quinta-feira, março 30, 2006

Nas noites de trovoada - gosto de pôr o “Quiet Night” do Metheny a tocar. Não é para me armar ao pingarelho numa de paradoxo. É que soa mesmo bem. Há uma estranha fusão entre a música suave e o ribombar dos trovões. Relembro uma ocasião.

O episódio das Quatro Estações do Vivaldi no Convento de Mafra. O dia não estava propriamente prometedor quando saí de casa, mas nada fazia adivinhar a chuvada que apanhámos pelo caminho. E, enquanto percorríamos os corredores até à biblioteca em forma de cruz, ouvíamos os primeiros trovões a ecoar.

O local foi perfeito. Sentados numas cadeiras na parte maior da cruz, a luz de baixa intensidade. Os morcegos, a presença mais importante da biblioteca porque comem os bichinhos que atacam os livros, a voar lá em cima. A orquestra lá à frente. Na rua, mais e mais trovoada. As grandes vidraças deixavam entrar a cor gritante dos relâmpagos e depois estremeciam com a violência da deslocação do som.

Os músicos entreolhavam-se. O momento mais giro era o início, quando um deles dava o tempo para todos entrarem e a contagem era cortada a meio pelo som rasgante de mais uma descarga eléctrica. Sorrisos, alguns risos, e recomeçavam. Não deveria ser o efeito sonoro que Vivaldi inicialmente pensou para acompanhar a sua Primavera, ou o seu Verão. No Outono ou no Inverno faria mais sentido.

Mas a conjugação foi inesquecível.