Decidi-me e fiz a operação no Multibanco para evitar a deslocação. A máquina imprimiu-me um recibo que serviria para levantar o bilhete na altura. Descemos a rua das Portas de Santo Antão a gozar, tentando pronunciar o nome como fãs que não falam inglês convenientemente.
Poucas bandas fariam dar-me ao trabalho de vasculhar em inúmeras páginas da Internet e no You Tube para tentar relembrar e reconstruir o máximo possível não só a história, mas também o que se sucedeu naquele longínquo dia 7 de Abril de 1998 (volvidos 8 anos e picos, há pormenores que me escapam).
Já lá vamos. Permitam-me primeiro a analepse.
Recuemos até 1992, ano da graça de nosso senhor. Os Guns N’ Roses deslocam-se ao Estádio José de Alvalade num dos mais aguardados concertos do ano e (atrevo-me a acrescentar), da década de 90. Tinha apenas 11 e jamais me perdoarei por não ter assistido. Do espectáculo, ficou sobretudo na memória um tralho que o Axl mandou, resultado de uma garrafa em cima do palco. Isso e a subsequente birra: não queria cantar mais. Penso que foram o Duff e o Gilby a ir buscá-lo aos bastidores a certa altura.
O que pode motivar uma multidão sedenta por ver os Guns, a grande banda da altura, a pôr em risco a sua prestação desta forma?
Recuemos mais um pouco. Umas horas. Até aos supporting acts. Em particular, o de uma banda com um vocalista muito sui generis. A meio do Epic, Mike Patton resolve provocar a multidão e convida-a a atirar lixo para cima do palco. As suas preces são ouvidas e rapidamente fica rodeado de papeis, relva, embalagens e garrafas, numa das quais Axl Rose haveria de tropeçar e cair, horas depois (aqui, a reportagem completa da MTV).
Um recuo final para um pouco mais de história. Mike Patton tinha sido convidado a entrar nos Faith No More em 1988, substituindo Chuck Mosley. A dança de cadeiras era algo de perfeitamente comum na banda que chegou a contar com Courtney Love ao microfone no início dos anos oitenta. Isso e as constantes diferenças resolvidas à batatada.
Apenas três elementos se mantiveram do início até ao fim: o baixista Billy Gould, o teclista Roddy Bottum e o baterista Mike “Puffy” Bordin cuja forma de tocar, com os tímbalos dispostos horizontalmente, e as rastas sempre a voar e a ser constantemente molhadas por um roadie, sempre me impressionou. Dos restantes, para além de Patton, destaca-se o guitarrista Big Jim Martin, conhecido pela barba e cabelos enormes e o solo que tocou na cover Easy.
Veia provocatória?
O mais interessante é que o episódio no Estádio de Alvalade é apenas a ponta do icebergue. Insultos feitos às bandas cabeças de cartaz com quem faziam tournées eram habituais. Aliás, está aqui um exemplo recente de como Patton ainda não perdeu esse hábito, insultando os Wolfmother quando os ouviu tocar a meio de uma entrevista que estava a dar.
A MTV também teve a sua dose, aqui quando a apresentadora é impedida de falar. Pior foi a questão do teledisco do Epic: Perto do final, surge um comum peixe de aquário a saltar, agonizando por estar fora de água. A cena foi altamente contestada por instituições de defesa dos direitos dos animais. Em 1990, os Faith no More foram convidados a participar no MTV Music Awards e tocaram essa mesma música. No final da actuação, Mike Patton deitou-se no chão e imitou o peixe da discórdia. Lembro-me também doutra ocasião em que apresentadora foi gozada em directo porque parecia não perceber a ironia do título “Album of the year”. Aqui, a apresentarem o teledisco do From out of nowhere no Headbangers Ball, quando a MTV ainda era um canal de jeito.
E depois havia os concertos, onde tudo podia acontecer. Os tradicionais flips frontais que acabavam com Patton a aterrar de costas no palco mas sem nenhuma falha ao microfone, nem sequer no momento do impacto (Exemplos 1 e 2). Em Santiago do Chile, ficou imortalizado o Midlife Crisis pela reacção da multidão que resolveu cuspir em cima do vocalista que, provocando e retribuindo, continuou a cantar.
