domingo, novembro 13, 2005

Flashback #2 - Não compres esse bilhete, eu arranjo-te. Respondi um “ok” tímido, perante tamanha tirada assertiva. No dia antes do concerto, disse-me que estava difícil, já estava esgotado há algum tempo e ela ainda não se tinha apercebido. No próprio dia, disse-me que tinha que a bajular intensamente; tinha conseguido, não obstante a dificuldade.

À porta, um bocado antes. Dez, quinze minutos. Mas os jogos de futebol em Alvalade semeiam o caos e a confusão. Sobretudo quando não nos ocorre que, de facto, não são um mito e existem mesmo. Passou por mim de carro. Atrasada. Desculpou-se. Partiu rapidamente à procura dum lugar. Regressou a correr, pouco depois, tinha subido a Alameda da Cidade Universitária a correr.

Na Aula Magna não há lugares marcados, a antecedência é aconselhável. Dois lugares lá em cima nos píncaros, encostados àquelas coisas que parecem uma espécie de camarotes. Pelo menos dá para levantar e evitar estar muito tempo sentado naquelas cadeiras incómodas.

Olhou em redor. Ficou espantada com a fauna. Isto é só gajos. Avisei-te. Tipos de cabelo comprido, tatuagens, calças elásticas, correntes e afins. Os mais cromos sentam-se na primeira fila a apreciar a velocidade dos dedos do artista. Parecem gatos encadeados pela luz dos faróis dos carros. E as poucas gajas que ousam ir a um espectáculo do género usam roupa preta, piercings e correntes penduradas nos bolsos das calças.

Primeiro, Eric Sardinas e respectiva banda. Sardinas, percebi bem? Sim, sardinhas em espanhol, é isso mesmo. Um som de guitarra muito rústico, primitivo e excessivamente elevado. Muito bluesy, com algumas passagens rápidas para acrescentar um toque de modernidade. No final, presenteou-nos com a uma passagem pela plateia sempre a tocar, um bottleneck literal, com uma garrafa de cerveja a escorrer pelo braço e pelas cordas. Acabou à la Jimi Hendrix, ateando fogo ao corpo metálico.

Intervalo. A maioria das pessoas levantam-se. Vão fumar, vão buscar cervejas, vão fazer aquela chamada, mandar aquela mensagem. Aproveitei para esticar as pernas massacradas pelas costas da cadeira da frente. E para falar. Nota técnica? Espera até veres o que aí vem. De um a dez, este tipo é para aí um cinco comparado com o que vais ver a seguir. Prepara-te.

Mal sabia que também teria que me preparar. A física teima que as viagens no tempo ainda não são possíveis, são apenas coisas de filmes com argumentos criativos. Eu teimo o contrário. Naquele momento, voltei a ser um adolescente magricelas, óculos de massa a escorregar pelo nariz abaixo, sorriso amarelo cortado pelo aparelho dos dentes, menos barba mas mais acne do que aquele que ainda hoje tenho. E a voz a querer engrossar. Se bem que nunca tenha engrossado muito. E, se calhar, já é tarde para o fazer.

O Steve Vai entrou em palco frenético. Por entre luzes, fumos, instrumentos que brilham no escuro, indumentária criteriosamente escolhida, adereços, a guitarra com um som certeiro impressionou. O nível técnico veio todo ao de cima e, logo no final da primeira música, a minha companheira de salto quântico percebeu a diferença.

Música e mais música, muitos temas que não há muitos anos e que soaram imediatamente muito familiares e próximos. Solos gigantes de cada um dos instrumentistas da banda. Algumas piadas pelo meio. Três horas de concerto. Non stop. Mais tarde, à saída disse-me que, a certa altura, foquei o olhar no palco longínquo e carreguei no botão “rec”. É possível.

São agora, contas redondas, 1h00. Os meus ouvidos zumbem. Bastante. Mas resolvi dar-me por satisfeito. Bastante.