sábado, fevereiro 28, 2004

A Casa Amarela – Há várias burocracias que preciso de tratar. E, por enquanto, ainda há os amigos. Dentro de algum tempo, nenhum dos alunos, tirando aqueles que levam mesmo muito tempo a concluir a licenciatura, me será familiar. Nessa altura, cessarão os motivos para a deslocação. E, no entanto, importantes momentos se desenrolaram naqueles anfiteatros, salas de aula, corredores, bares. Serão os símbolos duma etapa passada.

Como seria de esperar, quando lá entro agora, já não é a mesma coisa. Desde o momento em que empurro a pesada porta, em que percorro os corredores, em que aguardo na fila dos serviços académicos, em que dou insistentes olhadelas na esperança de encontrar um computador livre até, finalmente, regressar a casa, a sensação é completamente diferente.

Fica aqui a minha homenagem à Casa Amarela, aproveitando o recente retoque da pintura da fachada. E, em especial, às pessoas que fizeram aquilo que ela foi e representou para mim.

quinta-feira, fevereiro 26, 2004

Cor – Estas coisas, regra geral, exigem um certo tempo de digestão, de pousio, até estarmos aptos para poder falar acerca delas. O problema é aquele bichinho, aquela comichão que nos impele a realizar a tarefa mais cedo do que o que seria o tempo de incubação ideal. Abdica-se de alguma precisão, pontaria, pureza estética, para pôr cá fora a criança mais cedo.

É verdade, não tarda faz um mês. E as reacções, que cedo se fizeram sentir em mim, esperneiam, dão coices com uma vontade doida de se materializarem em meia dúzia de parágrafos. Eis o resultado duma gestação medianamente inacabada:


A minha incapacidade de transposição de semelhantes acontecimentos para a minha própria existência sempre motivou aqueles comentários impressionados. Sinto um passo daqueles a milhares de distância do ponto onde me encontro agora, tal como o sentia há cinco, dez anos atrás.

Desnorteamento? Egoísmo? Infantilidade? Inaptidão? Medo? Talvez sim, em doses mais ou menos equilibradas e proporcionadas. Mas esta é a versão simplista. No meu modelo da realidade, tudo depende de timings precisos, de acasos, sortes e reveses da fortuna. De pequenos grandes acontecimentos que, de forma indelével, marcam definitivamente o caminho trilhado ou a trilhar. Depende também da vontade do momento. Podemos levar um cavalo até ao bebedouro, mas ele só abrirá a boca se tiver sede. E não se pode obrigar, nem sequer ensinar, ninguém a ter sede.

Para um pouco convictamente convencido pessimista como eu, é sempre bom romper a sucessão de dias cinzentos com um renovador dia de sol, luminoso e esperançoso. Ilumina os espaços obscuros, traz vida a partes ensombradas e adormecidas. A solução do problema parece surgir do nada, com a simplicidade com que todas as soluções nos fazem mostrar quão simples são e, simultaneamente, quão incompreensível é termos necessitado tanto tempo para a elas chegar.

No fundo, resta desejar acordar um dia com a garganta tão seca, sequiosa duma sede insaciável, de tal forma que não seja possível fazer outra coisa senão levar copos de água, uns atrás dos outros, à boca. E rezar a todos os santinhos que, em algum canto do universo que é aquele que conhecemos, haja alguém com a mesma necessidade em ingerir a mesma dose maciça de líquidos.

Não significa que as dúvidas não surjam. Será este o copo, o líquido que matará a minha sede? Meio mundo coloca a si mesmo esta pergunta todos os dias, enquanto tenta adormecer na cama à noite, enquanto coloca uma camisola sobre o corpo, enquanto se desloca na sua rotina diária, enquanto espera, enquanto desespera, enquanto recebe, enquanto dá, enquanto observa, enquanto se mostra. Enquanto, enquanto, enquanto…

Respostas talvez surjam um dia, o tempo o dirá. O risco de falhanço está intrinsecamente ligado a personalidades, carismas, idiossincrasias: cada qual calcule o seu da forma que lhe aprouver. A única certeza é de quem não arrisca não petisca, ou seja, que a ausência de risco não premeia com respostas, sejam elas as que queremos ouvir ou não.