Regressemos ao dia 7 de Abril
Só vi o filme do John Voight e do Dustin Hofman muito mais tarde. Mas as notas e os acordes do genérico do Midnight Cowboy com que abriram o concerto, nunca mais me saíram da cabeça. Mike Patton tocava um instrumento de sopro com teclas.
O set subiu de intensidade com Collision, o Midlife Crisis, Naked in front of the computer e Ashes to ashes, um dos temas da noite. Ouviu-se “agora mais tranquilo” no frágil mas pouco tímido português de Patton (assim como uma exclamação “vinho verde!”) e veio o Evidence. Depois, não resistimos a deixar um trecho generoso do Easy, “um fado americano” com o sotaque americano, no voice mail do Mário que resolveu não se juntar a nós nessa noite.
Regressa a intensidade: Introduce yourself, The gentle art of making enemies, Last Cup of Sorrow com “vive la France” e que “que bella è la Itália” pelo meio, Land of sunshine, King for a day, We care a lot, Epic, Just a man.
Não falou em português quando voltaram para os primeiros encores; “dedicated to Amália Rodrigues” antes de tocarem o This guy’s in love with you. Logo de seguida, Get out.
O início do segundo encore foi marcado pela ausência do guitarrista que apenas surgiu a meio do Stripsearch para um solo melódico e saiu assim que acabou, com o feedback da guitarra a acompanhá-lo. A cover do Highway Star dos Deep Purple e, para acabar, As the worm turns.
Angel Dust
Poucos dias depois, os Faith No More acabaram. O concerto do Coliseu dos Recreios fica para a História como o último de sempre. Para além de 1992, houve outras passagens por Lisboa, uma a 29 de Junho de 1993 e outra a 9 de Julho de 1995, na primeira edição do Super Bock Super Rock, na altura, na gare marítima de Alcântara.
Aquilo que na altura foi inesperado, surge afinal como previsível assim que fica enterrado no passado. O cliché será dizer que era desse confronto de diferenças tão pronunciadas, de irreverência e inconstância, que saía a fusão, a diversidade que os caracterizava. Na música e fora dela.
Uma Small Victory ou pequena consolação são os projectos como Fantomas e Tomahawk que mantiveram bastante da criatividade e irreverência. Mas esses ficam para outra altura.
Poucas bandas fariam dar-me ao trabalho de vasculhar em inúmeras páginas da Internet e no You Tube para tentar relembrar e reconstruir o máximo possível não só a história, mas também o que se sucedeu naquele longínquo dia 7 de Abril de 1998 (volvidos 8 anos e picos, há pormenores que me escapam).
Já lá vamos. Permitam-me primeiro a analepse.
Recuemos até 1992, ano da graça de nosso senhor. Os Guns N’ Roses deslocam-se ao Estádio José de Alvalade num dos mais aguardados concertos do ano e (atrevo-me a acrescentar), da década de 90. Tinha apenas 11 e jamais me perdoarei por não ter assistido. Do espectáculo, ficou sobretudo na memória um tralho que o Axl mandou, resultado de uma garrafa em cima do palco. Isso e a subsequente birra: não queria cantar mais. Penso que foram o Duff e o Gilby a ir buscá-lo aos bastidores a certa altura.
O que pode motivar uma multidão sedenta por ver os Guns, a grande banda da altura, a pôr em risco a sua prestação desta forma?
Recuemos mais um pouco. Umas horas. Até aos supporting acts. Em particular, o de uma banda com um vocalista muito sui generis. A meio do Epic, Mike Patton resolve provocar a multidão e convida-a a atirar lixo para cima do palco. As suas preces são ouvidas e rapidamente fica rodeado de papeis, relva, embalagens e garrafas, numa das quais Axl Rose haveria de tropeçar e cair, horas depois (aqui, a reportagem completa da MTV).
Um recuo final para um pouco mais de história. Mike Patton tinha sido convidado a entrar nos Faith No More em 1988, substituindo Chuck Mosley. A dança de cadeiras era algo de perfeitamente comum na banda que chegou a contar com Courtney Love ao microfone no início dos anos oitenta. Isso e as constantes diferenças resolvidas à batatada.
