quarta-feira, junho 30, 2004

Nomenclatura - Há cães que sofrem. Que carpem as suas mágoas com ganidos. Que se refugiam no silêncio da única língua incompreensível que ladram. Que deixam de correr para ir buscar o osso e não respondem aos insistentes apelos do dono para brincar. Com os avanços da medicina, chegam até a ir a psicoterapeutas especializados na sanidade mental canina.

Apresento-vos os cães que têm nome de cão. Bobi, Bolinha, Chucha, Black, Spot, Malhado, Snoopy, Tejo, Campeão. Exemplos de vocábulos que deitam por terra a auto-estima de qualquer canídeo.

Porquê? Imaginem-se na pele do bicho. Achariam, por acaso, alguma graça ter um desses nomes deprimentes? Nomes de coisa em vez de entidades com vida, sentimentos e afectos. Porque razão não hão-de ser chamados Diogo, Tobias, Chico ou Olga como qualquer ser que se preze? São inferiores?

Está na hora de serem os cães a abandonar os donos no início do verão para ir de férias.

terça-feira, junho 29, 2004

Pensamento do dia – Pelo seu carácter de proximidade, tu cá tu lá, com a sorte, fortuna, Santana Lopes é o Granito da política.

segunda-feira, junho 28, 2004

Llega cuando llega - O momento da confrontação tinha, inevitavelmente, de surgir. Fosse com uma candidatura à Presidência da República, fosse de outra forma qualquer, era uma questão de tempo até Santana Lopes nos aparecer, forte e feio, como potencial açambarcador dum cargo de peso. Nesta situação ainda pior, porque, ao que tudo indica, sem sequer eleições necessitar. Só é preciso que aceite o convite do primeiro-ministro cessante para ocupar a sua cadeira.

Que o nosso provável político mais fashionable ande lá pela Câmara da Figueira da Foz (a de Lisboa também já me custa um bocado), que apareça nos comícios e faça aqueles discursos bem proferidos, entusiastas, que põem a comunicação social em alvoroço, que seja fotografado nos eventos sociais, tudo bem. Agora, chefe do nosso Governo?

Não tenho nada contra o tipo. Mas não o vejo nada nesse papel. É verdade que também não via o Cherne a assumir as rédeas da nação e acabei por me habituar. Primeiro estranha-se, depois entranha-se. Mesmo assim, as reticências que coloco ao Presidente da Câmara de Lisboa são grandes, redondas e gordas.

Mesmo num relativo marasmo em termos de figuras com o perfil adequado há, decerto, melhores alternativas.

domingo, junho 27, 2004

Concurso Público - O Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente pretende adjudicar a destruição do empreendimento Casas da Bafureira, sito na encosta de S. Pedro do Estoril, no âmbito do Programa “Vamos Lá Acabar Com Esta Desgraceira Urbanística Duma Vez Por Todas”. A acção servirá de exemplo para outras vindouras, extensíveis a tantas outras áreas do território nacional como, por exemplo, o Algarve.

Dar-se-á preferência a profissionais das áreas de destruição maciça, terroristas, e pirómanos. Os candidatos terão de enviar os seguintes documentos:
1 – Portfolio de intervenções levadas a cabo, com especial destaque para as que têm menos de cinco anos;
2 – Orçamento detalhado.

Os critérios a aplicar no processo serão os seguintes:
1 – Eficácia;
2 – Espectacularidade e mediatismo;
3 – Relação preço-qualidade.

Os interessados deverão enviar os documentos solicitados até ao final de Maio para a seguinte morada electrónica: limpezaurbanistica@min-cid.pt

sábado, junho 26, 2004

«E aí Dani, tudo bem?

E aí dormiu bem ontem? Depois de tudo que nós conversamos, só me restou
dormir mesmo!!
Conforme o prometido estou te enviando minha foto, essa foto eu tirei a
duas semanas em uma Feira do setor coureiro calçadista em Novo Hamburgo.

Nos falamos,

Beijos,

Cássia.»

sexta-feira, junho 25, 2004

Ontem comi uns bifinhos ao jantar. Não eram assim de grande qualidade. Talvez por isso, tenham dado luta ao cozinheiro. Foi preciso uma abordagem que escondesse as suas fraquezas. Ou seja, quando não é carne de primeira, faz-se com cogumelos e umas natas para disfarçar. Depois juntam-se umas batatinhas fritas, um bocadito de arroz e já está.

Que grande jantarada!

quinta-feira, junho 24, 2004

Pourquoi pas? - A intuição depressa se mostrou certeira. "J’aime avoir peur avec toi", era o título do livro que segurava com a mão esquerda amplamente esticada para manter as páginas abertas, enquanto esperava a sua vez. Incauto, não tinha trazido algo para ler, nunca pensei que demorasse tanto tempo. Não que seja a minha maneira de matar o tempo de eleição, mas naquele momento parecia perfeita.

A saia era curta, de um verde seco que puxava a cor dos olhos. As sandálias com uns atilhos que subiam pelas pernas brancas, imaculadas acima. O top também branco, justo, exibidor. Realçava aquilo a que os espanhóis denominam de buena pechonalidad.

Se a nacionalidade francesa (belga? Não me cheira…) me pareceu evidente de início, mesmo antes de ter tido acesso ao título do livro, a idade deixou-me mais duvidoso. Embora o rosto jovem, sem rugas, pele vistosa e rosada ameaçasse vintes e poucos, algo me parecia indicar que era uma daquelas que tardam em envelhecer. Seriam uns trinta legais mas duas décadas e pouco em termos físicos, nas minhas contas.