Obrigado, Cristina e Duarte, por toda essa imensidão de cor.
Agente infiltrado - Nada como ver quem lucra com as acções para descobrir os potenciais interessados na sua ocorrência. Por esta razão, ninguém me convence que o Nuno Rogeiro não é um operacional da guerrilha iraquiana ou da Al-Quaeda. Senão, atentemos no seguinte: quantas vezes aparece o dito indivíduo nos telejornais na qualidade de comentador diplomático, de ciência política, nos dias normais, em que não há acontecimentos de grande monta?

Pois é, dirão que, se não nenhuma vez, pelo menos muito poucas. Agora, um exercício de memória: quantas vezes apareceu ele durante a última invasão americana ao Iraque? Tantas que, certamente, serão poucos os que as conseguirão enumerar correctamente. Em todos os canais televisivos, em telejornais e programas especiais de informação.

A vida corria-lhe tanto de feição que ele próprio se deu ao luxo de gastar umas coroas nuns modelos à escala dos aparelhos bélicos empregues pelos norte-americanos, bem como nos tradicionais soldadinho de chumbo. Não foi um gasto supérfluo, fez toda a lógica, era o emprego dele.

Terá é de esperar pelo próximo conflito de grandes proporções para os tirar da gaveta outra vez.

quarta-feira, fevereiro 25, 2004

Vale – “O arguido faça o favor de se levantar enquanto lhe é proferida a sentença. O colectivo de juízes chegou a uma decisão. O arguido João Vale e Azevedo é considerado culpado de crimes contra o Sport Lisboa e Benfica e condenado a pena de encarceramento por tempo indeterminado e será apenas abrangido pelo regime de liberdade condicional quando o referido clube desportivo ganhar um campeonato na modalidade de futebol.”

Ó Vale, pelo andar da carruagem, isto parece equivalente a prisão perpétua, pá…

domingo, fevereiro 22, 2004

É verdade, mais uma curta escapadela da categoria do "vá para fora cá dentro". Trata-se de aproveitar o Carnaval da melhor forma.

Até quarta.

sábado, fevereiro 21, 2004

Segunda dose – Juro que não sou eu a tentar enfiar uma peta. Embora assuma contornos passíveis de atingir a designação de paranormais, a verdade, aquela, a pura e crua, é que mais uma brasileira que desconheço em absoluto me mandou um mail, equivocada. Desta vez, o nome está perfeitamente identificado assim como o número de telemóvel. Mas, desculpem-me o acesso de correcção e rectidão, vou reservar o direito de não os publicar.

«E ai Dani tudo bem ??A lu me disse que voce nao esta mais em Porto,esta morando aonde agora???Mande noticias .....meu cel aqui de Londres e (…)...Beijos Renatinha.»

sexta-feira, fevereiro 20, 2004

Profissões de alto risco – Ainda me lembro do primeiro contacto que tive com a substância. Era ainda acólito e, apanhando o padre distraído, quis experimentar, já que o velho homem nunca dava uma gotinha que fosse a provar aos outros, guardava aquilo tudo só para ele. Para ser sincero, não gostei muito de início. Era amargo, ardeu-me pelas entranhas abaixo e deixou-me o estômago em revolução durante um bom par de horas.

Porém, quando a ordem natural das coisas levou a que passasse a ser eu aquele que não dava nada a provar, mentalizei-me que teria de conseguir beber os cálices sem esboçar as caretas condizentes com aquele sabor. Com o passar do tempo, aquela bebida passou de intragável a néctar os deuses e era com um gosto crescente que esperava pelo momento do ritual em que levava ao cálice aos lábios e bebia o seu interior.

Era um padre na flor da idade, numa paróquia populosa e jovem, casamenteira e a querer constituir família. De tal forma, que os casamentos e baptizados se sucediam a bom ritmo, e eu habituei-me a emborcar aos cinco e seis cálices por cada dia de fim-de-semana, forçosamente os mais movimentados. O problema é que sentia falta desse movimento todo durante os dias úteis. Por isso decidi aumentar a cadência das missas celebradas e, rapidamente, os mesmos cinco ou seis cálices passaram a ser comuns durante qualquer dia da semana.

E foi assim que o vício começou. Limitado pela impossibilidade de expansão das comemorações, nada mais me restava que aumentar o tamanho dos cálices. Criei uma petição e convenci o rebanho a aprovar a compra dum com o dobro do tamanho do original. Nesta altura, já bebia que nem gente grande, e lembrava-me dos tempos de acólito com uma grande vontade de rir.

