sábado, setembro 11, 2004

O meu despertador é preto e achatado - Tem uma série de botões na parte de cima, o que equivale, grosso modo, ao cachaço, e tem umas daquelas rodinhas do volume e para sintonizar de lado. As horas são exibidas num visor com algarismos muito vermelhinhos e quadrados, feitos a partir da técnica banal dos sete traços que permite esboçar tudo do zero ao nove. Esteticamente até é uma coisa para o engraçado. Fica bem na mesa-de-cabeceira, dá um ar de sua graça.

Mas aprendi da pior forma que não me posso deixar levar pela sua carinha laroca. Da mesma forma que um felino nunca deixará de ser perigoso por muito doméstico que possa ser, um despertador nunca deixará de sadicamente despertar. De emitir aquele som que, mesmo sendo baixo, soa sempre a chinfrineira impossível de aturar logo de manhã.

Num momento de insanidade temporária, pensei em livrar-me dele, abandoná-lo num sítio escuro depois de conduzir aos “esses” durante quilómetros e quilómetros, para que nunca conseguisse achar o caminho de regresso a casa. Depois caí em mim. E percebi que nada que poderia fazer. Nada senão adaptar-me e habituar-me à sua permanente presença, à sua vontade impetuosa de fazer os outros abandonar a cama a horas impróprias para consumo.

A maior relação de necessidade/ódio da minha vida.