segunda-feira, junho 04, 2007

«(...)e os dias por ordem, prontos a usar, engomados, qual deles irei escolher para gastar amanhã e a surpresa de tantos dias ainda, a doente ficou a meio do seu que continuou sozinho, a olhar para trás desiludido que o não seguissem, a da pena quebrada soltou-se da irmã sem fitar ninguém, senti o mundo que principia osb a forma de uma corrente de ar anunciando a chuva, não a de agosto, limpa, chuvas cinzentas, sujas, o ar sujo, se algum de nós falasse palavras sujas, interrompi o oxigénio e o manípulo da garrafa um estalido sujo, no caso de me chamarem
- Lurdes
teria de ocultar o nome antes de o mostrar em volta, esfregá-lo sem que dessem conta com um pano qualquer, um nome que me intriga desde que o conheço, tento mudar-lhe a forma e resiste, compacto, duro
- Lurdes
vejo os meus pais de modo diferente como se os meus pais Lurdes, não eu, em criança ficava a pensar nele parada, equilibrando-me no pé direito primeiro e no esquerdo depois a calcular o peso das letras, não do corpo, em mim, a pena quebrada foi-se embora sem cumprimentar, sapatos miúdos triturando as pedras depressa e pisarem-me o nome e eudesembaraçada de mim, livre, não me chamo Lurdes, chamo-me Eu, os meus pais recuaram para zonas vazias do passado com
Lurdes
lá deles a baptizarem de Lurdes a tudo, utensílios, vizinhos, empanturrem-se com o nome e larguem-me, na zona do passado que o nome ocupava(...)»

Ontem não te vi em Babilónia, António Lobo Antunes