quarta-feira, junho 23, 2004

Olha prá estrelas! - Lembro-me em concreto dum manual escolar, penso que de Ciências Naturais, ou lá como raio se chamava a disciplina do ido sétimo. Com as sucessivas reformas curriculares, deve ter um nome completamente diferente e falar exactamente das mesmas coisas. Enfim, voltando ao manual, este tinha uma pequena foto duns jovens com o que parecia uma ganza na mão e uma legenda que dizia, mais coisa menos coisa, que um charro era o primeiro degrau duma escalada perigosa que leva às drogas duras e, no limite, à destruição e à morte.

Entretanto passaram dez anos da minha vida. Não, não vos vou contar tudo o que se passou nessa década. Até porque, mesmo que quisesse, parte ficou esquecida, enterrada com o tempo. Vou antes partilhar convosco a minha cada vez maior descrença nos sistemas proibitivos.

Corria o verão de 2000, salvo erro, quando o repórter que se encontrava no recinto do Festival do Sudoeste resolveu entrevistar alguém responsável pelo evento que, garantia a pés juntos que não havia drogas leves ali dentro. Mal se lembrou ele que a mesma reportagem estava a ser transmitida no ecran gigante do festival e as pessoas que lá se encontravam estavam a ver em tempo real as sérias declarações. Obviamente, desencadearam uma gargalhada colectiva que também apareceu em directo para o jornal da tarde. Sabemos que, actualmente, mais de metade dos jovens já experimentou dar uma passa numa broca. E não há concerto em que o cheiro não surja.

Agora, para a geração dos baby-boomers, que corresponde, grosso modo à dos pais de filhos da minha idade, ou seja, vinte e poucos (mandem lá as bocas, vá) o acto de aspirar os fumos de um charro é algo de muito sério, perigoso. No mínimo, a necessitar de intervenção. E eles, os pais, no mínimo, a necessitar de se informar melhor em relação a uma realidade que desconhecem em larga escala.

No entanto, quantos deles fumam tabaco? Aquele que mata anualmente milhares de pessoas, com as doenças cardiovasculares e o cancro no topo da lista. Isto para não falar no álcool. E, já agora, porque não, o café? E os comprimidos para tranquilizar ou dormir melhor esta noite, é a última vez que tomo, estou tão cansado hoje.

A questão é meramente geográfica. Ou topográfica, ou morfológica, como quiserem. Onde está o fosso que marca o verdadeiro perigo? É da ganza para cima? Eu analiso o que vejo. E conheço bastantes pessoas que a fumam duma maneira regrada, em ocasiões e momentos festivos, quando se querem divertir com os amigos. São cidadãos normais, responsáveis, pessoas que trabalham ou estudam e úteis para a sociedade.

Retiro o que disse. A questão não é definir o fosso. Se bem que o tenha perfeitamente delineado nas drogas duras porque essas destroem a capacidade de viver, de discernir, de ser útil, de produzir, de ter um trabalho. A questão é o uso. Se fumar três maços de cigarros por dias, beber dez imperiais ou quinze cafés, estou a prejudicar-me seriamente. Se fumar vinte bóias, também. Mas se fumar de vez em quando, se beber alguns cafés por dia, se beber ao fim-de-semana uma cerveja com os amigos, não me estou a destruir a olhos vistos.

É claro que há sempre uma componente de dano para a nossa saúde. Da mesma forma que trabalhar o dia inteiro sentado em frente ao computador ou obrigar os olhos a ler muito tempo não faz nada bem. Por isso não gosto dos puristas, dos que alegam uma vida cem por cento livre do que nos prejudica. Porque cada um está disposto, de acordo com a sua preferência, a abdicar de um pouco de saúde ou qualidade de vida pelos prazeres da vida. Que, no final, também eles são parte da nossa qualidade de vida.

É a forma como usamos estas drogas que dita o perigo delas, não o facto de as usarmos.