No corredor escuro, os bancos claros de madeira ao fundo, virados para a mesa com manchas de café e copos de plástico a servir de cinzeiro. Tinha que esperar, resolvi sentar-me. Quando me aproximava, vi que o livro que tinha no colo era diferente, muito grosso e com folhas muito espessas. Foi então que reparei que percorria com o dedo o relevo e as ranhuras gravados, cravados no papel.
A luz que saia das portas abertas das salas com janelas. Mas ela via. Eu sabia que ela via porque não era a primeira vez que reparava nela e era aparentemente normal.
Sentei-me no banco ao lado. Tirei a guitarra do estojo. Porque tinha que fazer tempo e porque havia sempre alguém a tocar naquele corredor. Não me lembro que acordes eram (seria o Just Friends?), lembro-me apenas que a conversa começou quando me perguntou. Depois disse-me
Toca mais
e eu continuei qual animal de estimação bem adestrado.
Ao longe, o som da água que escorre do tecto a cair num dos alguidares, o azul ao lado do pilar. Não conseguia entender por que aqueles dedos precisavam ser introduzidos e exercitados naquela linguagem tão própria e fechada. Juntei a coragem suficiente. E perguntei.
Tinha uma doença. E, mais tarde ou mais cedo, ia perder pelo menos parte da visão. Uma coisa de família. Se começasse já a aprender Braille, o processo de adaptação seria mais fácil.
Fiquei sem saber se devia pedir desculpa pela minha curiosidade que agora parecia mórbida. Fiquei sem saber se devia achar a história, senão mentira, pelo menos muito mal contada. Possivelmente para acabar com o desconforto que, de repente, se instalou, olhou para mim, viu-me e disse enquanto encolheu os ombros e sorriu
É fixe
O Braille, queria ela dizer, porque eu não percebi logo, porque a doença não podia ser fixe. Ou, pelo menos, não fazia sentido que fosse.
Entretanto, mais gente chegava que, com muito mais desfaçatez do que eu, imediatamente faziam a mesma pergunta que já tinha feito. Vendeu-lhes a mesma história e o mesmo
É fixe
no fim, possivelmente uma forma previamente planeada e pronta a usar para enfrentar estas situações, para evitar o nascer de um freak show da rapariga que, da normalidade, iria ressurgir como aquela que vai deixar de ver
Nunca mais a vi. Nem sei se ela a mim.
A luz que saia das portas abertas das salas com janelas. Mas ela via. Eu sabia que ela via porque não era a primeira vez que reparava nela e era aparentemente normal.
Sentei-me no banco ao lado. Tirei a guitarra do estojo. Porque tinha que fazer tempo e porque havia sempre alguém a tocar naquele corredor. Não me lembro que acordes eram (seria o Just Friends?), lembro-me apenas que a conversa começou quando me perguntou. Depois disse-me
Toca mais
e eu continuei qual animal de estimação bem adestrado.
Ao longe, o som da água que escorre do tecto a cair num dos alguidares, o azul ao lado do pilar. Não conseguia entender por que aqueles dedos precisavam ser introduzidos e exercitados naquela linguagem tão própria e fechada. Juntei a coragem suficiente. E perguntei.
Tinha uma doença. E, mais tarde ou mais cedo, ia perder pelo menos parte da visão. Uma coisa de família. Se começasse já a aprender Braille, o processo de adaptação seria mais fácil.
Fiquei sem saber se devia pedir desculpa pela minha curiosidade que agora parecia mórbida. Fiquei sem saber se devia achar a história, senão mentira, pelo menos muito mal contada. Possivelmente para acabar com o desconforto que, de repente, se instalou, olhou para mim, viu-me e disse enquanto encolheu os ombros e sorriu
É fixe
O Braille, queria ela dizer, porque eu não percebi logo, porque a doença não podia ser fixe. Ou, pelo menos, não fazia sentido que fosse.
Entretanto, mais gente chegava que, com muito mais desfaçatez do que eu, imediatamente faziam a mesma pergunta que já tinha feito. Vendeu-lhes a mesma história e o mesmo
É fixe
no fim, possivelmente uma forma previamente planeada e pronta a usar para enfrentar estas situações, para evitar o nascer de um freak show da rapariga que, da normalidade, iria ressurgir como aquela que vai deixar de ver
Nunca mais a vi. Nem sei se ela a mim.
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