Fantasia sobre títulos de livros de Lobo Antunes
Nunca esqueço. Guardo tudo, registo como um computador obstinado de capacidade ilimitada pelo emaranhado dos fios. Nem que queira pegar em todas as imagens as palavras os sons as situações as pessoas e mandar fora, soltá-las ao vento, não consigo. Memória de elefante.
Que farei...?
E por isso sei que não te vi. Ontem não te vi em Babilónia. Ontem não te vi em lado nenhum, ontem não te vi em nenhum local edílico, em nenhum antro, em nenhum canto recôndito, em nenhum cu de Judas. E como te queria ver. E como te queria sentir perto. Como queria. Já sei: falar-te. Contar-te todo este conhecimento. Este conhecimento do inferno que é um inferno. Não esqueço; já te disse? se calhar não. Como os danados que vivem atormentados pelas memórias. É isso, falar-te, escrever-te um auto dos danados. Contar-te tudo mas o medo. O medo
Que farei...?
que tu me interrompas, me traves, me digas não entres tão depressa nessa noite escura. Porque tu és pessimista, vês a escuridão à distância e espalhas a palavra. Tento explicar-te, mostrar-te que não há limites senão os teus próprios mas tu não acreditas nas paixões de alma, tentei um dia expor-te um tratado sobre elas e tu nada.
Que farei....?
Se preciso for para que te o prove, hei-de amar uma pedra, que mais precisas que faça para te convenceres que as paixões de alma? Que escreva no meu manual de inquisidor uma sentença pesada para o teu pessimismo contagioso? Quando tudo o queria era ser leve, leve como um pássaro. Os pássaros têm muito para dizer, para contar. A explicação dos pássaros. Abrir as asas para que o vento me carregue, planar sobre a terra, sobre os objectos minúsculos por debaixo de mim, sobrevoá-los e desejar-lhes boa tarde, boa tarde às coisas aqui em baixo de mim, às coisas aqui em baixo do meu voo
Que farei...?
E quando tudo está perante mim, à distância dos olhos que lentamente definham e vêem as distâncias menores, então tudo parece fugir do normal, tudo parece violar a ordem natural das coisas. Lágrimas de crocodilo que chora após mais uma exortação às lágrimas verdadeiras que não tem. Pergunto-me, questiono-me e uma só certeza.
Que farei quando tudo arde?
Nunca esqueço. Guardo tudo, registo como um computador obstinado de capacidade ilimitada pelo emaranhado dos fios. Nem que queira pegar em todas as imagens as palavras os sons as situações as pessoas e mandar fora, soltá-las ao vento, não consigo. Memória de elefante.
Que farei...?
E por isso sei que não te vi. Ontem não te vi em Babilónia. Ontem não te vi em lado nenhum, ontem não te vi em nenhum local edílico, em nenhum antro, em nenhum canto recôndito, em nenhum cu de Judas. E como te queria ver. E como te queria sentir perto. Como queria. Já sei: falar-te. Contar-te todo este conhecimento. Este conhecimento do inferno que é um inferno. Não esqueço; já te disse? se calhar não. Como os danados que vivem atormentados pelas memórias. É isso, falar-te, escrever-te um auto dos danados. Contar-te tudo mas o medo. O medo
Que farei...?
que tu me interrompas, me traves, me digas não entres tão depressa nessa noite escura. Porque tu és pessimista, vês a escuridão à distância e espalhas a palavra. Tento explicar-te, mostrar-te que não há limites senão os teus próprios mas tu não acreditas nas paixões de alma, tentei um dia expor-te um tratado sobre elas e tu nada.
Que farei....?
Se preciso for para que te o prove, hei-de amar uma pedra, que mais precisas que faça para te convenceres que as paixões de alma? Que escreva no meu manual de inquisidor uma sentença pesada para o teu pessimismo contagioso? Quando tudo o queria era ser leve, leve como um pássaro. Os pássaros têm muito para dizer, para contar. A explicação dos pássaros. Abrir as asas para que o vento me carregue, planar sobre a terra, sobre os objectos minúsculos por debaixo de mim, sobrevoá-los e desejar-lhes boa tarde, boa tarde às coisas aqui em baixo de mim, às coisas aqui em baixo do meu voo
Que farei...?
E quando tudo está perante mim, à distância dos olhos que lentamente definham e vêem as distâncias menores, então tudo parece fugir do normal, tudo parece violar a ordem natural das coisas. Lágrimas de crocodilo que chora após mais uma exortação às lágrimas verdadeiras que não tem. Pergunto-me, questiono-me e uma só certeza.
Que farei quando tudo arde?
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