domingo, março 20, 2005

O domingo é um dia – que ainda sabe muito bem sem deixar de ter o cariz de antecipação da segunda-feira. Aos domingos, as pessoas ficam na cama até tarde, passeiam, aproveitam para fazer desporto ou lavar o carro, tratar daquela coisa lá de casa que andam para fazer há uma série de tempo ou esparramar-se no sofá com o gato a ver televisão.

Hoje estiveram cá amigos para almoçar. Um alentejano de Vendas Novas, como gosta de se apresentar. Comemos umas migas com uma carne de porco de montado que esteve temperada em pimentão, aquele fantástico pimentão alentejano, durante três dias. Uma salada de alface ripada e cebola, com orégãos, coentros e hortelã e uma garrafinha de Borba para fechar a contagem. A mesma garrafa que agora me dá uma sede doida e um soneira que, felizmente, já começou a desvanecer. Depois, morangos e o tão apetecido café, Sical lote cinco estrelas.

Por muito estranho que pareça, a meio do almoço lembrei-me dum senhor chamado João César das Neves. Uma associação não muito linear, pelo menos assim de chofre, dirão vocês. Eu explico. Há dias, mostraram-me uns artigos escritos por esse economista que nada têm a ver com a sua profissão, mas com a sua religião. Sobre a sua visão do mundo, da vida das pessoas, do futuro da nossa sociedade.

A ideia central do discurso pode ser resumida na seguinte frase: na sua demanda feroz pelo prazer, o Homem em nada conseguiu melhorar as suas condições de vida e não é mais feliz por isso. Daqui decorre que as moderações preconizadas pela Igreja Católica são, portanto, benéficas, na medida em que refreiam este ímpeto insalubre. No entanto, aquilo que li foca-se apenas essencialmente em sexo, homossexualidade, pedofilia e na fantástica palavra “deboche” que, como o Ricardo Araújo Pereira notou, é repetida até à exaustão. Enfim, quem ainda não conhecer e quiser ter o prazer, é só pedir, terei muito gosto.

O domingo que tive hoje, até agora, foi de enorme prazer para mim. Acordei relativamente tarde, tendo em conta os meus padrões semanais. Fui nadar, o que relaxou o meu corpo que há duas semanas não entrava na piscina. Depois participei no fantástico almoço, obra-prima da gastronomia portuguesa. Estive em óptima companhia, falámos, metemos a conversa em dia, rimos, divertimo-nos. Agora estou a ouvir músicas avulsas de Coldplay, enquanto vejo a chuva miudinha cair e escrevo este texto.

Não consigo imaginar a minha vida sem prazer. Aliás, prazer será talvez o único grande desígnio da minha vida. Seja de que tipo for.

Alguns muito banais. O prazer de comer uma refeição de excelência, de apanhar sol na cara num dia frio, de sentir o cabelo ao vento, de enterrar os pés na areia da praia, de pegar no carro e conduzir sem destino, de fazer as malas e viajar.

Outros mais cerebrais, culturais, embora sempre muito sensitivos. O prazer de um livro, de um disco, de um concerto, de um bom filme, de uma sala de cinema bem escura.

Outros que fazem bem à auto-estima, ao ego. O prazer de ver o meu trabalho ser reconhecido, de ultrapassar obstáculos, de estipular metas e atingi-las.

Outros talvez sociais. O prazer que são os amigos, de um café que é apenas um motivo para pôr a conversa em dia, das borgas, das irreverências próprias da idade.

Outros sem definição possível. O prazer da família, de amar e ser amado, de uma paixão forte, de passar a noite com uma linda mulher e acordar enroscado nela na manhã seguinte (sim, finalmente cheguei ao famigerado sexo).

Caro João César das Neves, estarei eu condenado?