Nestas coisas -, o júri parece sempre uma cambada de deuses, isolada do mundo do comum dos mortais por uma mesa pesada e imponente, o seu Olimpo. Têm folhas à frente, toda a informação que nos solicitaram está ali, bem como as garrafas de água e respectivos copos donde bebericam, intervalando os temíveis comentários que proferem, para não secar a garganta.
Quando entrou na sala, sentiu o peso da responsabilidade e das luzes em cima da sua presença. O bom dia que educadamente soltou, saiu meio esganiçado. Nos instantes em que os membros do júri falavam entre eles, aproveitou para se acalmar um pouco, incentivar-se, galvanizar-se com palavras de auto-confiança. Afinal, estava longe de ser a primeira vez que se via naquelas andanças.
O porta-voz da mesa dos magnânimos ia dirigir-se-lhe. Já mais compostinha, disse a si própria que tinha chegado o momento. Pediu-lhe que falasse um pouco acerca da sua experiência profissional, que explicasse em que vertentes da sua vida se inseria a música.
Eu sou a voz do Metro.
O júri entreolhou-se, curioso. Pediram-lhe que concretizasse.
Sabe aquela voz que indica as estações e as correspondências? Sou eu. Por exemplo, próxima estação, Martim Moniz. Outro exemplo, próxima estação, Praça de Espanha. Estes são os mais simples, há outras em que digo mais coisas. Por exemplo, próxima estação Baixa-Chiado, há correspondência com a linha azul. Também pode ser verde, depende do sentido em que se vai. Os que mais gosto são aquelas estações que têm muito para dizer. Próxima estação, Cais do Sodré, estação terminal; há correspondência com a linha de Cascais e com o transporte fluvial.
E depois há aquelas situações diferentes, fora do comum, como a do Túnel do Rossio. Senhores passageiros, lembramos que não se encontra em funcionamento a ligação com a linha de Sintra na estação dos Restauradores. Em alternativa, poderão utilizar as estações de Entrecampos e Jardim Zoológico.
Chega de conversa, disseram-lhe, já temos uma ideia, agora queremos é cante.
Pigarreou um pouco para aclarar a garganta, respirou fundo para se concentrar, tentou ver mentalmente a letra à sua frente, para garantir que não se esqueceria de nada. E começou, com a toda a genica e garra, a soltar sons e notas da sua boca. Durou pouco mais do que vinte, trinta segundos. O porta-voz disse-lhe que tinha cantado o suficiente, não era necessário mais. Depois foi a vez de ele próprio aclarar a sua garganta e começar:
Olhe, eeerrrrr... eu vou ser perfeitamente honesto consigo. Aliás, vamos todos. Você não reúne nem de perto nem de longe as características ou os dons vocais, se quiser, que nós estamos aqui à procura. Antes de ter vindo aqui ao programa, devia ter-se olhado mais ao espelho enquanto cantava, ter pedido a opinião de pessoas que lhe respondessem honestamente, e não amigos que lhe dissessem que gostam muito de a ouvir apenas porque são mesmo seus amigos. A verdade é que você não canta bem, desafina, não tem ritmo, não tem presença, tem muito que aprender ainda. Não desanime, tente aprender, continue a tentar.
Quando entrou na sala, sentiu o peso da responsabilidade e das luzes em cima da sua presença. O bom dia que educadamente soltou, saiu meio esganiçado. Nos instantes em que os membros do júri falavam entre eles, aproveitou para se acalmar um pouco, incentivar-se, galvanizar-se com palavras de auto-confiança. Afinal, estava longe de ser a primeira vez que se via naquelas andanças.
O porta-voz da mesa dos magnânimos ia dirigir-se-lhe. Já mais compostinha, disse a si própria que tinha chegado o momento. Pediu-lhe que falasse um pouco acerca da sua experiência profissional, que explicasse em que vertentes da sua vida se inseria a música.
Eu sou a voz do Metro.
O júri entreolhou-se, curioso. Pediram-lhe que concretizasse.
Sabe aquela voz que indica as estações e as correspondências? Sou eu. Por exemplo, próxima estação, Martim Moniz. Outro exemplo, próxima estação, Praça de Espanha. Estes são os mais simples, há outras em que digo mais coisas. Por exemplo, próxima estação Baixa-Chiado, há correspondência com a linha azul. Também pode ser verde, depende do sentido em que se vai. Os que mais gosto são aquelas estações que têm muito para dizer. Próxima estação, Cais do Sodré, estação terminal; há correspondência com a linha de Cascais e com o transporte fluvial.
E depois há aquelas situações diferentes, fora do comum, como a do Túnel do Rossio. Senhores passageiros, lembramos que não se encontra em funcionamento a ligação com a linha de Sintra na estação dos Restauradores. Em alternativa, poderão utilizar as estações de Entrecampos e Jardim Zoológico.
Chega de conversa, disseram-lhe, já temos uma ideia, agora queremos é cante.
Pigarreou um pouco para aclarar a garganta, respirou fundo para se concentrar, tentou ver mentalmente a letra à sua frente, para garantir que não se esqueceria de nada. E começou, com a toda a genica e garra, a soltar sons e notas da sua boca. Durou pouco mais do que vinte, trinta segundos. O porta-voz disse-lhe que tinha cantado o suficiente, não era necessário mais. Depois foi a vez de ele próprio aclarar a sua garganta e começar:
Olhe, eeerrrrr... eu vou ser perfeitamente honesto consigo. Aliás, vamos todos. Você não reúne nem de perto nem de longe as características ou os dons vocais, se quiser, que nós estamos aqui à procura. Antes de ter vindo aqui ao programa, devia ter-se olhado mais ao espelho enquanto cantava, ter pedido a opinião de pessoas que lhe respondessem honestamente, e não amigos que lhe dissessem que gostam muito de a ouvir apenas porque são mesmo seus amigos. A verdade é que você não canta bem, desafina, não tem ritmo, não tem presença, tem muito que aprender ainda. Não desanime, tente aprender, continue a tentar.
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