domingo, novembro 30, 2003

Às vezes perguntam-me como é. Eu não tenho propriamente uma receita milagrosa, nem me parece que seja possível criar uma. Porque cada qual tem o seu estilo próprio. No entanto, recorrendo a todo o meu manancial de espírito mártir, vou tentar estabelecer um conjunto de regras de carácter geral que a todos possam servir.

Como escrever blogues em dez passos ou lições? Aqui vão os dez mandamentos da bloguice pegada:
1 – Não serás analfabeto
2 – Terás uma pedra no sapato, um assunto que, dado o elevado grau com que vos incomoda, tem de ser cuspido sobre a forma de um texto que alguém possa ler
3 – Terás acesso a um computador com Internet e conhecimentos mínimos de informática. Ou então, conhecer alguém que tenha paciência suficiente para fazer a edição dos textos. Já procurei para mim, mas não encontrei. Se acharem, já sabem...
4 – Desenvolverás um prazer especial pela diversão, pelo gozo que é colocar por palavras uma ideia, um pensamento
5 – Não terás nada melhor para fazer
6 – Gostarás de leitura e escritura
7 – Terás tempo livre
8 – Possuirás um diagnóstico que atesta algum tipo de demência, por mais ligeira que possa ser
9 – Venderás a tua alma ao teu demónio da escrita
E para, rematar em grande, o mais importante de todos
10 – Terás um grupo de amigos e seguidores que, seja porque razão for, vão tendo a coragem e a ousadia de abrir a tua página de tempo a tempo e incitar-te-ão a continuar, a seguir em frente.

A todos vocês.

sábado, novembro 29, 2003

Centena - Clica-se com o botão direito do rato e aparece um menú que coloca ao nosso dispor várias alternativas. Uma delas, a última da lista, tem a designação de propriedades. Indica-nos o dia em que tal arquivo ou pasta foi criada, o nome que tem, a localização, o tamanho, entre outros. Indica também a quantidade de ficheiros que lá se encontram guardados.

Uma centena, diz-me a janela. Uma centena de pequenos textos como este que hoje proponho. Uma centena de pequenas ideias, situações, sugestões, opiniões. Uma centena de pequenos algos que se transformaram em palavras. Palavras estas que, por sua vez, assumiram uma voz. Voz essa que, se tudo tiver corrido como planeado, chegou até vós e vos quis dizer qualquer coisa, quis presentear-vos com um significado, uma razão de existência.

Parece que foi ontem que escrevi o primeiro.

sexta-feira, novembro 28, 2003

Finalmente - tal não é o ímpeto com que aquele poderoso anel brilha que poucos parecem ser-lhe imunes. A possibilidade de adquirir grandes capacidades transforma as pessoas e traz ao de cima o que de pior possuem: ganância, ambição desmedida, usura. Ao ponto de se virarem contra aqueles que mais gostam ou àqueles a quem juraram fidelidade e honestidade. E mesmo quando sabem perfeitamente que aquele bocado de metal apenas lhes trará complicações.

Até que ponto seremos corruptíveis? Até que ponto é cada homem comprável, dependendo do preço em questão? Ainda que não impressionável, o filme coloca esta interessante questão. De resto, é uma fantasia imaginativa mas, a páginas tantas, cansativa e repetitiva, uma sucessão de rostos amigáveis intercalados por uns de quem tem muito poucos amigos.

É desta, é oficial, finalmente vi o Senhor dos Anéis. Os dois filmes.

quinta-feira, novembro 27, 2003

Biblioteca - Se a totalidade dos cacifos não estiver ocupada, algo que não acontece frequentemente, basta inserir o cartão de identificação da faculdade num dos terminais e indica-nos logo qual ou quais os que podemos usar. Pressionamos o botão e a portinha preta com uma chapa metálica a indicar o respectivo número abre-se. O espaço não é muito mas dá perfeitamente para uma mochila e um casaco leve. Caso não haja cacifos disponíveis, pode-se recorrer às cordas com ganchos nas pontas que puxam os pertences às alturas. Na entrada, há igualmente máquinas que vendem água, refrigerantes e alguns artigos para comer.

