segunda-feira, janeiro 08, 2007

«(…) Entretanto, Lopes-Graça não pensava que devesse escrever música acessível. Essa ideia repugnava-lhe. Entendia que qualquer artista devia escrever a música que acha que deve escrever, por necessidade interior, pela sua experiência emocional, cabendo ao ouvinte fazer um esforço de adaptação, se quer compreendê-lo. Nesse sentido, a música de Lopes-Graça não cede à demagogia. Quando se ouve uma obra de Lopes-Graça em concerto há sempre uma tensão entre o lado emocional e o lado reflexivo. Ele recusa, na sua estética, a manipulação emocional, ou a possibilidade de aproveitamento para esse fim, de algum modo ligadas à tradição clássico-romântica. E esses aproveitamentos tiveram lugar em regimes totalitários. Quando cá vieram as orquestras alemãs, em plena guerra, houve uma frase de Lopes-Graça, numa das suas críticas (na Seara Nova), que é muito elucidativa: «não substituir a acção vivida pela acção imaginada». Essa substituição correspondia a uma comunicação artística em que se dá a catarsis, e em que, por isso, todos os conflitos ficam resolvidos, o espectador envolveu-se emocionalmente e as boas causas triunfaram no palco, e com essa identificação emocional há uma espécie de compensação em relação às frustrações do quotidiano, quando se regressa a casa ou à realidade: «ao menos fez-se justiça no palco…». Eis o que Lopes-Graça não queria. A música de Lopes-Graça tem emoção, ele põe as suas emoções na música que compõe, é um compositor que valoriza a dimensão expressiva, mas ao mesmo tempo há momentos de estranhamento (…). Valem como exemplo as Cinco Estelas Funerárias para companheiros mortos, cada uma dedicada a um companheiro de resistência antifascista (…). Estas estelas ou lápides consistem em cinco fragmentos de marcha fúnebre. Especialmente na marcha final torna-se claro o que eu pretendo significar: estamos à espera de ser empolgados por um final triunfal, e não. No momento em que se pensa que isso vai acontecer, há como um balde de água fria, o processo recomeça em pianíssimo e o discurso fica interrompido. Dir-se-ia uma estética de suspensão, que é muito frequente, se é que não marca toda a obra de Lopes-Graça. Temos a sensação de que os conflitos não ficam resolvidos, de que não há um final, de que qualquer coisa ficou por resolver.»

Pensar a música, mudar o mundo: Fernando Lopes-Graça, Mário Vieira de Carvalho