Por outro lado, os possíveis trinta anos davam-lhe um ar de experiência, de quem já passou por mais coisas na vida, tem mais bagagem e, que bem aplicada a expressão neste contexto, savoir faire. Tudo isto presente nos movimentos, lânguidos, lentos, na postura despreocupada e confiante.

De repente, levou mão à cabeça para pôr um fiapo de cabelo atrás da orelha. Foi só então que entendi que, também no seguimento da tradição francesa ou, pelo menos, na que se atribui às francesas, não tinha gosto especial em pôr cera depilatória nas axilas.

Acerca da fugacidade, efemeridade da atracção.

quarta-feira, junho 23, 2004

Olha prá estrelas! - Lembro-me em concreto dum manual escolar, penso que de Ciências Naturais, ou lá como raio se chamava a disciplina do ido sétimo. Com as sucessivas reformas curriculares, deve ter um nome completamente diferente e falar exactamente das mesmas coisas. Enfim, voltando ao manual, este tinha uma pequena foto duns jovens com o que parecia uma ganza na mão e uma legenda que dizia, mais coisa menos coisa, que um charro era o primeiro degrau duma escalada perigosa que leva às drogas duras e, no limite, à destruição e à morte.

Entretanto passaram dez anos da minha vida. Não, não vos vou contar tudo o que se passou nessa década. Até porque, mesmo que quisesse, parte ficou esquecida, enterrada com o tempo. Vou antes partilhar convosco a minha cada vez maior descrença nos sistemas proibitivos.

Corria o verão de 2000, salvo erro, quando o repórter que se encontrava no recinto do Festival do Sudoeste resolveu entrevistar alguém responsável pelo evento que, garantia a pés juntos que não havia drogas leves ali dentro. Mal se lembrou ele que a mesma reportagem estava a ser transmitida no ecran gigante do festival e as pessoas que lá se encontravam estavam a ver em tempo real as sérias declarações. Obviamente, desencadearam uma gargalhada colectiva que também apareceu em directo para o jornal da tarde. Sabemos que, actualmente, mais de metade dos jovens já experimentou dar uma passa numa broca. E não há concerto em que o cheiro não surja.

Agora, para a geração dos baby-boomers, que corresponde, grosso modo à dos pais de filhos da minha idade, ou seja, vinte e poucos (mandem lá as bocas, vá) o acto de aspirar os fumos de um charro é algo de muito sério, perigoso. No mínimo, a necessitar de intervenção. E eles, os pais, no mínimo, a necessitar de se informar melhor em relação a uma realidade que desconhecem em larga escala.

No entanto, quantos deles fumam tabaco? Aquele que mata anualmente milhares de pessoas, com as doenças cardiovasculares e o cancro no topo da lista. Isto para não falar no álcool. E, já agora, porque não, o café? E os comprimidos para tranquilizar ou dormir melhor esta noite, é a última vez que tomo, estou tão cansado hoje.

A questão é meramente geográfica. Ou topográfica, ou morfológica, como quiserem. Onde está o fosso que marca o verdadeiro perigo? É da ganza para cima? Eu analiso o que vejo. E conheço bastantes pessoas que a fumam duma maneira regrada, em ocasiões e momentos festivos, quando se querem divertir com os amigos. São cidadãos normais, responsáveis, pessoas que trabalham ou estudam e úteis para a sociedade.

Retiro o que disse. A questão não é definir o fosso. Se bem que o tenha perfeitamente delineado nas drogas duras porque essas destroem a capacidade de viver, de discernir, de ser útil, de produzir, de ter um trabalho. A questão é o uso. Se fumar três maços de cigarros por dias, beber dez imperiais ou quinze cafés, estou a prejudicar-me seriamente. Se fumar vinte bóias, também. Mas se fumar de vez em quando, se beber alguns cafés por dia, se beber ao fim-de-semana uma cerveja com os amigos, não me estou a destruir a olhos vistos.

É claro que há sempre uma componente de dano para a nossa saúde. Da mesma forma que trabalhar o dia inteiro sentado em frente ao computador ou obrigar os olhos a ler muito tempo não faz nada bem. Por isso não gosto dos puristas, dos que alegam uma vida cem por cento livre do que nos prejudica. Porque cada um está disposto, de acordo com a sua preferência, a abdicar de um pouco de saúde ou qualidade de vida pelos prazeres da vida. Que, no final, também eles são parte da nossa qualidade de vida.

É a forma como usamos estas drogas que dita o perigo delas, não o facto de as usarmos.

terça-feira, junho 22, 2004

«Países produtores tentam conter preço do barril de cerveja – o Euro 2004 está a provoar uma verdadeira escalada nos preços do barril de cerveja, o que afecta toda a economia nacional de forma dramática. Assim, se em Maio, o preço do barril subiu de 16 dólares para 18, foi nos primeiros dias de Junho que se notou que a subida não se ficaria por esses valores, batendo recordes consecutivos a cada dia que passava.

E foi no dia da inauguração do Euro 2004 que o preço do barril atingiu o seu preço mais alto de sempre, ultrapassando o valor psicológico de 25 dólares por barril e estabilizando nuns insustentáveis 45 dólares por barril. Com esta subida, provocada pelo aumento exponencial de procura por parte dos adeptos dos países participantes, bem como pela trágica situação da Selecção Nacional, toda a produtividade do país sofre um duro golpe, uma vez que Portugal é um país movido a álcool, adiando ainda mais a retoma e aumentando a consciência da situação do país entre os seus habitantes.