Com um cestinho preto, pode-se entrar no edifício em si, defendido por detectores de roubo. Lá dentro, há três pisos. Em todos eles, há uma grande divisão, do lado esquerdo de quem entra, que comunica em altura com todos os pisos, onde estão os livros. Computadores para busca nos catálogos, outros para trabalhar, algumas divisórias com portas de vidro para nos isolarmos do possível ruído. Do lado direito, salas de computadores, salas para pequenos grupos de trabalhos, salas com impressoras, fotocopiadoras. Casas de banho bastante asseadas.

Mesmo assim, há alunos que pensam existirem defeitos. Pediram-me para assinar um abaixo assinado. Os computadores são lentos, podia haver mais cacifos, as salas para trabalhar em grupo não são muitas e pode ser um desafio encontrar uma livre. Enfim, mais coisas do género que entretanto esqueci.

Assim até a mim me apetece entrar e trabalhar em bibliotecas.

quarta-feira, novembro 26, 2003

Pombinhos - Às vezes é um processo contínuo, que se pode arrastar por algum tempo ou mesmo por muito. Mas o fulcral é que, independemente de quanto tenhamos de esperar, as alterações começam-se a notar. E, como em quase tudo na vida, é muito mais fácil aperceber-nos da sua existência quando se sucedem com terceiros do que quando a vítima somos nós.

De repente, é aquele nervosinho miudinho que não pára, que nos faz o coração bater, as mãos tremelicarem. Pode ser tão complicado atingir um nível de concentração aceitável como evitar ir à casa-de-banho mais vezes do que o normal ao longo do dia. Adquirem-se asas, voa-se e toca-se as nuvens que deixam de ser inatingíveis. O sorriso meio parvo recusa-se a abandonar a iminentemente alegre fronha.

E os passarinhos cantam.Cantam, cantam que não se calam. Chilreiam do alto das árvores e passam por nós em voos rasantes.De tal forma que até a nós nos apetece cantar, partilhar, acompanhar o canto deles, seja com a cana rachada com que nos trouxeram ao mundo ou com um assobio mal amanhado.

Cuuuuuuuuu cccrrrrrrrruuuuuuuu...

terça-feira, novembro 25, 2003

Thou shalt not steal - First of all, do not interpret me wrong. I do think that stealing is bad, that it is immoral and a terrible habit. Like smoking. But, once in a while, you do have to bend the rules a little bit. And, if you succeed, you’ll end up with great stories to tell your grandchildren. The one I’ll look forward to tell is as follows:

It was probably cold. Nevertheless, I didn’t feel it, just a bit of wind going by my ears really fast. Miguel took the initiative. He said they should be to the right. And so we did pedal in that direction, way past the Guesthouse. But no fields appeared. Only roads, buildings, houses.

Finally I did some thinking. I remembered that I had already seen the object of our desire one day I decided to explore the surroundings. Follow me, I said, we have to take a left turn at the big roundabout where there’s a bunch of petrol stations.

And, eventually, my memory took us to the right spot, a big field near small houses. Miguel was the first to hop off his bike. He looked at the vegetables and asked me if we were looking at potatoes. It looked like it, but we weren’t sure. Only one way to find out. It turned out to be a radish. Never mind, I’ll take it anyway, said my accomplice.

But we weren’t there for radishes. So I walked a few more meters. And there they were, just if as they had been waiting for us their entire life. I pulled one out. It was heavy. Happiness invaded us as we were installing our newly acquired vegetables in Miguel’s bike.

