quinta-feira, outubro 12, 2006

O vento agita as copas dos pinheiros, os ramos das árvores esvoaçam, chocam, emitem estalidos secos. Os pés enterram-se ligeiramente na areia que tapa as raízes e as pedras, as folhas pisadas crepitam. No ar está o cheiro da caruma e do sal da água escura que se projecta e espraia como se nos quisesse atingir e tu
Grita comigo
Grita comigo tudo. Aqui. Agora mesmo. Grita tudo o que andaste cuidadosamente a guardar ao longo do tempo para um dia gritares mas que acabaste por nunca gritar porque não tiveste a ousadia ou achaste que gritar é coisa de malucos ou quiseste poupar para outro dia que achaste melhor mas esse dia entretanto nunca chegou.
Grita comigo até perdermos a voz
Afastaste a tua cara da minha, olhaste em frente para a escuridão e o teu grito quente abriu-se de par em par. Deu um mote impressionante, vigoroso. Tentei acompanhar com a minha cana rachada com o silvo mais agudo que consegui e que não sabia que tinha.
A dor na garganta, os ouvidos vibrantes, as cordas vocais frementes. Até que começou a falhar, a desvanecer. As nossas vozes esvaíram-se nesse coro de guinchos insuportáveis. Estava na hora. Apontaste a direcção com o indicador.

E seguimos ao som do nosso silêncio afónico.