quarta-feira, agosto 16, 2006

Isolados, somos a perfeição. Desaparece o relativismo que a convivência implica e os sons são certeiros quando progridem rasgando o ar. Porque as notas estão afinadas entre si, o ré um tom acima do dó, o fá sustenido é a sétima maior de sol. Toco sozinha e tudo me soa bem. Tal e qual quando és tu o único que tocas.

Duas verdades. São como dois instrumentos desafinados entre si. É como ter um com afinação meio-tom abaixo em relação ao outro. O resultado é drástico, o batimento de onda é ensurdecedor sem ter um volume muito elevado. É horrível, insuportável, faz lembrar os sons dos aparelhos médicos que foram inventados exactamente para levar os enfermeiros de serviço a tirarem o rabo da cadeira.

Ainda por cima a distância entre as afinações é curta, choca ainda mais. Se fosse mais distante, não doeria tanto nos tímpanos. Podia, inclusivamente, se fosse um intervalo de terceira, por exemplo, soar bem. Caminhar para um acorde. Assim, fere. Está lá tão perto, por vezes tenho a sensação que se tocam num qualquer ponto para, de seguida, se afastarem.

Tem resolução. E fácil. Basta afinar um dos instrumentos em função do outro. Subir ou baixar, dependendo. Mas é uma solução de compromisso, implica que um de nós ceda. Ou sou eu que me ajusto a ti ou és tu que ajustas a mim. Não há uma terceira alternativa.

Juntos, somos o desacerto. Insuportáveis. Formar um dueto contigo. Ouvir um uníssono nosso. Mas não me quero mudar, não me quero moldar. A minha verdade define-me, caracteriza-me para lá de qualquer descrição, aparência física, traço de personalidade, impressão digital ou código genético. Delimita-me, compreende tudo o que sou. O mesmo se passa contigo. Por isso, também não te posso mudar.

Continuamos a dizer a nossa verdade. Cada um para o seu lado, a desafinação repele-nos como ímanes de pólos iguais.