And they tasted great with codfish.

segunda-feira, novembro 24, 2003

Banhada - A viagem foi péssima, entre comboios onde os lugares sentados esgotam facilmente e troços da linha interrompidos que obrigam a apanhar um autocarro. Demorou muito, foi incómodo e cansativo.

Pior do que isso são as expectativas. Criei as minhas ouvindo quem já conhecia dizer que era uma cidade futurista e impressionante nesse sentido. Para além disso, com um porto gigantesco.

O porto gigantesco está lá; apanha-se um barco e fica-se a ter noção de quão grande é o bicho. Contudo, a vertente futurista deixa a desejar. Estava à espera de ver mais edifícios de arquitectura arrojada, muitos mais. Um ou outro, apenas. Os da Postdamer Platz, que já aqui falei, são bem mais interessantes.

Erasmus, fica lá com a tua Roterdão que para mim não serve.

sexta-feira, novembro 21, 2003

Tempo - Pouco resta do brilho com que o sol nos contemplou hoje de manhã. Pouco a pouco, as nuvens foram ganhando terreno e ganhando pequenas batalhas que ditaram o resultado desta guerra dos elementos. Agora é o reinado do cinzento. Por quanto tempo, não sei ao certo. Diz, quem é entendido em metereologia, que pelo menos até sábado vai dominar a timidez solar.

Interessante como cada um influencia o estado de espírito à sua maneira. O sol pos-me risonho de manhã. Enérgico. As nuvens acalmaram-me. Deixaram-me pensativo e com vontade de ouvir Coltrane. E muito pouca de estudar.

Por isso gosto das várias hipóteses climatéricas que nos são presenteadas. Se só visse sol seria possivelmente uma pessoa demasiado agitada e algo eufórica, possivelmente histérica; contrariamente, nebulosidade excessiva far-me-ia melancólico, saudosista, nostálgico.

Como nestas coisas o povo tem sempre razão, no meio está a virtude.

quinta-feira, novembro 20, 2003

Memória outra vez – E quem disse que não ter memória nenhuma era engraçado? Felizmente não fui eu. Isto porque acabei de ver o Christopher Nolan a passar hora e meia duas horas a procurar estabelecer a sequência lógica dos acontecimentos que a cabeça dele não consegue reter. Não é amnésia, eu só não consigo é criar memórias novas.

E que fazer se, passados dez minutos, nada do aconteceu nos é minimamente familiar? Escrever em papéis, tirar Polaroids a pessoas, tatuar o corpo com as informações mais relevantes e importantes. A partir daí, tentar recuperar, apanhar o fio à meada de cada vez que se acorda da letargia e perceber porque se está num dado local a uma dada hora.

O problema é quando uma acção altera para sempre o rumo de tudo. Uma pequena grande decisão num momento isolado pode condicionar para sempre tudo o que fazemos a partir daí. Porque se o escrevemos, então passa a ser a verdade para nós, quando não queremos aceitar a verdadeira verdade. E nunca se duvida do que está escrito, é um facto. E os factos não podem ser distorcidos, enquanto as memórias o são facilmente.

Ainda não viram o “Memento”?

quarta-feira, novembro 19, 2003

Memória - E querer esquecer algo? Uma situação embaraçosa, daquelas que ainda nos incomodam só de pensar nelas, um momento em que perdemos a cabeça e fomos injustos com alguém. Ou, pura e simplesmente, esquecer alguém.

Pode ser uma tarefa muito complicada. Porque, quanto mais a queremos concretizar, mais parece tudo reverter para aquilo que queremos esquecer. As associações mais estranhas e rebuscadas estabelecem relações entre o que vemos, ouvimos, cheiramos, sentimos e as situações, ocasiões, pessoas que gostaríamos de olvidar, mas que fielmente guardamos para sempre na nossa memória.

E, às vezes, ferem. Apanham-nos desprevenidos. Preparam uma emboscada e, quando menos os esperamos, quanto mais nos sentimos imunes, é quando mais estragos causam.

