sábado, outubro 29, 2005

Debatias-te - contra uma força que em muito era superior à tua. Não que fosses fraca, frágil, lingrinhas, uma flor de estufa. Eras, pelo contrário, um osso duro de roer, enrijecida pelo hábito duma vida que te foi madrasta. No entanto, nada podias contra os braços que te sustinham, que te impediam

Já te disse para me deslargares
E eles não te largavam porque
Onde vais...?
queriam que ficasses ali, como se lhes pertencesses, por direito.
Aonde é que tu pensas que vais?

Passavam-te pela cabeça as coisas que a tua mãe dizia, naquele tempo em que as águas furtadas de um prédio a cair aos bocados te pareciam um imenso território por investigar. Não durou muito até que achasses que devias sair dali depressa, assim que a oportunidade se te apresentasse à frente do nariz. Obviamente, não ias ficar especada a olhar para ontem.

Deixa-me

Continuava a não deixar, aquela força contida naqueles músculos sólidos, irrigados por veias que sobressaiam como grandes elevações como se quisessem furar a pele e sair cá para fora. Tentaste usar também os pés, as mãos, todo o teu corpo estava concentrado no único propósito de sair dali a todo o custo. Cada vez era mais difícil, cada vez ele ganhava um maior domínio, um maior controlo e dizia

Tu não vais é a lado nenhum minha linda

E pronunciava-o com um sorriso sórdido na cara, os lábios ligavam-se com fios de saliva que se acumulava nos cantos, espumava como quem morre de fome e tem diante de si uma refeição caída dos céus.