja, cerca de dez anos depois, no youtube exemplos do tipo com a guitarra nos joelhos. Não encontro. Ao invés, encontro exemplos de como ele toca bem. Aquilo que não consigo explicar. Aqui fica um deles. Que espero seja explicativo.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Um texto para o dia dos finados - Há um certo discurso que me assusta. Porque pressupõe uma hierarquia na importância da vida. Matar um mamífero como uma vaca ou um borrego para alimentação parece escandaloso para alguns vegetarianos. Possivelmente exterminar insectos já é algo que se faz de ânimo leve. Quer dizer, as melgas irritam, as moscas chateiam.

Particularmente interessante é para mim aquela variante do “não como carne por causa dos animaizinhos mas como peixe”. Como se o acto da pesca, prender um objecto afiado na boca de um peixe e puxá-lo para fora de água até que asfixie, não fosse também uma morte horripilante. É claro que há uma diferença: o peixe não emite sons de desespero como os mamíferos.

Tudo isto é, possivelmente, perfeitamente, embora escandalosamente, normal. Qualquer mamífero recolhe mais facilmente a nossa simpatia e empatia. Os mamíferos são queridos. E são também muito mais próximos de nós. Os insectos e os répteis, por exemplo, são, na maioria, feios e até nojentos. Acabar com aqueles bichos até parece uma purificação do planeta.

Não mato por desporto. Não mato por divertimento. Detesto a glorificação da violência ou da morte tal como existe na caça ou na tourada. E na pesca, também. Mas alimento-me da carne de outros animais. Por vezes, mato insectos quando me incomodam, embora prefira usar um repelente que os demova de me picarem e não lhes seja mortal.


O que mais me irrita neste história do referendo do aborto é aquele bocado da pergunta que estabelece um horizonte temporal para que possa ser praticado: “até às dez semanas”. Não consigo perceber porquê. Aliás, se o meu voto não fosse dado como irregular, riscaria essa frase do meu boletim no dia em que fosse colocar a minha cruz no “sim”.

Acho as tentativa de determinação do inicio da vida humana uma perfeita idiotice. No mínimo, quando o óvulo é inseminado, já está lá toda a potencialidade de uma vida ser gerada e aparecer neste mundo. Pode não se vir a concretizar. Mas também pode não se vir a concretizar ao oitavo mês ou mesmo na recta final.

Ou seja, quem aborta sabe que vai acabar com uma vida. E não há volta a dar a isto. Mais: quem aborta tem que estar consciente que está a acabar com uma vida. Mesmo totalmente a favor do aborto, não aceito que uma pessoa que considere exercê-lo não o faça sem ser confrontada com a gravidade e o impacto da sua decisão.

O aborto deve ser uma opção possível mas isso não equivale nem de perto nem de longe a dizer que é para ser aplicada chapa quatro a todos os casos: é uma situação limite, quando todas as outras se esgotaram. E não me venham dizer que a generalidade das mulheres que alguma vez abortaram o fizeram por desporto

É claro que há sempre que o faça. Qualquer partidário do “não” conseguirá sempre exemplos de quem aborta por dá cá aquela palha. Da mesma forma que há pessoas que conduzem de uma forma proibitivas e colocam em risco não só a própria vida, mas também a de terceiros (o tal “terceiro” que é sempre invocado nestas discussões). Às vezes até o quarto, o quinto, o sexto. E ninguém considera minimamente sensato e justificável proibir a condução no território nacional por isso. Porque isso são excepções e não a generalidade dos casos.

Não vale a pena tentar arranjar argumentos para decidir que a vida começa noutro momento da concepção, que esse instante é miraculosamente adiado para que convenientemente possamos acabar com tudo antes de existir ali alguma coisa que nos deixe um peso na consciência. O cerne da questão não é esse. O cerne da questão é a opção de uma mulher decidir sobre o seu ventre e o seu corpo. O cerne da questão é uma palavra chamada “liberdade”.

Sendo assim, qual a justificação das “dez semanas”? Dói menos acabar com uma vida quando ela ainda está longe de se parecer connosco, quando ainda não passa de chusma de células sem nenhuma aparência com um ser humano e, desta forma anestesiada dormir melhor? É mais fácil matar o insecto?

Liberalizem o aborto. Mas não fujam com o rabo à seringa.