Quem disse que ter memória de elefante era sempre bom?

segunda-feira, novembro 17, 2003

Agent Smith, one of the equation’s sides, is getting seemingly frustrated. Neo is what we normally define as a huge pain in the ass and stubbornly refuses to call it a day, to vanish, to die. He always gets up once again, even when it seemed impossible to see yet another come back.

The evil computer program is getting upset. He asks him why does he want to keep it up, he should know that it is impossible to defeat computers. What keeps you going? He pours out a list of possibilities and finalizes with love. Is it love? Humans are so despicable. It’s just a word, nothing more than an insipid and insignificant feeling. It doesn’t mean anything. Why don’t you face it and give up, Neo?

Because I choose so.

domingo, novembro 16, 2003

Última hora – folhas A4 que passam rapidamente pelos olhos ansiosos, nervosos, que tentam reter, absorver o máximo possível. A técnica consiste em ser capaz de dizer os valores, datas, tópicos em voz alta, com o auxílio dos dedos que indicam quantos elementos devem ser identificados. Vezes e vezes sem conta, até não ser necessário recorrer ao papel para conseguir enunciar tudo.

É uma corrida contra o tempo, pois a grande prova está as escassas horas, por vezes apenas minutos, de entrar em cena. As unhas desaparecem, as idas à casa-de-banho tornam-se cada vez mais frequentes. Mas o mais interessante é o facto de que muitos do que praticam este tipo de estudo tiveram efectivamente tempo para percorrer em condições tudo o que era matéria relevante. Porque se, por alguma razão, não tivessem tido oportunidade para se preparem com a devida antecedência, então não seria caricato. Se resulta alguma coisa, tenho as minhas dúvidas.

Mas, mesmo que surta resultado para o exame, fica decerto colado com cuspo e não demora muito a cair por terra.

sábado, novembro 15, 2003

Clássicos - Ficam brochelências a saber que vos vou dedicar um blogue. E levam com ele que se.... Sobre quê, perguntam-me já a calcular que não pode ser coisa boa. Mas enganam-se, porque até vai ser. Acham que não?? Dúvidas?? Não há, nem pode haver! Senão levam um estalo à Pai Natal que até arrotam a presunto. Ora vamos a isso. Zimba!

Tal como se sucedeu comigo, também vos deve ter acontecido receber algumas exclamações surpreendidas quando tiveram de explicar a alguém que não nos conhecíamos minimamente até virmos para esta terra. Mais informo, mais informo, que eu até costumo dizer que foi assim uma espécie de sexto-sentido ter conhecido o Nuno e o Gonçalo no corredor no dia em que cheguei e o resto aconteceu com a naturalidade que já sabemos e tão bem conhecemos.

Isso agora não interessa. A questão central é se isso se prende com o facto de sermos lusos, se existe alguma predisposição genética ou cultural para nos darmos tão bem, ou se, pura e simplesmente, há muita química a fluir entre nós. Disparar esta dúvida existencial é fácil, é só chegar aqui e toma lá morangos; complicado é respondê-la.

Felizmente também não interessa para nada saber isso. Interessa sim manter o espírito bem vivo e activo até ao final. Vamo-nos aplicar! Resta terminar por dizer que já cá faltava um blogue que falasse destas coisas verdadeiramente sérias, que colocasse em perspectiva a dimensão humana e social da Guesthouse Maastricht. E, mesmo assim, se calhar é pouco...

Digam se entendido, sem mais Ó Capa.

sexta-feira, novembro 14, 2003

Indignações - Isto de ser português tem muito que se lhe diga. Passamos a vida a queixar-nos de quão pouco avançado é o nosso país, que é habitado por incultos e gente pouco cívica, onde se passam coisas inacreditáveis e que, muitas vezes, ainda por cima passam incólumes, nem sofrem um puxão de orelhas por parte da Justiça. E depois, é claro, fazemos comparações com outros países. Os tidos como civilizados. Se isto alguma vez se passaria em tal sítio? Nem pensar!

