Ninguém lhe dava música. Não ia em cantigas. Gostava de ser ele a colocar a tónica no discurso. Às pessoas que lhe tentavam dar palheta, que davam corda à língua, respondia com o seu tom calmo, frio como o metal.
Afinava quando gozavam consigo. Não tolerava ser o bombo da festa. Como retaliação, fazia algumas pausas e acentuava cuidadosamente os silêncios. Se mesmo assim não conseguia o respeito que exigia, soltava um rufo e dizia “que gaita!” com os olhos inflamados.
Maestro da sua vida, dirigia a sua existência com uma batuta inflexível. Pautava o seu comportamento por uma enorme contância, não largava as linhas nem os espaços, nunca improvisava. Orquestrava situações mas sempre de acordo com as notas que previamente escrevia, não ia para lá dos clássicos e dos standards. Fizesse chuva fizesse sol, nunca mudava de opinião, não fazia marcha-à-ré.
Para ele, a vida resumia-se a uma enorme sucessão de intervalos de vinte e quatro horas: as segundas eram dias menores, já as sextas maiores; as quartas diminutas, as quintas eram aumentadas, por vezes mesmo perfeitas. No entanto, nada o convencia a dobrar a oitava. Não percorria muito o teclado, não gostava de se afastar do dó central, local onde se sentia confortável.
Mas pior do que o controlo sobre si mesmo, era a cadência à dominante que exercia sobre os outros. Dava descompustoras, pregava sarabandas quando não estavam em sintonia consigo. Não suportava que fosse alguém que não ele a dar o tom.
Até que uma breve manhã teve um contratempo. Sentia o seu ritmo cardíaco acelerado. A pulsação aumentava descontroladamente. Seria uma síncope? Não fazia ideia, nem mínima nem semínima. Teve sorte, o médico disse-lhe que não passara de uma nota em falso.
Mesmo assim, começou a sentir-se progressivamente deslocado, fora de tempo. De início, não sabia se era grave se agudo. Depois, vieram mais sintomas: começou a ouvir tudo em surdina. Um trinado obscuro, uma cacofonia, um timbre de cana rachada. Estava a entrar em anacrusa.
Fez um compasso de espera: tinha que parar para pensar. Respirar. Criou uma suspensão. Após um curto interlúdio, resolveu que tinha que quebrar a rotina, tinha que mudar a cifra para obter uma nova harmonia na sua vida. De todo o lado lhe parecia ouvir um “Acorde!”.
Tinha que recomeçar. Tudo desde o início. Mudar de tonalidade, mudar de escala. Arrancar com uma introdução. Procurar um mote, um riff, uma malha. Depois imprimir uma nova dinâmica com acentuações bastante pronunciadas, encher-se de melodia.
E, se mesmo assim não fosse suficiente, então “da capo al coda”.
Afinava quando gozavam consigo. Não tolerava ser o bombo da festa. Como retaliação, fazia algumas pausas e acentuava cuidadosamente os silêncios. Se mesmo assim não conseguia o respeito que exigia, soltava um rufo e dizia “que gaita!” com os olhos inflamados.
Maestro da sua vida, dirigia a sua existência com uma batuta inflexível. Pautava o seu comportamento por uma enorme contância, não largava as linhas nem os espaços, nunca improvisava. Orquestrava situações mas sempre de acordo com as notas que previamente escrevia, não ia para lá dos clássicos e dos standards. Fizesse chuva fizesse sol, nunca mudava de opinião, não fazia marcha-à-ré.
Para ele, a vida resumia-se a uma enorme sucessão de intervalos de vinte e quatro horas: as segundas eram dias menores, já as sextas maiores; as quartas diminutas, as quintas eram aumentadas, por vezes mesmo perfeitas. No entanto, nada o convencia a dobrar a oitava. Não percorria muito o teclado, não gostava de se afastar do dó central, local onde se sentia confortável.
Mas pior do que o controlo sobre si mesmo, era a cadência à dominante que exercia sobre os outros. Dava descompustoras, pregava sarabandas quando não estavam em sintonia consigo. Não suportava que fosse alguém que não ele a dar o tom.
Até que uma breve manhã teve um contratempo. Sentia o seu ritmo cardíaco acelerado. A pulsação aumentava descontroladamente. Seria uma síncope? Não fazia ideia, nem mínima nem semínima. Teve sorte, o médico disse-lhe que não passara de uma nota em falso.
Mesmo assim, começou a sentir-se progressivamente deslocado, fora de tempo. De início, não sabia se era grave se agudo. Depois, vieram mais sintomas: começou a ouvir tudo em surdina. Um trinado obscuro, uma cacofonia, um timbre de cana rachada. Estava a entrar em anacrusa.
Fez um compasso de espera: tinha que parar para pensar. Respirar. Criou uma suspensão. Após um curto interlúdio, resolveu que tinha que quebrar a rotina, tinha que mudar a cifra para obter uma nova harmonia na sua vida. De todo o lado lhe parecia ouvir um “Acorde!”.
Tinha que recomeçar. Tudo desde o início. Mudar de tonalidade, mudar de escala. Arrancar com uma introdução. Procurar um mote, um riff, uma malha. Depois imprimir uma nova dinâmica com acentuações bastante pronunciadas, encher-se de melodia.
E, se mesmo assim não fosse suficiente, então “da capo al coda”.
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