No entanto, os boatos e as histórias que começaram a correr acerca da minha pessoa, que tanto contribuíram para a minha fama, só começaram verdadeiramente a despoletar exponencialmente quando, pela primeira vez, celebrei um baptizado com um garrafão de cinco litros ao lado da pia baptismal. Lembro-me como se fosse hoje: era um bom Borba, daqueles que aquecem bem as orelhas.

No dia em que apareci a cambalear com um jerrycan de vinte e cinco litros, foi a gota final. Bem tentei explicar à congregação que a minha dificuldade em caminhar era devido ao peso do dito cujo, mas eles não me quiseram ouvir. Chegaram mesmo a chamar a GNR, esses brutos que acabaram por me despejar o recipiente todo, acompanhando-o com umas alheiras. A mim, chegava-me o cheiro do petisco ao calabouço, local onde estive até os tipos dos AA se dignarem a me vir buscar.

As opções de carreira de cada um não se criticam, são como são.

quinta-feira, fevereiro 19, 2004

Cá dentro – Possivelmente porque assumimos como um dado adquirido, não damos, muitas vezes o devido valor àquilo que temos por perto. É preciso ser-nos incumbida a tarefa de mostrar as vistas a um qualquer forasteiro para nos perdermos nesses encantos que sempre aqui estiveram, mas que nunca despertaram o devido interesse.

No intuito de combater este fenómeno, criei duas novas categorias de viagens. As «vá para fora cá dentro» que, tal como o anúncio original, se dedicam a deslocações dentro do país; as «vá para fora mesmo cá dentro», para designar aquelas em que nem sequer se abandona a cidade de origem.

E anda por aí muita coisa gira para se ver.

quarta-feira, fevereiro 18, 2004

Sortudos – São uma espécie, uma raça, uma casta diferente do comum dos mortais. São aquele tipo de pessoa a quem tudo corre bem, com quem as pessoas engraçam e têm prazer em fazer favores, em facilitar a vida da forma que puderem. Para estes indivíduos, as barreiras da vida são, indubitavelmente, de altura reduzida e, por isso, transpõem os obstáculos que a existência lhes vai criando com uma graciosidade, uma simplicidade irritante.

Ele é não pagar excesso de peso no aeroporto quando os demais o tiveram de fazer; ele é obter um selo à borla para ter acesso ao parque de estacionamento quando a tão almejada insígnia tem um preço; ele é conseguir que a regente suba algumas míseras décimas, mas suficientes para se dar conta, à nota do exame quando os restantes colegas saem do mesmo gabinete com um semblante carregado; ele é ter sucesso, facturar no campo das investidas amorosas.

Na boa gíria lusófona, pelo menos na europeia, as outras não domino em tal grau, chama-se, a estes indivíduos, pessoas que nasceram com o cu para a lua. Não querendo averiguar que mais farão com o respectivo traseiro seria, no entanto, interessante apurar o que jaz na origem de tão fantástica característica, uma autêntica benesse, uma dádiva. Será o olhar maroto, a expressão juvenil, colegial? Ou aquela pelezinha suave do rosto? Quiçá a simpatia das palavras e dos gestos, a naturalidade dos actos. Quem sabe. Mas algo tem de estar por detrás de todo este magnetismo.

No fundo, lá mesmo bem no fundo, uma coisa é certa. Ó Granito, podes ter a certeza que isto é a minha profunda inveja a falar.

terça-feira, fevereiro 17, 2004

«Pois o homem ama e venera o seu próximo, quando não pode julgá-lo; o desejo é uma criação do conhecimento insuficiente.»

in A morte em Veneza, Thomas Mann

segunda-feira, fevereiro 16, 2004

Boicote – Não tenho nada contra as elevações a vila ou seja lá o que for. Mas tenho contra certas formas de protesto. Estes deviam ser, por natureza, actos que incomodassem, prejudicassem temporariamente os demais para que surtissem efeito. Uma greve não faz sentido se não der umas quantas dores de cabeça a alguns, é simples.

Por esta razão, as novas ameaças de boicotes a eleições parecem-me sempre ridículas, tão ridículas como dar um tiro no próprio pé. Porque se trata de alguém abdicar dum direito de que desfruta para obter algo doutrem.

