Está sol - Virado a oeste, só o verei quando a tarde começar a tomar conta do dia e a luz invadir a janela. Então a divisão aquece e sinto a luz acariciar-me a pele. Tive de colar folhas de papel na vidraça para evitar usar o estore. O estore só se move na horizontal, não me permite apanhar a dose de sol que eu quero apanhar, deveria mover-se na horizontal.
Estou no terceiro piso. Entre três e quatro andares têm as habitações do bairro degradado que vejo. Casas sem estuque, telhados sem telhas onde se passeiam gatos, caixilhos partidos. Já aqui à frente, na varanda quase térrea cheia de vasos e com a mangueira a um canto onde acabam os ramos duma nespereira, a mulher de cabelo curto dá à manivela para abrir os toldos.
Na rua seguinte, os prédios são mais altos. Ali, onde há uma varanda de quarto, quinto piso, alguém pendura metodicamente roupa. Nos dias a puxar para o chuvoso, de pijama e robe; quando está calor, inclusive de sutiã. Nas águas furtadas, toalhas, calças e plantas ondulam ao sabor do vento, os pombos aproveitam as janelas abertas ou inexistentes para se fazerem convidados.
Neste dia de céu limpo, gaivotas ocasionais passam a bater as asas. O rio não está longe, ao invés da tempestade. A proximidade do hospital traz o som das ambulâncias, o trânsito as buzinadelas e os ataques verbais aos demais condutores e transeuntes. Gostava de não trabalhar com o computador porque o computador só é possível com aquele silvozinho. Não há computadores que, em actividade, não o tenham.
Isto porque gostava de sentir o silêncio aqui dentro para poder perceber o que não existe lá fora. Do homem do café, do homem dos jornais, do taxista, do condutor da Carris, da mãe que leva o filho à escola, do bêbado da esquina, do polícia de plantão, do drogado que sobe a rua, do engravatado que se enfia no escritório.
É este o silêncio que eu gostava de ouvir.
Estou no terceiro piso. Entre três e quatro andares têm as habitações do bairro degradado que vejo. Casas sem estuque, telhados sem telhas onde se passeiam gatos, caixilhos partidos. Já aqui à frente, na varanda quase térrea cheia de vasos e com a mangueira a um canto onde acabam os ramos duma nespereira, a mulher de cabelo curto dá à manivela para abrir os toldos.
Na rua seguinte, os prédios são mais altos. Ali, onde há uma varanda de quarto, quinto piso, alguém pendura metodicamente roupa. Nos dias a puxar para o chuvoso, de pijama e robe; quando está calor, inclusive de sutiã. Nas águas furtadas, toalhas, calças e plantas ondulam ao sabor do vento, os pombos aproveitam as janelas abertas ou inexistentes para se fazerem convidados.
Neste dia de céu limpo, gaivotas ocasionais passam a bater as asas. O rio não está longe, ao invés da tempestade. A proximidade do hospital traz o som das ambulâncias, o trânsito as buzinadelas e os ataques verbais aos demais condutores e transeuntes. Gostava de não trabalhar com o computador porque o computador só é possível com aquele silvozinho. Não há computadores que, em actividade, não o tenham.
Isto porque gostava de sentir o silêncio aqui dentro para poder perceber o que não existe lá fora. Do homem do café, do homem dos jornais, do taxista, do condutor da Carris, da mãe que leva o filho à escola, do bêbado da esquina, do polícia de plantão, do drogado que sobe a rua, do engravatado que se enfia no escritório.
É este o silêncio que eu gostava de ouvir.
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