domingo, outubro 28, 2007

Afirmar a beleza dela era uma verdade de La Palisse. Isto porque não era apenas bem parecida, era muito mais do que isso, uma verdadeira femme fatale. E também não era a só a toilette que envergava. Até porque tudo o que vestisse infalivelmente ficar-lhe-ia bem, por mais demodé que pudesse ser. Era todo o mise en scène, desde a forma blasé como andava até ao olhar de enfant terrible. Mais: consciente da situação, dava cada passo como se dissesse L’État c’est moi, como se tivesse uma carte blanche para fazer o que quisesse neste mundo. Parecia uma rainha que tinha dispensado a sua entourage.

Ele não resistia a acompanhar a deslocação daquela belle de jour com os olhos, nem sequer era capaz de disfarçar o interesse no seu derrière. Azarado no capítulo sentimental, toda a sua vida tinha fantasiado com um simples rendez-vous amoroso com uma criatura daquele calibre, crème de la crème da beleza feminina. Daquelas que arrancam um sentido oh lá lá ao público masculino.

Mas faltava-lhe a coragem. O seu défice de confiança, típico dos que se consideram bas fond, era a sua bête noire. Achava-se condenado à partida a nunca conseguir. Um affair daqueles não estava à sua altura. E, por isso, não arriscava, preferia não se expor, encore une fois, a um balde de água fria, um déjà vu recorrente.

Até que um célebre dia, helàs, tudo mudou. Sentado à sua mesa de pequeno-almoço, viu-a dirigir-se a si. Primeiro pensou que, como sempre, nada de especial iria acontecer e que tudo aquilo não passaria de mais um fait divers. Provavelmente, um qualquer assunto banal de trabalho. Mas quando ela lhe disse num tom de voz repleto de charme:

Encore bien que je te trouve

O rumo dos acontecimentos parecia querer mudar. Não era forma de começar a falar se o objectivo fosse discutir, à vol d’oiseau, en passant, qualquer coisa entediante. Sem lhe ter dado tempo para que lhe respondesse, voilà, ela continuou e, qual croupier destemido, subiu a parada com uma verdadeira pièce de resistance

Voulez vous couchez avec moi...
E depois, inclinado-se ligeiramente para a frente, exibindo o decote que deixava entrever um pouco da lingerie provocante, acrescentou
ce soir...?

Touché. Dir-se-ia que o corpo dele perdeu toda a tonicidade, que o coração deixou de ter uma raison d’être para continuar a bombear o sangue pelas veias. Quase se engasgava no croissant quente e crocante que comia e não teve presença de espírito para soltar uma palavra que fosse, aquela que noblesse oblige.

Sentindo a perplexidade dele ante o tête-à-tête inesperado, percebeu que tinha que fazer algo mais para lhe devolver a joie de vivre. Ou, no mínimo, alguma cor à sua expressão. E então, como se lhe desse um chachet para que ele pudesse acompanhar o montante da aposta.

Ceci n’est pas une blague