«Finalmente, last but not least, a igreja católica, apostólica e romana tinha muitos motives para estar satisfeita consigo mesma. Convencida desde o princípio de que a abolição da morte só poderia ter sido obra do diabo e de que para ajudar a deus contra as obras do demo nada é mais poderoso que a perseverança na prece, tinha posto de lado a virtude da modéstia que com não pequeno esforço e sacrifício ordinariamente cultivava, para passar a felicitar-se, sem reservas, pelo êxito da campanha nacional de orações, cujo objectivo, recordemo-lo, fora rogar ao senhor deus que providenciasse o regresso da morte o mais rapidamente possível para poupar a pobre humanidade dos piores horrores, fim de citação. As preces haviam demorado quase oito meses a chegar ao céu, mas há que pensar que só para atingir o planeta Marte precisamos de seis, e o céu, como é fácil de imaginar, deverá estar muito mais para lá, treze mil milhões de anos-luz de distância da terra, números redondos.»
As intermitências da morte, José Saramago
As intermitências da morte, José Saramago
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