Assim, como a produção nacional de cerveja é insuficiente para a procura, o governo português pediu à OPEC (Organização dos Países Exportadores de Cerveja) para aumentar a produção para a quota de 40 milhões de barris por dia, para assim forçar o abaixamento do preço da cerveja mundial. Os principais produtores de cerveja do mundo (EUA, Brasil, Holanda e Alemanha) mostraram-se receptivos à ideia, embora joguem com o timing da decisão como forma de chantagem perante os países mais desenvolvidos em termos de alcoolismo, como Portugal.»

in Inimigo Público, 18 de Junho de 2004

segunda-feira, junho 21, 2004

Fanatismo - A grande diferença dum jogo dum campeonato europeu para um qualquer de âmbito nacional é o ambiente. O público almejado é, para além dos que tradicionalmente vão aos jogos, mais familiar, classes sociais diferentes. O resultado é uma misturada de pessoas que normalmente não se vê nas bancadas.

O que se ganha com isto? Sobretudo civismo, boa educação e bom humor. No jogo de Portugal contra a Rússia, no sector onde estava, completamente dominado pelos torcedores da selecção das quinas, obviamente, a páginas tantas chegou um russo com uma barriga de cerveja de meter respeito, um par de óculos gigante, com uma menina de mão dada, mini-saia mesmo muito mini e de aspecto altamente duvidoso, ambos de cigarro no canto da boca.

Imediatamente, as pessoas que estavam nas imediações se entreolharam, acharam pouco ortodoxo dois marmanjos misturados no meio de defensores da equipa rival. Mas rapidamente os acolheram lindamente. Alguém os deixou passar, alguém se riu e fez um sorriso quando o gordo soltou um grito de guerra pela sua equipa, alguém tirou uma fotografia a pedido do casal.

O jogo começou. Algures por volta de meio da primeira parte, o tipo aproveitou um momento em que os portugueses não gritavam pela sua equipa para se levantar e gritar um “Rassía” gigantesco que arrancou umas gargalhadas e palmas da claque vermelho e verde. Os adeptos contrários gostaram de ver a mesma paixão pelas cores nacionais no russo.

Russo esse que, sozinho, voltou a soltar um berro monumental, de tal forma que conseguiu arrancar a claque do seu país, quase do outro lado do estádio, dos assentos e pô-los também aos guinchos. Não houve insultos parvos. Cada qual para ver a sua equipa ganhar

Fez-me perceber que quem destrói os jogos são as claques organizadas.

domingo, junho 20, 2004

Inconsistência temporal – Nós, os nacionais deste pequeno rectângulo ladeado de Espanha e de Oceano Atlântico, somos educados com evocações do histórico tempo em que andámos à chapada com todos os que nos queriam roubar as terras e, acima de tudo, das viagens perigosas que tinham como objectivo roubar a terra dos outros.

Coragem, marinheiros destemidos, inteligência, audácia, são exemplos de palavras e expressões que vemos associadas a tais relatos. A abnegação, a vontade de conquistar e chegar mais além são características que levam a considerar os Descobrimentos como dos maiores feitos da História da Humanidade.

Vamos viajar alguns séculos e aterrar na realidade actual. Estudos apontam a população portuguesa como uma das mais avessas ao risco que existe. Num tipo de sociedade caracterizado pela economia de mercado que assenta na iniciativa privada, a fraca tolerância ao incerto é apontada como um sério entrave ao desenvolvimento do país.

Agora pergunto eu: para onde raio foi toda esta garra, esta sede de chegar e vencer? A mesma que se perpetuou nos inúmeros milhares que literalmente saltaram a fronteira no tempo da Outra Senhora, e não só, e se fizeram ao mundo desconhecido. Passaram por sérias dificuldades e privações mas acabaram por conseguir estabelecer-se no estrangeiro.

Este é um tema sensível que, muito certamente, vou voltar a abordar.

sábado, junho 19, 2004

Palavras para quê? Miguel Sousa Tavares, à sexta, no Público

«Patriotas - Quando eu tinha para aí uns 14 anos e a paixão para jogar futebol me consumia de manhã à noite, fui ter com o meu pai, que era o ser mais terra-a-terra do planeta, e disse-lhe que queria ser futebolista. E ele respondeu-me, demolidor:”Filho, só vai para futebolista quem não sabe fazer mais nada.” Tenho-me lembrado disso nestes dias, quando vejo os jogadores da selecção nacional transformados em heróis nacionais, sem que nada, rigorosamente nada, tenham feito até à data que o justifique, e todavia alvos de todas as homenagens e vassalagens, incluindo as do primeiro-ministro e do próprio Presidente da República, que se deslocaram ao estágio da selecção para dizerem aos heróis da pátria que a nação, para além de lhes dar todos os luxos, conforto e condições de trabalho, para além de os remunerar com generosíssimos prémios em caso de vitória, para além de lhes proporcionar fabulosos contratos publicitários ostentado a camisola das quinas e enxameando com os seus retratos todas as esquinas, para além de ter investido centenas de milhões de contos para organizar em Portugal um Campeonato Europeu de modo a que eles tivessem finalmente hipótese de ganhar uma vez na vida, para além de tudo isso e apesar de tudo isso, a nação nada lhes exigia. Apenas o favor de disputarem uns quantos jogos de futebol.

