segunda-feira, setembro 05, 2005

O homem está de pé - encostado ao caixote metálico onde colocam os outdoors. Costuma estar de fato e gravata. Velhos, já foram moda noutros tempos; agora estão em consonância com os seus cinquenta e tais. Hoje veste uma camisa desportiva, umas calças banais. Assim como os sapatos. Os mesmos óculos castanhos. O cabelo grisalho. Barriga.

Fuma. Está sempre a fumar. Abre e fecha os olhos lentamente, pausadamente. Prazenteiramente. Ainda não são oito da manhã e ele suga intensamente a ponta do cigarro. Como se estivesse debaixo de água e o tubo comunicasse com o ar repleto do oxigénio que necessitaria.

Depois tosse. Tosse alto. Uma tosse feia. Uma tosse doente. Uma tosse de quem fuma há muito tempo. Uma tosse de quem fuma todos os dias no apeadeiro enquanto o comboio não vem, antes das oito da manhã. O barulho é desagradável. No Inverno quando o frio também contribui para o debilitar, perde alguns minutos até conseguir repor-se.

As senhoras afastam a cara. Os senhores não param ao pé dele enquanto esperam, preferem ir esperar mais longe. Só está acompanhado quando, por vezes, aquela que presumo ser sua mulher também espera o comboio. E claro, enquanto está de pé naquele apeadeiro descoberto, com bancos metálicos e outdoors coloridos, também fuma para passar o tempo. Enquanto espera.

Levanto os olhos do meu livro. O livro que leio enquanto espero o comboio que há-de vir não tarda porque são quase oito da manhã e o comboio chega sempre antes das oito da manhã, a não ser que haja uma avaria. Levanto os olhos porque os oiço a tossir e a tosse deles mata a minha concentração e eu não consigo passar da mesma linha e nada do que leio está a fazer sentido.

Levanto os olhos e vejo-os tossir, arqueiam o corpo e levam a mão ao peito, franzem a cara com a força com que o peito se comprime. Quase juraria que vejo um esgar de dor naquelas caras quando, de repente, já não é a tosse deles que oiço, é a campainha da estação que toca porque o comboio que chega antes das oito da manhã está finalmente a chegar à estação.

Os cigarros estão agora no chão, esborrachados por pés certeiros. Ainda largam um fio de fumo que sobe, ondulante em direcção à cobertura metálica que protege da chuva. Pego no meu livro aberto, o meu livro que não conseguia ler porque ouvia tossir insistentemente, e dirijo-me à porta do comboio que chegou mesmo a horas, antes das oito da manhã e olho para eles que agora já não fumam porque não se fuma nos transportes públicos e não consigo evitar pensar:

Porque esperam?