A não ser... de repente ocorreu-me outra versão, que me entristeceu. Foi quando percebi que, provavelmente, para todos aqueles que fazem aquele escarcéu a dizer que não votam, o acto de fazer uma cruzinha num papelucho e o depositar na urna não seja um direito, mas sim um dever. E, nesta perspectiva, fará todo o sentido o boicote como forma de protesto.

Ou seja, enquanto o acto eleitoral não for entendido como um direito, conquistado não há muito tempo pela luta e bravura duma outra geração, nunca será tratado com o devido respeito e a displicência com que muitos a ele se referem não desaparecerá.

Dever devia ser não se imiscuírem, criticando como tanto gostam, se não assumem papel activo.

domingo, fevereiro 15, 2004

Euro 2004 – Ali estava ele, a acenar com o braço de fora da janela do cockpit, com a outra mão nos comandos do passarão. Aquele da TAP que vai servir para fazer publicidade ao Euro 2004. Recebeu o nome dele e tudo. A propósito disto, gostaria só de relembrar algo de extrema importância. Simples, mas crucial. Aqui vai:

É que, se eu sébio, então tu sébias, ele sébia. E se nós sebíamos, então, forçosamente, vós sebiais e eles sébiam.

sexta-feira, fevereiro 13, 2004

Conquista – Depois de décadas de Gabrielas, Tietas e Roques Santeiros, entre outros, acho muito bem que finalmente se exporte o nosso audiovisual para outros países, que se entre por se esses mercados a dentro. Já não era sem tempo. A TVI conseguiu tirar um grande coelho da cartola ao convencer os brasileiros a adquirir algumas das suas telenovelas. O grande senão que encontro é a dobragem: aparentemente, falamos estrangeiro para o povo de Vera Cruz.

Todavia, não consigo deixar de ter pena dos brasucas. Uma das primeiras telenovelas portuguesas que vão ver é o famosíssimo “Olhos d’Água”. E pergunto eu: que mal fizeram os brasucas para ter de levar todos os dias com um genérico em que o Toy (optei por “y” mas a verdade é que nunca sei se é assim ou com “i”) se esganiça todo a “cantar”?

Seguirá a tortura com os trezentos e cinquenta e dois mil, quatrocentos e vinte e sete episódios do “Anjo Selvagem”?

quinta-feira, fevereiro 12, 2004

Telejornais – A fórmula curta e concisa dos telejornais que observo em vários canais estrangeiros, mormente os da TV5, contrastam enormemente com a filosofia espectacular dos canais nacionais. Por cá, os blocos informativos duram imenso, o que não podia deixar de ser, dada a profusão de reportagens que não interessam absolutamente para nada e são altamente populistas e sensacionalistas, com a TVI à cabeça (a minha descrição deste telejornal em particular foi feita na entrada de 17 de Agosto do ano passado).

Agora, o que não entendo é porque raio a RTP insiste em prosseguir com esta palhaçada. Mesmo depois de todas as ameaças de mudança protagonizadas pelo governo de Durão Barroso, na pessoa do Ministro Morais Sarmento. Que os privados o façam, muito bem, é lá com eles, as decisões que tomam estão inevitavelmente ligadas com aquilo que pensam que lhes trará maiores lucros. Porém, a coisa pública não se rege por estes moldes.

Por isso dou aqui os meus parabéns à SIC Notícias. Pelo seu terceiro aniversário e por ser, efectivamente, o mais aproximado que temos ao serviço público, expressão com que se auto denomina. Os telejornais são mais objectivos, mais filtrados, os programas de informação, sejam eles o famoso “60 Minutos” ou uns de língua espanhola que tenho visto, são muito interessantes e enchem o vazio existente no panorama dos canais tradicionais. Não obstante, é óbvio que também fazem das suas, como o recente espectáculo em torno do malogrado Féher…

Será que, finalmente, este Canal Dois, “novo” pela milionésima vez, vai salvar a honra do convento?

quarta-feira, fevereiro 11, 2004

Transferências – Acima de tudo, transmitia-me a ideia dum todo-o-terreno, pau para toda a obra, tal não era a ambivalência que mostrou. Lembro-me de o ver a apresentar um programa que testava os conhecimentos futebolísticos dos concorrentes, há muito tempo. Depois passou por inúmeros mais programas, um dos quais em que se desafiava pessoas a ultrapassarem medos e fobias a troco de umas míseras notas. De baixo nível, ficou celebrizado pelo “ponha, ponha, ponha!” histérico dum homem careca que não gostava de lagartos.

