A primeira reacção - não pode deixar de ser maldizer e blasfemar até mais não, dizer coisas como estes gajos passam a vida a gozar com as pessoas, não conseguem por os comboios a andar sem avarias e por aí fora. A linha verde encontra-se com perturbações, como consequência o tempo de espera e de paragem entre estações é mais prolongado do que o habitual. Não me digas, querida.
Saí do Cais do Sodré. Liguei à Claúdia que, aparentemente, já me tinha tentado apanhar, mas eu estava sem rede no apeadeiro. Estava em cima, na entrada principal, ao pé do quiosque de cores duvidosas. Mais ou menos o ponto onde acabava, passo o paradoxo, a interminável fila de pessoas que esperavam um táxi. Esquece, vamos andando, pode ser que apanhemos um pelo caminho.
Logo hoje que tenho uma reunião, diz-me ela. Logo hoje que vim de fato, digo eu. E trouxe, passo a anáfora ou aliteração ou, mesmo, piadola parva, depende de quem analisa, a trouxa; o meu saco de desporto. E coloquei a hipótese de ter um dia comprido e levar carro. Hipótese que descartei ontem à noite.
Passadeira, atravessar a 24 de Julho, seguir a maralha por uma das ruas que menos gosto de percorrer. Os bacalhaus infectos já estavam expostos àquela hora tão matutina. Praça do Município, desde o dia de ontem liberta do Santana. Alguns pombos. Deviam ser corvos, esta cidade é a de Lisboa. Atravessar a praça. Lá vai um táxi com o verde acesso. Não nos viu. Lá vai outro. Desta vez não escapou. Mas quase que tive de me estender ao comprido na estrada.
Depois de lhe dizer o destino, começa logo por nos dizer que a polícia não deixa os táxis irem até lá abaixo ao Cais porque o espaço é reduzido. Há trezentas pessoas à espera na paragem, mas eles não podem passar. Mas pronto, chegam mais tarde mas chegam. Podem chegar chateadas. Mas para quê…? A vida são dois dias e o Carnaval três. Eu cá não me chateio com nada. Posso ficar chateado nos primeiros dez minutos. Mas depois reflicto, ‘tá a ver? Chatear-me…? Para quê.
As mãos largam momentaneamente a pele do volante enquanto batem uma na outra, fazendo um gesto que significa estou-me marimbando. E é mais ou menos aqui que ele dá início à conversa pela qual eu ansiava. Pela qual também ele próprio devia ansiar começar. Um debate quase parlamentar sobre o estado da Nação. Isto tudo entre gesticular e esbracejar acentuados, amarelos queimados, embraiagem patinada na rua da Madalena por preguiça de reduzir para primeira na subida e peões pendurados porque não puderam passar nas passadeiras abalroadas.
Angolano. Nove filhos. Todos formados. Nenhum vive no país. Uma é bióloga no Japão. Para quê…? Somos pobres. E pior. Cada vez mais pobres. Isto até já começa a parecer-se com Angola. Aliás, isto é pior que Angola. Sabe porquê…? Eu digo-lhe porquê! Porque aqui as pessoas sabem ler mas não interpretam. Em Angola, 90% das pessoas são analfabetas, mas com a experiência de vida que têm, conseguem ver e perceber as coisas. Tenho um filho nos Estados Unidos. Austin (seria…?). É… arquitecto paisagístico. Tira seis mil contos. A mulher é professora lá numa escola. E ainda lhes dão casa e comida e vestuário. Tem tudo à borla. Porque razão devia ele estar cá?
A conversa continuou, passou por mais alguns pormenores, deu mais algumas curvas ao sabor da deslocação da viatura, acelerou em mais algumas rectas. Tanto que lhe disse que com tanto (será outra anáfora…?) quadro negro já nem me apetecia ir trabalhar. O senhor vá lá à sua vida que também deve ter que fazer. Ainda é novo. Tem quê, 23, 24…? Posso deixá-los já aqui, do outro lado da rua. Claro que podia.
Já não estou zangado porque o metro hoje de manhã não funcionou. Perdi tempo e meia corrida. Ganhei em sabedoria de taxista. Porque é minha profunda convicção que não há melhor maneira de captar o sentimento popular, auscultar a opinião pública, captar aquela vox populi que tanto nos ensina, do que falar com um fogareiro. Enfim, ou isso ou ir ao barbeiro/cabeleireiro.
