domingo, setembro 17, 2006

Correr não tem graça nenhuma. É chato É monótono. É uma seca. É a mesma coisa que andar mas mais depressa, com o inconveniente de cansar e de ser relativamente pouco higiénico.

Corro. As pernas seguem uma atrás das outras ganhando a distância, como autómatos totalmente independentes do resto do corpo. O nariz e a boca sugam golfadas de ar que de seguida expelem.

Corro e desligo porque não preciso fazer nada. Tudo parece estar sob a alçada do meu corpo, entidade que assume a responsabilidade da gestão do esforço. Na liberdade condicionada pelo desgaste físico, não penso. Apenas continuo.


Quando era miúdo, vi o Caça Fantasmas inúmeras vezes. A cena que me causou mais impacto era uma perto do final, quando a entidade sobrenatural ameaça os heróis transformando em real qualquer pensamento que pudessem ter. A personagem do Bill Murray ordena
Empty your heads, don’t think of nothing!

O Ray do Dan Aykroyd não conseguia e um Marshmellow Man gigante e com cara de poucos amigos começava a percorrer as ruas de Nova Iorque. É dessa ameaça terrífica e do seu criador, que acabam por salvar a cidade.

Lembro-me de o filme me deixar baralhado. Não pensar em nada é, em si, pensar em algo. Como raio seria possível, mesmo que apenas por instantes, não ter rigorosamente nada dentro da cabeça.


Corro e tenho a cabeça vazia. Nada percorre a minha cabeça excepto um fio de suor que escorre por detrás da orelha. Corre uma aragem que socorre o meu peito quente, encostando-lhe a T-shirt molhada num choque térmico agradável.

Corro e nada decorre. Nada me ocorre. Ninguém discorre. Corro e é então que tudo transcorre e concorre para que não pense.