quinta-feira, fevereiro 16, 2006

O meu olhar - foge, divaga, deambula para lá dos dois metros que me separam da parede. Olho mas não vejo porque não há limite e aquela barreira opaca branca, de tijolo, tinta e estuque não é suficiente para me conter. Não sou eu que mando, perdi o controle sobre aquilo que faço. Sou como o comandante de um navio amotinado, a ferros no porão.

Uma parte roga, implora de joelhos no chão, por regressar à secretária, à parede que está dois metros à minha frente, ao branco da tinta e do estuque sobre o tijolo que está escondido. Como um crente num local de culto que junta toda a sua força numa única vontade e espera que essa ânsia lhe seja proveitosa.

Às vezes resulta. E, como que aspergido por inspiração divina, reparo sobressaltado que há uma parede a dois metros de mim, branca do estuque que cobre os tijolos que não vejo. Afinal, esteve ali o tempo todo. Assim como uma secretária e todo o tipo de coisas que costumam estar em cima das secretárias.

Mexo um pouco a cabeça. Desnorteado. Tenho que franzir a testa, aguçar o olhar para voltar a ver. Observar. Perceber. Levanto-me, dou algumas voltas, por vezes andar ajuda-me a pensar. Puxo pela memória, avivo-a. Para voltar a saber onde ia, retomar o fio à meada.

Outras vezes não resulta. Como se me tivessem atingido com curare, o corpo não obedece. A mente não obedece. Nada obedece. Mãos braços pés pernas. O coração teima em bater, os pulmões enchem-se e esvaziam-se, a boca talvez se mexa, os olhos fecham e abrem a espaços. Mas apenas porque preciso que o façam.

Nada obedece. Senão a minha vontade. Aquela que não vê paredes. A dois metros de mim.