Regressado de uma semana fora e mesmo sobre a hora do enxovalho futebolístico com a Grécia, fui dar com um país transfigurado por uma histeria patriótica de que nem nos tempos áureos do salazarismo há notícia. Táxis, transportes públicos, carros particulares, cafés, restaurantes, monumentos, casas, tudo, rigorosamente tudo, ostenta a bandeira nacional, como se uma febre endémica tivesse subitamente atacado o país inteiro. Todos os “outdoors”, os “spots” televisivos, os anúncios da rádio e da imprensa vomitam sem cessar o Scolari, o Figo, o Rui Costa, o Nuno Gomes, heróis do mar, patriotas sem igual, portugueses de excepção – pagos a peso de ouro.

Numa promoção televisiva, Marcelo Rebelo de Sousa gaba-se de ter partido dele a genial ideia e regozija-se porque até Jorge Sampaio, seu longínquo adversário, aderiu a ela. E, por entre mais uma cerimónia de condecorações a forçados heróis nacionais, a pretexto do 10 de Junho, o Presidente apela a que as bandeiras permaneçam em exibição mesmo para além do Euro e do mais que provável fiasco da selecção nacional. Bendita selecção, bendito brasileiro pago a 35 mil contos por mês, que, de uma penada, nos restituíram o orgulho patriótico e nos levam a acreditar que, como diz o Presidente, o Euro é verdadeiramente um “desígnio nacional!”.

Não é uma justiça em que acreditemos, não é uma educação de nível europeu, não é um sistema fiscal que honre os pagadores de impostos, não é uma investigação científica que nos engrandeça, não é uma política externa de que nos orgulhemos, não é uma saúde e uma assistência social que nos tranquilize, não é nada disso. É a organização do Euro, as autarquias que se arruinaram para construir estádios para um público que daqui a 15 dias desaparecerá de vez, todas as forças de segurança reequipadas e pagas em horas extraordinárias para vigiar os bêbados ingleses, e o ministro Arnaut, impante da prosápia, a declarar-se o “homem de obra” contra os “velhos do Restelo”.

Eis o desígnio nacional. Quanto aos heróis, esqueçam o Saramago, o Siza, o Damásio, a Maria João Pires, o Fernando Nobre, o Sobrinho Simões, o Manuel Antunes, o Mário Soares. Os heróis do “patriotismo moderno”, como lhe chamou o Presidente, são o Scolari, o Figo, o Rui Costa. Os que escolheram o futebol porque não sabiam fazer mais nada de útil. A pátria curva-se perante eles e o seu esforço desmedido. A nação cobre as suas varandas , as suas esquinas, os seus cafés, os seus transportes com a bandeira nacional para prestar homenagem ao seu generoso patriotismo.

Sábado passado, à hora em que os heróis da nação eram enxovalhados perante uma selecção de futebol grega de terceira categoria, eu aterrava em Lisboa, vindo da antiga colónia portuguesa de S. Tomé e Príncipe, hoje um arremedo de país independente, virtualmente inviável pela incompetência dos seus e a fatalidade politicamente correcta dos “ventos da história”. Lá, vivi uma semana com uma minicolónia de expatriados portugueses, desses que carregam consigo essa antiga e inexplicável doença incurável que é a paixão de certos homens brancos pela África negra. Levaram consigo, vivem e dormem com as coisas que nos marcam e que nunca esquecemos, as saudades da luz de Lisboa, das sardinhas, do futebol, do cozido, da música, dos campos do Alentejo, das praias do Algarve, das vinhas do Douro.

A pátria, para eles, é uma doença que levaram para África, uma saudade indizível que lhes molha o olhar no aeroporto, à chegada e à partida dos aviões que vêm de Lisboa, uma generosidade e uma alegria desmedidas com que recebem os que tocam e fogem, os que apenas estão de passagem onde eles estão de espera. Vieram com as mulheres, os filhos, com as músicas, os filmes, os livros, o telemóvel, a Internet, tudo o que hoje existe para silenciar o que sempre existiu e é invencível. Ali, longe de tudo o que se habituaram a conhecer e a amar, expostos a um clima impiedoso, às suas febres e doenças, ao desespero de uma organização de vida onde o mais simples se torna complicado, isolados no mais fundo de si mesmos pela solidão e pela distância, essa pequena colónia portuguesa de S. Tomé e Príncipe, independente mantém, cultiva e serve uma espécie de fidelidade a Portugal que ninguém sabe, ninguém avalia e ninguém jamais recompensará.

São quadros da embaixada de Portugal, da Caixa Geral de Depósitos, da PT, da TAP, do Instituto Camões, da RTP, da AMI. Servem Portugal longe dos olhares e dos aplausos, na distância, no isolamento, no desconhecimento dos portugueses. E representam Portugal no que ele tem de melhor – a capacidade de adaptação à diversidade e às dificuldades, a generosidade e a hospitalidade, o optimismo e a alegria perante a descoberta e o mundo novo. Estes portugueses de S. Tomé e Príncipe foram, durante a semana que passou, a minha selecção nacional, a minha bandeira, o meu orgulho de ser português. Porque ninguém jamais escreverá os seus nomes ou exporá os seus rostos em campanhas de publicidade a apelar ao patriotismo, porque ninguém desfraldará bandeiras nacionais em sua honra e porque, se calhar, nem eles próprios sabem o quanto merecem de reconhecimento, que aqui venho, esta semana de histeria patriótica pelos heróis nacionais do Alcochete, dar testemunho destes outros, silenciosos, distantes e desconhecidos, portugueses genuínos.