Apenas três elementos se mantiveram do início até ao fim: o baixista Billy Gould, o teclista Roddy Bottum e o baterista Mike “Puffy” Bordin cuja forma de tocar, com os tímbalos dispostos horizontalmente, e as rastas sempre a voar e a ser constantemente molhadas por um roadie, sempre me impressionou. Dos restantes, para além de Patton, destaca-se o guitarrista Big Jim Martin, conhecido pela barba e cabelos enormes e o solo que tocou na cover Easy.
Veia provocatória?
O mais interessante é que o episódio no Estádio de Alvalade é apenas a ponta do icebergue. Insultos feitos às bandas cabeças de cartaz com quem faziam tournées eram habituais. Aliás, está aqui um exemplo recente de como Patton ainda não perdeu esse hábito, insultando os Wolfmother quando os ouviu tocar a meio de uma entrevista que estava a dar.
A MTV também teve a sua dose, aqui quando a apresentadora é impedida de falar. Pior foi a questão do teledisco do Epic: Perto do final, surge um comum peixe de aquário a saltar, agonizando por estar fora de água. A cena foi altamente contestada por instituições de defesa dos direitos dos animais. Em 1990, os Faith no More foram convidados a participar no MTV Music Awards e tocaram essa mesma música. No final da actuação, Mike Patton deitou-se no chão e imitou o peixe da discórdia. Lembro-me também doutra ocasião em que apresentadora foi gozada em directo porque parecia não perceber a ironia do título “Album of the year”. Aqui, a apresentarem o teledisco do From out of nowhere no Headbangers Ball, quando a MTV ainda era um canal de jeito.
E depois havia os concertos, onde tudo podia acontecer. Os tradicionais flips frontais que acabavam com Patton a aterrar de costas no palco mas sem nenhuma falha ao microfone, nem sequer no momento do impacto (Exemplos 1 e 2). Em Santiago do Chile, ficou imortalizado o Midlife Crisis pela reacção da multidão que resolveu cuspir em cima do vocalista que, provocando e retribuindo, continuou a cantar.
Regressemos ao dia 7 de Abril
Só vi o filme do John Voight e do Dustin Hofman muito mais tarde. Mas as notas e os acordes do genérico do Midnight Cowboy com que abriram o concerto, nunca mais me saíram da cabeça. Mike Patton tocava um instrumento de sopro com teclas.
O set subiu de intensidade com Collision, o Midlife Crisis, Naked in front of the computer e Ashes to ashes, um dos temas da noite. Ouviu-se “agora mais tranquilo” no frágil mas pouco tímido português de Patton (assim como uma exclamação “vinho verde!”) e veio o Evidence. Depois, não resistimos a deixar um trecho generoso do Easy, “um fado americano” com o sotaque americano, no voice mail do Mário que resolveu não se juntar a nós nessa noite.
Regressa a intensidade: Introduce yourself, The gentle art of making enemies, Last Cup of Sorrow com “vive la France” e que “que bella è la Itália” pelo meio, Land of sunshine, King for a day, We care a lot, Epic, Just a man.
Não falou em português quando voltaram para os primeiros encores; “dedicated to Amália Rodrigues” antes de tocarem o This guy’s in love with you. Logo de seguida, Get out.
O início do segundo encore foi marcado pela ausência do guitarrista que apenas surgiu a meio do Stripsearch para um solo melódico e saiu assim que acabou, com o feedback da guitarra a acompanhá-lo. A cover do Highway Star dos Deep Purple e, para acabar, As the worm turns.
Angel Dust
Poucos dias depois, os Faith No More acabaram. O concerto do Coliseu dos Recreios fica para a História como o último de sempre. Para além de 1992, houve outras passagens por Lisboa, uma a 29 de Junho de 1993 e outra a 9 de Julho de 1995, na primeira edição do Super Bock Super Rock, na altura, na gare marítima de Alcântara.
Aquilo que na altura foi inesperado, surge afinal como previsível assim que fica enterrado no passado. O cliché será dizer que era desse confronto de diferenças tão pronunciadas, de irreverência e inconstância, que saía a fusão, a diversidade que os caracterizava. Na música e fora dela.
Uma Small Victory ou pequena consolação são os projectos como Fantomas e Tomahawk que mantiveram bastante da criatividade e irreverência. Mas esses ficam para outra altura.
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