domingo, maio 11, 2008

Militar de carreira, vivia a sua vida com a organização, o rigor e a displicina típicos das Forças Armadas. A aparência era o primeiro indicador: usava sempre a farda impecavelmente passada e direita, o nó da gravata perfeitamente simétrico, os sapatos reluziam de engraxados.

Levanta-se sempre pelo raiar da aurora e, a primeira coisa que fazia depois de fazer a cama e arrumar o quarto em velocidade relâmpago era sair para a rua para fazer exercício físico. Fizesse sol ou chuva, um frio de rachar ou um calor insuportável, corria diariamente para cima de dez quilómetros e, como se não bastasse, terminava com centenas de flexões e abdominais.

Era de uma correcção excessiva quando falava com os colegas de trabalho, nunca questionava aquilo que os superiores lhe diziam. Quando falava, empregava frequentemente o jargão e os acrónimos típicos da profissão e não conseguia fazer algo simples como ir ao supermercado sem dizer um “afirmativo” quando apenas se lhe pedia um “sim” como resposta.

No dia em que adoeceu gravemente e deu entrada pela última vez no Hospital Militar, a sua maior preocupação não era a doença que o apodrecia por dentro, não era a face da morte que pairava por cima dele como um abutre que espera pacientemente por mais uma refeição fácil.

A sua maior preocupação era não ser capaz de se levantar para fazer a devida saudação dos colegas médicos com uma continência.