E a esse vazio e patético “slogan” de “Força, Portugal!”, verdadeiro grito de impotência de vencidos disfarçados de vencedores, no futebol como na política, eu contraponho um outro grito, este silencioso, como um murmúrio – “leve, leve”, como se diz em S. Tomé: “Querido Portugal.” Apesar de tudo, apesar de toda a descrença, “apesar das ruínas e da morte, onde sempre acabou cada ilusão”, querido Portugal, que na mais inesperada e distante paisagem de África ou do mundo remoto guardas em ti, escondido como o mais precioso dos segredos, a razão absurda para te amar-mos assim.»

sexta-feira, junho 18, 2004

Forças – Mandou-me parar depois das 2h00 da manhã no posto de abastecimento mesmo ao lado da rotunda de São Domingos de Rana. As coisas do costume: documentos, carta, seguro. Dei-lhe tudo para a mão à medida que ia achando num carro que não era o meu.

Quando me pediu o bilhete de identidade pensei, por momentos, que algo estava errado. Eu estava preocupado com uma declaração que me conferia o direito a conduzir aquele veículo que está registado em nome comercial. Disse-lhe isso. E ele respondeu que não era preciso, que não me preocupasse.

- Onde estão os seus óculos?
- Tenho lentes postas, senhor guarda.
- E como é que eu sei?
Silêncio. Apercebi-me de qual a orientação geral do problema.
- Bom, posso tirá-las para o senhor ver que as tenho postas.
Penso que achou que estava a ser engraçado.
- Não é necessário.

Explicou-me que apenas tenho averbado na minha carta de condução o uso de óculos e que, portanto, só posso conduzir com eles. Para poder usar lentes deveria ter entregue na DGV um atestado médico para incluir essa informação na carta. Retorqui. Que não sabia, que, realmente, quando tirei a carta só usava óculos, passei a usar lentes depois.

Ele repetiu a história toda outra vez, o procedimento. Fiquei a olhar para ele.
- Eu compreendo
Silêncio. Devolveu-me o olhar. Recomeçou a falar. Entre as coisas que disse, lembro-me de referir que a multa é leve, “são só 60 euros”. Pensei que, por isso, não fosse levar aquilo por diante. Enganei-me.

Tive de estacionar o carro convenientemente enquanto ele se dirigiu com o colega para o carro patrulha onde começou a preencher o auto. Não sei se fiquei incrédulo ou estupefacto. Ao meu lado estava um tipo que conduzia sem carta. Foi a ele que fui equiparado.

Sim, eu que conduzia com uma correcção visual perfeitamente adaptada ao meu grau de deficiência, fui multado. Bem sei que a ignorância da lei não serve de justificação. Aceito e concordo com o princípio. Mas recuso-me a concordar terminantemente que da minha acção pudesse resultar algum perigo para outros condutores ou transeuntes. O meu comportamento desviante é meramente burocrático: não sabia que precisava de chatear um médico e entregar um papelucho na loja do cidadão.

Qual é o principal objectivo da fiscalização dos condutores? Na minha singela opinião, parece-me que será a redução dos bárbaros números de sinistralidade que nos tornam notícia pelas piores razões. As culpas são principalmente atribuídas ao excesso de velocidade, ao álcool e às manobras perigosas. A repressão social, para o qual trabalham estes agentes, existe para combater aquele flagelo.

O que verdadeiramente irrita é saber-se multado por uma coisa absurda e saber que proliferam as situações em que se violam limites de velocidade e se conduz de uma forma assaz criminosa nas nossas estradas. É senso comum, conhecimento geral, para tal basta sair à rua. Nesse sentido, este tipo de operações são apenas para inglês ver, não contribuem em nada para o aumento da segurança nas estradas.

Por isso, sou forçado a pensar que a multa que recebi é um abuso de autoridade. Em nada contribuiu para o objectivo proposto. A não ser que, em tempo de vacas magras, se usem os instrumentos da justiça para arrecadar receitas extraordinárias no âmbito do hercúleo esforço para equilibrar as contas nacionais. Ou ainda, a não ser que, num dos silêncios, o senhor agente esperasse umas luvas.

Estaria inclinado para receber um pouco melhor a reprimenda acaso estivéssemos num país onde os problemas mais graves que ainda temos fossem parte do passado. Aí sim, faria sentido prosseguir para atacar “ofensas” menores. E caminhar para a “perfeição”. Não obstante, continuaria a achar ridículo. Porque sou partidário duma característica, um traço de personalidade e educação cívica que me parece importante e que faltou ao agente que me autuou.

Chamam-lhe bom senso.

quinta-feira, junho 17, 2004

Alter ego - Costuma-se dizer que o seguro morreu de velho e, decerto, com muita razão. Por alguma razão, as estatísticas indicam que somos um dos povos mais avessos ao risco. Jogar pelo seguro, mais vale uma na mão que duas a voar, não ponhas todos os teus ovos na mesma cesta. Se este apetite pela segurança é bom ou mau, não me cabe a mim dizer agora. Guardarei essas reflexões para outro dia.

Giro é poder verificá-lo no dia-a-dia. Nas pequenas coisas. Foi assim que, deambulando pelo país vizinho, me deparei com algo interessante. Ao que tudo indica, o Miguel, esse grande benfiquista que, há dias, ocupou um post neste singelo espaço a propósito da sua não singela contratação pela KPMG, tinha um trunfo na manga que, ao que penso, seria um backup caso a consultoria fiscal não arrancasse. Com probabilidade muitíssimo reduzida, é certo, aqui fica o cartaz que expõe a sua actividade paralela, como se de Dr. Jeckill e Mr. Hide se tratasse.