Por isso, fiquei sempre com uma ideia um bocado “pimba” em relação a ele, colei-lhe logo este rótulo. Mas estou disposto a descolá-lo. A transferência para a RTP mostra um Jorge Gabriel melhor apresentador, equilibrado, engraçado quando é preciso, descontraído. Um bom profissional. Ainda está longe dum Carlos Cruz a apresentar o “Quem Quer Ser Milionário” e, o mais certo, é nunca o ser.

Sobretudo evidencia o quanto as oportunidades de trabalho trazem ao de cima o que de melhor temos para dar.

terça-feira, fevereiro 10, 2004

Preço certo – Já muito se gozou com este tema. Pudera, não é para menos. Porque ver aquele tipo gorducho, rechonchudo, redondo, de suspensórios, trapalhão como há poucos, a apresentar um concurso em que os concorrentes têm de adivinhar os preços de variados objectos que encontramos em qualquer superfície comercial é, realmente, no mínimo estranho.

O concurso, de si, já era assim para o manhoso. Agora, não sei se é por associá-lo imediatamente a isso, mas este tipo consegue dar àquilo um certo ar de revista, às vezes um pouco vulgar, não tem graça mas continua a ser palhaço. Aquele ar de revista que só devia haver na própria revista, não faz sentido fora dela. Ou seja, ali parece de baixo nível.

Derradeiro desafio: quanto custa afastá-lo do programa?

segunda-feira, fevereiro 09, 2004

Evolução – Da mesma forma que Herman José simbolizou uma ruptura, um terramoto no panorama da comédia com a irreverência e a atitude próprias da idade que tinha na altura, também a nova geração da recentemente introduzida no nosso país stand-up comedy, em grande parte, influenciada por Herman, está a dar cartas. É notório o sucesso que o programa “Levanta-te e ri” está a ter.

Bons textos, boas interpretações, também o consagradíssimo comediante da nossa praça tem. Contudo, já não pode competir com a actualidade do discurso, das expressões, do aspecto dos mais novos. Embora permaneça no pedestal que, com mérito, ganhou, está, progressivamente, a estagnar-se, desactualizar-se.

É a ordem natural das coisas Herman, se te servir de algum consolo.

domingo, fevereiro 08, 2004

Visões

Um dia destes falarei um pouco melhor acerca do livro de onde tirei estes excertos. Para já, aqui ficam algumas descrições interessantes de elementos do nosso dia-a-dia, captados através do olhar atento dum estrangeiro.

«(…) and asked for a bica, the one inch shot of caffeine which adrenalizes a few million Portuguese hearts every morning.»

«It used to be a small fishing village [Cascais] with houses falling down steep cataracts of cobbled streets to the harbour and port. Now it was a townplanner’s nightmare, unless you were one of the townplanners who’d passed the numerous development projects in which case you’d be living in a dream elsewhere. It was a tourist town with an indigenous population of women who dressed to shop, and men who shouldn’t be allowed out of a nightclub. Real life had been stripped out and replaced with an international cosmopolitanism which appealed to a lot of people who had money, and about as many again who wanted to ease it away from them. »

«´That’s the Portuguese for you, ´ (…) ´they can’t do anything without food.´»

«´You always said the Portuguese prefer to live in the past…»

«´The sea is probably the most important Portuguese icon.´»


in “A small death in Lisbon”, Robert Wilson

sexta-feira, fevereiro 06, 2004

Acerca de errar a pontaria – parte 3

Que mais posso dizer…? Está-se a tornar um hábito. Há um tipo com um nome certamente muito parecido ao meu a quem lhe está a passar ao lado um tórrido romance.

«E aí guri não q mais falar comigo? Não me liga, não me manda e-mail, tô de cara. Hehehehe.Espero q estejas recebendo meus e-mails, quase todos os dias tenho te mandando.Quero muito falar com vc.Me liga pra me dar notícias.B-jão da guria q quer te curtir.»
O ano da cavala – começou a surgir, de um dia para o outro, nos órgãos de comunicação social quando deflagrou o incêndio “Casa Pia”. Repetida até à exaustão por aqueles que foram inicialmente implicados pelas reportagens incriminadoras, recheadas de testemunhos comprometedores. Depois foi a vez de sua excelência, a presidente da câmara de Felgueiras. Seguiu pelo mesmo caminho, disparando o vocábulo a torto e a direito, para quem tivesse a santa paciência de a ouvir.