Este último binómio para outra altura.
Saí do Cais do Sodré. Liguei à Claúdia que, aparentemente, já me tinha tentado apanhar, mas eu estava sem rede no apeadeiro. Estava em cima, na entrada principal, ao pé do quiosque de cores duvidosas. Mais ou menos o ponto onde acabava, passo o paradoxo, a interminável fila de pessoas que esperavam um táxi. Esquece, vamos andando, pode ser que apanhemos um pelo caminho.
Logo hoje que tenho uma reunião, diz-me ela. Logo hoje que vim de fato, digo eu. E trouxe, passo a anáfora ou aliteração ou, mesmo, piadola parva, depende de quem analisa, a trouxa; o meu saco de desporto. E coloquei a hipótese de ter um dia comprido e levar carro. Hipótese que descartei ontem à noite.
Passadeira, atravessar a 24 de Julho, seguir a maralha por uma das ruas que menos gosto de percorrer. Os bacalhaus infectos já estavam expostos àquela hora tão matutina. Praça do Município, desde o dia de ontem liberta do Santana. Alguns pombos. Deviam ser corvos, esta cidade é a de Lisboa. Atravessar a praça. Lá vai um táxi com o verde acesso. Não nos viu. Lá vai outro. Desta vez não escapou. Mas quase que tive de me estender ao comprido na estrada.
Depois de lhe dizer o destino, começa logo por nos dizer que a polícia não deixa os táxis irem até lá abaixo ao Cais porque o espaço é reduzido. Há trezentas pessoas à espera na paragem, mas eles não podem passar. Mas pronto, chegam mais tarde mas chegam. Podem chegar chateadas. Mas para quê…? A vida são dois dias e o Carnaval três. Eu cá não me chateio com nada. Posso ficar chateado nos primeiros dez minutos. Mas depois reflicto, ‘tá a ver? Chatear-me…? Para quê.
As mãos largam momentaneamente a pele do volante enquanto batem uma na outra, fazendo um gesto que significa estou-me marimbando. E é mais ou menos aqui que ele dá início à conversa pela qual eu ansiava. Pela qual também ele próprio devia ansiar começar. Um debate quase parlamentar sobre o estado da Nação. Isto tudo entre gesticular e esbracejar acentuados, amarelos queimados, embraiagem patinada na rua da Madalena por preguiça de reduzir para primeira na subida e peões pendurados porque não puderam passar nas passadeiras abalroadas.
Angolano. Nove filhos. Todos formados. Nenhum vive no país. Uma é bióloga no Japão. Para quê…? Somos pobres. E pior. Cada vez mais pobres. Isto até já começa a parecer-se com Angola. Aliás, isto é pior que Angola. Sabe porquê…? Eu digo-lhe porquê! Porque aqui as pessoas sabem ler mas não interpretam. Em Angola, 90% das pessoas são analfabetas, mas com a experiência de vida que têm, conseguem ver e perceber as coisas. Tenho um filho nos Estados Unidos. Austin (seria…?). É… arquitecto paisagístico. Tira seis mil contos. A mulher é professora lá numa escola. E ainda lhes dão casa e comida e vestuário. Tem tudo à borla. Porque razão devia ele estar cá?
A conversa continuou, passou por mais alguns pormenores, deu mais algumas curvas ao sabor da deslocação da viatura, acelerou em mais algumas rectas. Tanto que lhe disse que com tanto (será outra anáfora…?) quadro negro já nem me apetecia ir trabalhar. O senhor vá lá à sua vida que também deve ter que fazer. Ainda é novo. Tem quê, 23, 24…? Posso deixá-los já aqui, do outro lado da rua. Claro que podia.
Já não estou zangado porque o metro hoje de manhã não funcionou. Perdi tempo e meia corrida. Ganhei em sabedoria de taxista. Porque é minha profunda convicção que não há melhor maneira de captar o sentimento popular, auscultar a opinião pública, captar aquela vox populi que tanto nos ensina, do que falar com um fogareiro. Enfim, ou isso ou ir ao barbeiro/cabeleireiro.
Este último binómio para outra altura.
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