quinta-feira, setembro 27, 2007

A noção de que Saramago - tinha uma relação muito própria com o seu próprio pedestal não me era nova. Há uma certa rispidez no seu discurso que radica naquele paternalismo de quem sabe o caminho certo, o que é melhor para os outros, para o “povo” dos marxistas. Sem sequer aflorar a questão da necessidade que os grandes artistas - sejam eles escritores ou escultores ou músicos ou pintores - têm de erigir esse tal pedestal para poderem olhar para os outros enquanto os outros não param de olhar para eles, não consigo de deixar de pensar que o Nobel português (e caindo deliberadamente no lugar-comum) encontrou em Pílar a companheira ideal. Ora vejam só:

«A responsabilidade de traduzir a obra do marido vai mais fundo e provoca-lhe receios que não apenas no domínio da técnica.«O intelectual de primeira que é José Saramago está casado com uma jornalista de província, que é como me defino, e então há momentos que sinto que não temos o mesmo nível... Humanamente somos dois seres complementares, temos uma relação estupenda e provavelmente inexplicável porque, além do mais, nunca iremos pormenorizar o nível de relação que temos. E cada um temo os seus pontos a favor e os seus pontos negros.» Mas, prossegue, «no trabalho é uma cruz saberes que não pode falhar a transmitir a riqueza, as matizes, as virtualidades dessa sinfonia. É que Saramago, para cúmulo, complica tudo e diz que ‘escrever é como compor música, são sons e pausas, sons e pausas.’ Como traduzir Beethoven? O problema terrível, dramático, quando tens de traduzir um génio, é saberes que tens técnica mas nunca terás o mesmo nível de sensibilidade nem de inteligência para traduzir com a mesma qualidade. Isso é duro!»»

Única, 1 de Setembro de 2007