Sem sequer querer entrar na problemática de avaliar se, efectivamente, essoutros países são imunes aos referidos problemas lusos, penso que me custaria muito viver num desses países onde tudo corre mais ou menos bem. Não sei se será por me ter habituado tanto a essa forma de vida nacional...

Acho que já não vivo sem as minhas indignações diárias. Preciso de ser alvo ou ver qualquer coisa que me escandalize, seja nas notícias, seja quando me desloco no meu quotidiano a qualquer lado. Refilo, acho escandaloso, como é possível, ninguém faz nada para acabar com isto. Descarrego tudo.

Depois acalmo, prossigo com a minha vida e esqueço.

quinta-feira, novembro 13, 2003

Utopia – compreendo que podem ser usadas como uma espécie de indicadores do caminho a seguir, da direcção adequada, aquela que supostamente conduzirá a melhorias a todos os níveis. Contudo, não posso deixar de me sentir aliviado por ter a noção de que são inatingíveis.

Já imaginaram bem um mundo em que tudo é pateticamente perfeito? Em que vivemos todos na nossa felicidade padronizada, na ilusão de que nos sentimos completos numa vida standardizada e insípida?

Há pouco tempo passei pela Suíça. Um país lindo. No entanto, de perder a cabeça. Os estacionamentos têm matrículas a indicar quem ali pode parquear e, a espaços, a indicação do sítio onde os visitantes podem estacionar. Quem vive num apartamento não pode puxar o autocolismo entre as dez da noite e as sete do dia seguinte. Estes são os que fixei melhor. Deve haver mais. De certeza.

Não são é para mim.

quarta-feira, novembro 12, 2003

Diversity – Yet another example about borders: people that don’t know much about the Iberian Peninsula tend to think that portuguese and spanish are all the same. But they aren’t. At least to me, born and raised in the north bank of the beautiful Tejo (Tagus in english), whose stream reflects Lisbon’s brightness. Even though there is an undeniable closeness, I don’t identify myself with Spain. I feel adapted in that little triangle, stuck between big España and even bigger, huge Atlantic Ocean.

But the fact that all of us are different shouldn’t be, in itself, a barrier. Of course, it draws us apart, up to a certain extent. Nevertheless, it makes contacts interesting and worthwhile. There are lots of subjects which I do not debate with fellow portuguese; we all know about them, no use discussing them. With other nationalities, I always try to satisfy my curiosity. There is always a lot of stuff to learn from foreign people.

And that is something I’ve tried to do on and on here in Maastricht. Talk to people. Listen what they have to say. Get to know what they thing about this and that. Try to understand how they react differently to the same situation. That is probably the biggest enrichment I’ll get from this international experience. And the one I’ll cherish the most.

Uniformity sucks. I’m glad there was once a thing called Babel Tower. Which is the same as saying I’m glad there are borders.

terça-feira, novembro 11, 2003

Aeroporto de Maastricht – Ao contrário do que possam pensar, o verdadeiro aeroporto desta terra não fica nas imediações e não corresponde àquele local onde há uma pista comprida. Fica bem no centro, para ser mais preciso, na Tongerseweg, local das afamadas cantina da faculdade, Mensa para os amigos, e biblioteca.

São os maiores hangares de que há memória, repletos de aviões das mais variadas proveniências e companhias aéreas. Aeroportos de renome internacional, estes dois estabelecimentos oferecem excelentes condições e infraestruturas para o desenvolvimento dos transportes desta natureza, assim se justificando a grande frequência de ligações domésticas, continentais e intercontinentais.

