segunda-feira, agosto 21, 2006

E eu que nunca quis - que me contasses tudo, que me desfizesses a ilusão, aquela nuvem que se formava à frente dos meus olhos pasmados, dos castelos que gosto de fazer na minha areia molhada.

E tu que te sentavas de pernas cruzadas, acendias ostensivamente o teu cigarro e sopravas a tua arrogância por entre o fumo que saía a jorros, falavas e saía ainda mais pelo teu nariz que apontava para o tecto.

Podia ter-te dito
Cala-te
Mas não é o meu estilo. Nunca mandei ninguém calar-se. Quem sou eu para dar ordens, quem sou para dispor ou condicionar o que os outros querem fazer. Nem sequer a um cão sou capaz de mandar que se sente.

E tu sabias e, por isso mesmo, continuavas de perna cruzada com o fumo a separar a minha cara da tua, a tua boca dos meus ouvidos. Atiravas-me tudo à cara, cuspias as palavras que sabias dolorosas, incisivas, cortantes ao ponto de querer pedir-te, rogar-te para que te calasses.

Podemos fechar a nossa boca e não falar. Ou não comer. Podemos fechar os nossos olhos e não ver. Podemos tapar o nariz e não cheirar. Podemos não esticar o braço e não sentir o contacto das pontas dos dedos com uma superfície.

Mas não podemos fechar os nossos ouvidos. Quando muito tentar tapá-los com os dedos e, mesmo assim, nunca são tampões perfeitos, os tímpanos, embora menos, continuam a vibrar o suficiente para distinguir os sons.


Não consigo deixar de te ouvir. Tento. Procuro abstrair-me. Afastar-me da tua fala concentrando-me em qualquer coisa. Imagino que estou noutro local. Imagino que estou a ouvir música. Imagino que tu nem sequer estás a falar. No entanto, nada resulta.

E é então que imagino que estou surdo.