Félicitations - Não, a onda de parabéns não é uma paranóia minha. É mesmo fruto do normal desenrolar das coisas. Desta vez foi o Paulo que me disse, ao telefone, quando cheguei, que vai começar já na próxima segunda-feira na labuta na Caixa Geral de Depósitos. Aqui fica mais um grande abraço e desejos de muito sucesso para este estágio.

quarta-feira, junho 16, 2004

Picada - É possível que tenha existido uma altura em que achei piada àqueles tipos alemães que cantam em inglês e que acham que são aracnídeos venenosos, também conhecidos em determinadas zonas do país por lacraus. Hoje, não acho muita. Ainda assim, compartilharam comigo, recentemente, aquela que penso ser a maior versão de uma das suas músicas mais badaladas.

Só carregar aqui.

terça-feira, junho 08, 2004

Ausência - Aqui o chefe vai-se pôr na alheta outra vez. Quando volto? Boa pergunta. O mais tardar lá para metade do mês, uma vez que tenho bilhetes para o EURO.

Inté.
Autógrafo – Uma singela folha A4, com meia dúzia de alíneas. Que pouco ou nada acrescentam em relação a tudo o que já me tinha sido explicado. Li e era mais que óbvio que ia concordar.

Foi assim assinar o contrato.

segunda-feira, junho 07, 2004

« Soyons justes: il arrivait que mes oublis fussent méritoires. Vous avez remarqué qu’il y a des gens dont la religion consiste a pardonner toutes les offenses et qui les pardonnent en effet, mais ne les oublient jamais. Je n’étais pas d’assez bonne étoffe pour pardonner aux offenses, mais je finissais toujours par les oublier. Et tel qui se croyait détesté de moi n’en revenait pas de se voir salué avec un grand sourire. Selon sa nature, il admirait alors ma grandeur d’âme ou méprisait ma pleutrerie sans penser que ma raison était plus simple : j’avais oublié jusqu’à son nom. La même infirmité qui me rendait indifférent ou ingrat me faisait alors magnanime. »

La chute, Albert Camus

Sejamos justos : acontecia que os meus esquecimentos fossem meritórios. Reparou que há pessoas para as quais a religião consiste em perdoar todas as ofensas e que efectivamente as perdoam, mas jamais as esquecem. Nunca tive um bom estofo para perdoar ofensas, mas acabava sempre por as esquecer. E aquele que se cria detestado por mim não imaginava vir a ser cumprimentado com um grande sorriso. Dependendo da sua natureza, admiraria então a minha grandeza de alma ou desprezaria a minha cobardia sem pensar que a minha razão era mais simples: tinha-me esquecido inclusive do seu nome. A mesma enfermidade que me tornava indiferente ou ingrato fazia-me, portanto, magnânime.

A queda, Albert Camus

P.S. – Eventuais erros de tradução são inteiramente da minha responsabilidade.

domingo, junho 06, 2004

Por um mundo melhor – Não há dúvidas que o recinto é grande, embora ligeiramente inferior ao da Festa do Avante! segundo fontes oficiais. À escala da operação de marketing que acompanhou a organização do evento, provavelmente. No entanto, parece que a referida operação não foi suficiente para atingir as metas a que se havia proposto. Dos 600 milhares de almas que Roberto Medina queria ver no seu festival, nem vê-los. Talvez metade disso.

Terá sido um objectivo demasiado ambicioso? Bom, tendo em conta que 600.000 é um valor superior a 5% da população nacional, parece, efectivamente, um pouco utópico. Sobretudo se tivermos em conta que cada bilhete custa mais que as quatro noites do Festival do Sudoeste. E que o cartaz tem mais nomes sonantes apenas na medida em que também são mais dias de música. E que o recinto não tem atracções diferentes daquelas a que estamos habituados a ver.

Resumindo e concluindo: o Rock in Rio é um festival como outro qualquer. Difere apenas em duas coisas. É bastante mediático e muito mais caro.


sábado, junho 05, 2004

Nostalgia – Pensei para mim mesmo que não iria comprar o bilhete. A verdade é que descolei quase completamente desde que o álbum “Load” me decepcionou. Foi nessa altura que fui ao segundo concerto que deram em Portugal. Foi no estádio do Restelo, em 1996. Na altura achei bom, embora tivesse, efectivamente, partes muito mornas. E, sobretudo, a banda não teve uma grande interacção com o público. Não vi nos olhos deles o gosto em tocar como vi agora.

Será que Ele escreve mesmo direito por linhas muito tortas? Há cerca de duas semanas recebi uma carta do Millenium BCP, do qual sou cliente. Pensei que fosse mais um normalíssimo estrato, ou uma qualquer publicidade a mais um produto onde meter a guita. Não era. Era um bilhete para o Rock in Rio. Para o dia 4 de Julho. Corri para o computador para ver o cartaz na Internet, com medo de que fosse o dia da Britney Spears. Não era. Era o dia de Metallica. Mal sabiam eles, e eu também, o quanto gostei da oferta.

A maratona começou à tarde com os Moonspell. Prosseguiu com os impressionantes Slipknot, uma das bandas mais agressivas que já vi. Às tantas, a confusão lá à frente, nas grades, a zona dos fanáticos, era tão grande que quase tapavam o palco com o pó que levantavam. A noite acalmou e descansou com os Incubus, um pouco deslocados em relação ao resto das bandas, como se fosse uma pausa para ganhar forças para os últimos a aparecer.

Os cabeça de cartaz fizeram-se esperar. Chegaram 15 minutos atrasados. A multidão assobiava e batia palmas. Por fim, as luzes assumiram a posição de ataque e foi projectada a cena inicial do cemitério do filme “O bom, o mau e o vilão”. James e companhia entraram a matar logo em seguida com “Blackened”, o tema de abertura de “…and justice for all”. Fizeram-se acompanhar por foguetes e efeitos pirotécnicos.