Se és pertencente à categoria dos reles bimotor Cessna, não te incomodes a vir para cá; esta é terra de Airbus de longo curso e Boeing 747 de grande porte.

segunda-feira, novembro 10, 2003

Desculpas, outra vez - Se há coisa que o Jaime realmente fazia era falar. Falava muito, falava que se desunhava. Não que isso fosse problema, porque era um tipo cheio de graça. No entanto, no meio de toda aquela chispa de palavras e frases com intuito de palhaçada, lá saia qualquer coisa com mais conteúdo.

Uma delas foi em relação à forma como havia sido organizada a nossa viagem. Dizia ele, e com razão, que não devíamos ter começado por S. Miguel, porque essa é a ilha com mais monumentos naturais a visitar, a mais espectacular. Deveríamos ter ido primeiro aos outros grupos, idealmente começar no ocidental, e só então finalizar, cereja em cima do bolo, no oriental.

Sem intenção de aplicar estes conselhos propositadamente, parece que desta não errei. Já aqui falei da minha experiência com a Bélgica que, depois de algo traumática em Liège, acabou por ser bastante proveitosa na Flandres e em Bruxelas. Mais recentemente, o mesmo sucedeu com a Alemanha, se bem que conheça esta última república em muito menor escala. O início teve lugar nas pouco interessantes cidades de Aachen, Bona e Colónia e a progressão natural até Berlim salvou a honra do convento.

É a tua vez, Deutschland, desculpa lá qualquer coisinha...

domingo, novembro 09, 2003

Quem canta seus males espanta – Afirma-o categoricamente a sabedoria popular. Que o diga eu que, sempre que resolvo dar corda à minha voz de cana rachada tenor, para além de alguns males menores, espanto os cães que fogem a ganir, racho copos e outros instrumentos em vidro e provoco reuniões extraordinárias dos vizinhos aqui da praceta.

Então e escrever? Também espanta alguma coisa? Claro que sim. Sentar-me no conforto da cadeira em frente ao monitor e debitar aquilo que alegremente me vem à cabeça é, quase, uma espécie de exorcismo. Durante momentos, o diabinho que existe dentro de mim (não comecem já a rir porque toda a gente tem o seu...) solta-se, corre livremente, grita, esperneia, rabuja, contorce-se. Critica, diz mal de qualquer coisa; aplaude, incentiva, estimula. Faz o que lhe dá na real gana. Acima de tudo, dá largas à sua imaginação, algo tão necessário como respirar.

E, no fim, é uma óptima sensação.

sábado, novembro 08, 2003

Barriers - It’s strange how in such a short distance, in a very small physical space, the visual aspect can chance so much. Whether you are on our way to Belgium or Germany, both so close to Maastricht, the first city after the border is always different. Not just on what concerns the buildings in themselves and their architecture, but also on the impression the places convey and, above all, people.

Explaining this difference I claim to exist is not an easy task. You can only feel it. It’s a bit like swing in jazz. You can understand what it is when you’ve seen it, when you’ve felt the beat hitting your skin, when you’ve experienced your fingers breaking free, gaining control over themselves and making your music independently of you, melting with the rhythm. But you cannot explain what swing is. There are even great players that refuse to give classes believing it’s impossible to teach it.

Nature cannot be responsible for that difference. Hardly could she (I’ll assume we’re talking about a lady, hardly could such a beautiful thing belong to the male gender) change that much in such scarce kilometers. That’s where we enter the picture. Only human barriers have the power to perform such a thing, like those that we call borders that I guess only exist to show us how fundamentally equal entities (within their evident physical diversity) like human beings, can become so different according to the environment where they were born and raised and where they fit in.

Next time, all about diversity.

sexta-feira, novembro 07, 2003

Separação - Foi quando passámos a Grande Estrela, onde os U2 rodaram um teledisco com o Siegessäule, e prosseguimos em direcção à Porta de Brandeburgo, que deparámos pela primeira vez com ele. Apenas uma linha de bricks com trinta centímetros de largura que atravessa a cidade como ele atravessava. Cortava ao meio a estrada onde rolávamos e os pneus do veículo fizeram aquele som de pisar calçada quando passaram por cima dele.