Segundo os alegados criminosos, tudo não passava de meros boatos, tentativas de destruir o seu bom-nome, possivelmente, por motivos de inveja, ao que parece, o pecado mortal que mais singra neste país. De tal forma assim o afirmam, que proponho aqui uma ligeira alteração dos cânones da sabedoria popular, corrigindo o provérbio para “mais depressa se apanha um invejoso que um coxo”.

A situação mais engraçada foi a protagonizada por um popular que, a propósito da prestação de declarações por parte de Herman José e consequente aplicação do termo de identidade e residência, se referiu ao assunto como uma autêntica “cavala”. Porventura uma reminiscência ao mais famoso peixe da nação, aquele cherne da família dos Barroso.

A palavra, essa, não tem culpa nenhuma, ninguém, no final de contas, lhe ligou peva. Fica aqui a minha singela homenagem. Segundo a Porto Editora, “cabala” é a «interpretação alegórica do Velho Testamento, entre os antigos Judeus; espécie de ocultismo». Figurativamente, a vertente que aqui nos interessa: maquinação, intriga, conluio.

Mal sabiam os hebreus o sucesso que ia ter, por estas bandas, a sua invenção.

quinta-feira, fevereiro 05, 2004

Acerca de errar a pontaria – parte 2

É giro, porque, quem quer que seja esta entidade do sexo feminino que escreve em brasileiro, ainda não percebeu que continua a enviar mensagens de correio electrónico para a pessoa errada, não obstante, pelo texto, parecer transparecer que, entretanto, falou com aquele que deveria ser o destinatário por outros meios. Eu, claro está, não me vou acusar, estou a achar um piadão…

«Como é q tu tá? Q bom q recebesse meu e-mail, já era hora.Me liga pra confirmar q dia tu vai pra Poa tô anciosa.Amanhã vou estar na Guarda do Embaú e vou esperar tua ligação pq tu não me dá teu número, né.Meu anjinho aquele dia q nós estávamos nos falando na viagem o cel entrou fora de área e eu tentei te ligar e não consegui, mas tudo bem te espero.Tô loka pra falar contigo, pra te ver.Fica com Deus e um grande beijo da
guria q quer te conquistar de verdade Lelê»

Agora até já sei o teu nome, ó conquistadora…

quarta-feira, fevereiro 04, 2004

Raquetadas – Veio a edição deste ano do Open da Austrália na tórrida cidade de Melbourne para me questionar, uma vez mais, porque raio o ténis nacional nunca deu um salto qualitativo em relação ao panorama medíocre que temos vindo a ter. Será que nem sequer um tenista de Top 100 consegue nascer neste país? Já aqui ao lado, em Espanha, é vê-los por todo ao lado. Então em terra batida, são temidos por qualquer tenista que seja.

Eu sei que até há pouco tempo (senão ainda agora) o ténis era visto como um desporto caro, só para quem podia. No entanto, florescem os clubes de ténis e multiplicam-se os praticantes regulares da modalidade. Para além disso, temos um torneio médio, já acolhemos um masters, temos um árbitro de renome suficiente para uma final de Wimbledon.

Que mais é preciso?

terça-feira, fevereiro 03, 2004

Matar – É fácil querer ver-se quite com alguém que nos feriu directamente ou por interposta pessoa. É uma reacção natural. Quero que Fulano sofra tanto quanto eu sofri pelo dano que me infligiu.

Contudo, a isto chama-se vingança, não justiça. Esta última, com letra maiúscula, preocupa-se em aplicar sanções que visem a redenção do ofensor, bem como a alteração da sua conduta para que possa inserir-se novamente na sociedade finda a punição.

Ora, a pena de morte apenas se insere na primeira definição, nunca na segunda. Que pode matar ter de corrector duma conduta? Matar alguém que matou é tornar o Estado num homicida. Ou seja, é tornarmo-nos todos nós homicidas.

A punição tem de ser menor que o crime.