Dos álbuns posteriores àquele que foi denominado “Black” apenas tocaram quatro temas. “Load” e “Reload” foram praticamente postos de lado, não fosse “Fuel” ter feito as honras a esse período menos interessante. De resto, tudo temas anteriores. E, o que é verdade, é que qualquer dessas músicas com mais de uma década em cima é um clássico. Não há ninguém que não o sinta assim. É algo de verdadeiramente impressionante, se tivermos em conta que falamos de cinco álbuns.

Com uma energia contagiante, um público óptimo, um bom som para festival, o concerto decorreu sobre rodas. Tocaram um pouco de tudo o que conta. Passaram pelo “Sanitarium”, “Creeping Death”, “Battery”, “Leper Messiah”, “Harvester of Sorrow” e, como não podia deixar de ser, “St Anger”. “Whenever I May Roam” fechou o set inicial. Cerca de hora e meia depois de terem começado.

Claro que o público não estava ainda contente. Pedimos mais. Muito mais. E foi assim que regressaram os sons, os efeitos de pirotecnia. Percebemos logo que era o “One” que aí vinha. E que “One”… Quando acabou, ficámos sós com o Kirk. Um solo muito melódico que serviu de abertura para o “Nothing Else Matters”. Que toda a gente cantou. Faltava um pouco para o final da música quando as guitarras ficaram em suspenso. E, subitamente, arrancaram para o Master of Puppets. Integral. Como se ainda não bastasse, um riff a dar a entender que vinha aí o “Enter Sandman” espicaçou os fans. O encore foi rematado com uma euforia digna de registo.

Agradeceram. Acenaram. Disseram adeus. Mandaram palhetas e baquetas para o público. Mas nós não nos calávamos. A cara de James sorria. Abanava a cabeça lateralmente num misto de descrédito e reconhecimento. Levantou os braços a pedir ainda mais. Com as luzes a dar a entender que já não havia mais nada para ninguém, entrou com uma guitarra. A tocar algo muito suave. Dirigiu-se para a bateria do dinamarquês e aproveitou para tocar o bombo ao mesmo tempo. Lars olhou para ele. Pareceu perguntar-lhe algo como “Como é, vai mais uma?”

E foi mesmo. “Hit the lights”, do velhinho “Kill ‘em all”. Euforia. Loucura. “Ainda querem mais uma?” Isso é pergunta que se faça? Claro que queremos! “Seek and Destroy” com um pedido especial para darmos toda a energia que ainda conseguíssemos desencantar algures.

Esgotados, eles e nós. Duas horas e meia de concerto. Recomeçaram a enviar brindes para os espectadores. Abraçaram-se em conjunto com uma bandeira nacional com o nome da banda escrito. E depois, cada um, por turnos, veio dizer qualquer coisa ao microfone. O único que ainda tinha som. Os outros tinham sido cortados. Ficou a promessa do Lars de uma maior assiduidade. “Querem mais vezes que só uma por cada cinco anos?”.

No final, relembrei-me a razão pela qual gostei dos Metallica desde a primeira vez que os ouvi há mais de doze anos. E agradeci a todos os santinhos ter aberto conta no BCP.

sexta-feira, junho 04, 2004

Contratações milionárias – “A polémica está de novo instalada, desta feita no céu. Depois de se saber que o director da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos vai auferir um ordenado superior ao do Presidente da República, sabe-se agora que vai ganhar mais do que Deus, isto se não contarmos com as gratificações. Fontes bem colocadas junto Dele adiantaram que Deus anda com azia desde que tomou conhecimento desta história, o que aconteceu logo desde o início dado que é omnisciente. “Não há direito vir agora um palonço e ganhar mais do que Ele!” (Mateus, 27:18).

Apesar de não se conhecer o seu valor exacto, sabe-se que “o homem vai ganhar como o caraças!” (Lucas, 11:15). O técnico superior agora contratado por Ferreira Leite irá ganhar o equivalente a 10 ordenados médios portugueses, também equiparável a 300 ordenados albaneses, ao rendimento de 2000 aldeias na Índia ou a metade do PIB do Togo.

O advogado João Nabais foi já contactado por Deus à saída do DIAP, no intuito de mover uma providência cautelar a fim de evitar a tomada de posse de Paulo Macedo. Depois de um trovão ribombar, o advogado terá ouvido uma voz gutural: “Anda cá João, não temas. Vais processar o Estado por incumprimento do 11º mandamento: Não ganharás mais do que Eu” (Nabais, 8:34).”

In Inimigo Público, 28 de Maio de 2004

quinta-feira, junho 03, 2004

Parabéns - Uma curta nota especial. Já não somos só o Luís, o Nuno, o João e eu. Referi no texto de há dias que andava por fora das novidades e que, por isso, poderia cair num lapso por não referir alguma coisa. Fiquei agora a saber que o Miguel se juntou a nós, ao grupo dos orientados e bem orientados. Vai para consultoria fiscal na KPMG.

É bom ter mais parabéns para dar. Abraço.
Aparentar – Há dias, quando cá esteve o enviado da saudosa Holanda a visitar-nos, sentei-me um dia com ele na Telepizza da Guia em Cascais e, enquanto esperávamos pelo jantar, aproveitar para lhe fazer perguntas. É sempre interessante questionar estrangeiros acerca da ideia com que ficam de nós e dos nossos lugares.

