sexta-feira, novembro 11, 2005

Flashback #1 – Fomos ao Cascaishopping porque a Custódio Cardoso Pereira tinha lá uma loja. No piso térreo, num canto, ao pé da entrada para o Continente. Entrou em liquidações porque ia fechar. Nesse mesmo dia, trouxe para casa uma rica “menina", uma Ibañez RG. Oferta dos meus avós. Foi há uns dez anos atrás. Eu era um puto com a mania das guitarradas e passei a ter nas mãos um rico bacalhau.

Na altura, tinha apenas uma guitarra acústica, a minha velhinha Raimundo que, ainda hoje, vai comigo para todo o lado (já conhece Portugal de norte a sul, a Espanha, a França e a Holanda). O problema da Raimundo era o mesmo de todas as guitarras acústicas: não é eléctrica. Como poderia um adolescente obcecado por cordas de aço e pickups sobreviver com nylon e uma caixa de madeira? Para além de que não podia tocar para lá do décimo segundo trasto, o que impossibilitava as malhas de todas as bandas e guitarristas que idolatrava. Sentia-me de mãos atadas.

Corriam os anos noventa mas as minhas orelhas estavam na década anterior. Os anos oitenta foram muito profícuos na produção de uma estética musical caracterizada por um nível de virtuosismo absurdamente elevado. A páginas tantas, a ideia central dos artistas era, única e exclusivamente, ser mais rápido que o parceiro do lado. O que, no limite, levava a colocar a lógica e o discurso musical de lado, em detrimento de frases rapidíssimas e de execução muito complicada.

Houve vários grandes mentores. O Joe Satriani foi, possivelmente, o que primeiro conheci, através do primeiro professor que tive, que dava umas aulas no Centro Cultural da Paróquia de Carcavelos. Foi assim que ouvi o álbum intitulado “Surfing with the alien”, o mais interessante de todos os que o Satriani gravou. E também foi por estas alturas que ouvi falar do Steve Vai pela primeira vez.

Já mais tarde, noutra escola e com outro professor, conheci e aprendi a apreciar melhor outros tipos de guitarristas. Eddie Van Halen, e o clássico “Eruption” do primeiro álbum da banda, Nuno Bettencourt e a fantástica mão direita que lhe permite imprimir um balanço incrível no álbum “Pornograffiti”. Finalmente, o Yngwie Malmsteen, enfant terrible que resolveu criar um estilo neo-clássico com muita escala harmónica e ideias “bachianas” pelo meio.

As horas que passei de guitarra em punho são incontáveis. Lembro-me particularmente de um verão cujas manhãs e noites foram todas passadas a tocar. Arranjava tablaturas, uma forma de escrita de música muito simplificada para quem não sabe ler a sério, e entretinha-me até à exaustão a tentar reproduzir as malhas de todos estes heróis. Ainda hoje estou para perceber como consegui atravessar as fases de frustração pela lentidão do progresso sem desistir.

Depois cresci. Teria uns dezoito anos quando começou a processar-se a transição. Comecei a comprar os meus primeiros CD’s de jazz. Já estava na faculdade quando passei de um professor que tocava maioritariamente rock para um ligado a fusão. De repente, os meus heróis passaram a ser o Scofield, o Metheny, o Jim Hall. Hoje em dia continuam a sê-lo, acompanhados por outras aquisições como o Rosenwinkel, de quem já aqui falei, o Mike Stern e o Abercrombie. Até que tive que arranjar outra guitarra, daquelas que não têm manivela nem são boas para fazer bends.

A gota final foi o dia em que me dei por satisfeito pela primeira vez por ter ido a um concerto e não sair de lá com os ouvidos a zumbir.