Até então, não fazia a mínima ideia qual era a área que delimitimava, menos ainda que tivesse permanecido durante décadas a tapar aquele que é, provavelmente, o maior ex-líbris de Berlim. No dia seguinte apercebemo-nos melhor da sua extensão. Seguimos a pé os seus contornos. Desde a zona comunista, à inglesa e até à americana. Na francesa não estrámos. Um monumento com mais finalidades que evitar o esquecimento.

Deparámos que é como quem diz. Não é que ele tivesse propriamente lá, porque não está. O que está verdadeiramente são as diferenças. O lado leste tem prédios estilo caixote onde só os números das portas mudam, os edifícios como universidades e museus são imponentes, grandes, fortes e feios. De vez em quando, descampados nas zonas onde era necessário controlar tentativas de passagem. Como a impressionante Potsdamer Platz, que aos poucos vai apagando esse cariz militar de fronteira com edifícios modernos. Mas onde a união das regiões ainda não se sente.

Espaçadamente, vê-se escrito “Berliner Mauer 1961-1989”.

quarta-feira, novembro 05, 2003

Aula de História - Quando lhe disse que os espanhóis, por vezes, nos soavam um pouco arrogantes devido ao seu espírito nacionalista, disparou-me de imediato que o que tinha dito nada mais era que preconceitos pelo facto de eu ser português. Ao ouvir tais palavras, pensei cá com os meus botões que estava na altura de pôr esta macaca em particular no seu galho.

Vamos cá ver, minha linda, disse eu com o meu melhor inglês, o que sabe sua excelência acerca da História da Península Ibérica? Um encolher de ombros e uma cara de quem foi apanhada a pôr um dedo na cobertura do bolo. Espera aí que já te digo... Foi vítima duma breve incursão pelas invasões árabes e pela reconquista a partir do Reino das Astúrias. Depois, os diversos reinos que, mais tarde, se tornaram naquilo que é hoje a Espanha e o velhinho Condado Portucalense.

A socialização de povos com identidades culturais tão diversas e distintas foi a única forma de manter o país unido. O castelhano foi imposto como língua nacional e, durante muito tempo, as outras foram reprimidas. Ainda assim, há pressões separatistas, das quais a mais famosa está associada ao movimento terrorista basco. Portanto, é perfeitamente normal que eles sejam mais ferrenhos que nós, cuja identidade nacional não é posta em causa de forma alguma e não fomenta um esforço acrescido para a uniformização e aproximação.

Calou-se. Normal, fiz a minha cara de convincente.

terça-feira, novembro 04, 2003

Saudade - Não, não tenho saudades. E não, não quer dizer que seja um insensível e que não pense em todos vocês que tão amistosa e carinhosamente me perguntam regularmente novidades do país das bicicletas e dos moinhos. A verdade é que só de pensar nas saudades que vou ter de aqui estar quando regressar a casa, destas circunstâncias em particular, das pessoas, dos lugares, das situações, fico imediatamente sem capacidade para conseguir tê-las por não estar em casa agora.

Pode ser?

segunda-feira, novembro 03, 2003

Será que o ofenderam?
Será que chamaram nomes à mãe dele?
Será que se esqueceram de lhe dar os parabéns no dia de aniversário dele?
Será que lhe ficaram a dever guita e ainda não pagaram?
Será que se meteram com a namorada dele?
Será que não lhe enviaram um postal no Natal?
Será que lhe pediram o carro emprestado e o devolveram com um risco?

Não sei ao certo o que lhe fizeram, mas coisa boa não deve ter sido porque o gajo só pode mesmo andar piurso com estes cromos a quem chamamos holandeses. A julgar pela cor dos céus...

Agora só se desencantarem uns nomes para umas terras, tipo S. Pedro do Estoril ou do Sul para ver se passam uns paninho quentes...