Uma das coisas que referiu foi o facto de ter visto muita gente engravatada na Baixa. É normal. Na terra das tulipas, não se vê assim tanta gente de forca ao pescoço. De tal forma que, dos poucos que usam, muitos têm um péssimo gosto que dá a entender que não percebem mesmo nada do assunto.

Fez-me perceber que se nota bastante o quanto nós olhamos para as aparências, para a roupa, para a vida privada. Gosto especialmente daquela noção de que devemos mudar de roupa de tanto em tanto tempo, não vá alguém pensar “que não tenho mais nada para vestir”. Assim como quem anda com quem e quem mete quem na cama.

É mesquinho, é de baixo nível. Um resquício dos não tão afastados tempos de pobreza do país E é uma característica típica dum provincianismo terrível. O mesmo que apregoa um puritanismo que não existe em países do norte e centro da Europa, onde as pessoas estão mais à vontade e se preocupam menos com o que os demais pensam acerca deles próprios.

Estas regras de convivência são, possivelmente, as mesmas que nos conferem o estatuto de hospitaleiros. Outro exemplo. A verdade é que, acaso determinada dona de casa não cumpra o infinito rol de items a verificar aquando duma visita, não se livra de classificações e críticas assim que for apanhada de costas. Isto é válido, sobretudo, de mulher para mulher.

O grau de exigência perpetua-se e aquela dona de casa que abriu as portas do seu lar naquele dia, é a mesma que no dia seguinte vai a casa de outra e, mesmo não tendo gostado do que lhe fizeram, é exactamente isso que faz em troca. Um pouco como a lógica da praxe académica.

Por um lado, há determinados aspectos que, na minha opinião, foram alvo de avanços. Numa recente sondagem da Visão/SIC, tanto o número de pessoas que dizem aceitar as uniões de facto, mesmo que incluam filhos, bem como as que efectivamente vivem assim, aumentou bastante. As mentalidades abriram, evoluíram; o casamento deixou de deter o monopólio da forma de vida em casal por excelência.

Mas, por outro lado, numa sociedade crescentemente individualista, egoísta, hedónica, o aspecto continua a mandar. Pode não ser o do “aprumo” das gerações anteriores, mas a aparência dos “dreds” demarca-se e indica-nos na perfeição quem são. Assim como aqueles que não têm onde cair mortos e que se matam a estoirar dinheiro num carro todo janota (ou não, depende dos gostos). O mesmo com roupa de marca.

Há seis ou sete anos atrás, quando li pela primeira vez um dos livros da minha vida, “Os Maias” do grande Eça, achei deliciosa a personagem do Dâmaso Salcede. O tipo gordinho, “roliço” que passava a vida a dizer “très chique!”. Era um pelintra, um cobarde, junta-se aos que lhe convinham. Não tinha nem de perto a disponibilidade financeira de Carlos (aliás, cravava dinheiro à “mãezinha”) mas gostava de se fazer ser visto com ele para que fosse confundido na riqueza. Entre outras coisas.

Será que estamos mortalmente condenados a nunca deixar de ser caracterizados pelos livros com século e meio do Mestre?

quarta-feira, junho 02, 2004

Um pequeno gift – Era sábado de manhã. Por isso estranhei que pudesse haver alguma coisa na caixa do correio. Só se por esquecimento dalguma das distribuições da semana.

Afinal não era. Tratava-se duma cassete. Ainda girou alguns momentos no leitor do carro da minha irmã. Um sermão cantado, péssima qualidade de som, a lembrar uma gravação altamente artesanal. A etiqueta, fotocopiada numa folha recortada à medida para caber, está reproduzida em baixo.

Resta-me agradecer à Missão Pentecostal Assembleia Cristã, sita em São Domingos de Rana (cuidado Pipinha!) pelo magnífico presente. E, é claro, começar a fazer cópias e oferecê-las ao próximo.

terça-feira, junho 01, 2004

Labreguice – Quando era miúdo, lembro-me que em todo e qualquer conflito havia sempre os “bons” e os “maus”. Desde os velhos westerns até aos arrufos e brigas de recreio entre chutos na bola e jogar à apanhada, era relativamente fácil e essencial atribuir uma classificação. Difícil era entender posições intermédias ou algo que vagamente desse a entender não se enquadrar na catalogação. Havia também aqueles argumentos muito bons. “Foi ele que começou”, “nós é que somos os bons da fita, não fizemos nada de mal” e “se não estás comigo é porque estás contra mim”.

Tendo em conta ao estágio da evolução mental e física em que me encontrava quando achava normais as situações supracitadas, é com bastante desprezo e com uma vontade de rir que só não se concretiza devido à seriedade do assunto que oiço uma comunicação à imprensa por parte do senhor que ocupa a Presidência dos Estados Unidos. Do Eixo do Mal à presumida superioridade moral da democracia americana, está lá tudo.

Já caí várias vezes no, e permitam-me a redundância seguinte, já vastamente difundido cliché de lhe chamar ignóbil ou tanso. Cada vez mais tenho a ideia de que o tipo até não deve ser assim tão labrego. Aliás, quero acreditar que assim é. Senão como se justifica que tenha conseguido ser eleito e se tem mantido até agora e levado a cabo os seus planos? Por muito básico e rudimentar que seja o seu discurso, o que é certo é que foi o suficiente para que conseguisse prosseguir com as suas políticas belicistas, proteccionistas e retrógradas com uma pinta que até assusta.

Sempre é melhor que a outra hipótese, a de que os labregos, afinal, são os eleitores.