Nunca gostei de jogos de computador. Exigem muito esforço e dedicação para passar as intermináveis armadilhas e inimigos. Duas, três tentativas infrutíferas e desligo o computador, enfastiado com o melão de ser batido por um objecto tão irritantemente certinho como é um PC.
Um dos poucos que cheguei a jogar foi o Prince of Persia. Uma das razões para que tal acontecesse foi, seguramente, um crack que existia para o jogo e que anulava a restrição temporal, dava vidas ilimitadas e permitia começar no nível que se pretendesse sem ter forçosamente que completar os anteriores.
Foi obviamente a única forma de conseguir chegar ao 12º nível, o último de todos, aquele em que o desfecho da história podia dar-se, caso as provas fossem superadas.
A primeira era a difícil escalada de inúmeros patamares: um passo mal calculado e o herói caía de uma altura considerável, eram necessários vários ecrans para completar todo o trajecto até ao chão esborrachante. A segunda prova era uma espécie de salto de fé: chegado a um sítio onde um salto não era suficiente para cobrir a distância até ao próximo apoio, o jogador tinha que arriscar dar um passo no vazio para, surpreendentemente, ver o chão completar-se à sua frente e não permitir outra queda aparatosa.
Depois desta demonstração de credulidade, vinha a parte que eu gostava mais. De repente, à frente do pequeno bonequinho branco, aparecia um exactamente igual mas transparente. Um passo em frente e também ele fazia o movimento simétrico. Programado para admitir que todos bonequinhos que cruzassem o caminho eram inimigos, lembro-me que a minha primeira reacção foi desembainhar a espada, acto imediatamente seguido pelo adversário. Treinado na esgrima de teclado, se bem me lembro, a saber, shift para a atacar, cursor para direccionar a estocada, iniciava a investida.
Porém, para meu espanto, a cada um dos meus golpes bem sucedidos, com tanta destreza, acumulada em inúmeras sessões, o espadachim transparente devolvia-me igual e certeiro tratamento, algo que não costumava acontecer com os normais adversários. Pior ainda, rapidamente acumulava danos mortais e acabava em posição fetal no chão cinzento.
Não sei quanto tempo demorou até se fazer luz e conseguir perceber que à minha frente estava, afinal, a minha própria sombra de herói de linha de código e 256 cores VGA. E que, portanto, de cada que acertava na minha sombra, acertava também no boneco colorido.
E isto levantava uma questão importante: se não o podia atacar, então como ultrapassar esta prova tão sui generis? A resposta, para estas coisas, é sempre a solução mais fácil e, por isso, mais difícil. Caminhar até colidir com a sombra que, no momento do contacto, se unia ao bonequinho branco e se tornavam uma só entidade.
Bonito. Poético. A partir daqui, o herói está pronto para o derradeiro combate com o mauzão da fita, aquele que era o espadachim mais difícil de derrotar. Depois deste último estar no chão curvado sobre a espada, o caminho abria-se até à cela da princesa que, perante a visão do bonequinho branco amado, se derretia em abraços e beijinhos.
Quantos anos teria eu na altura, não sei. Pouco mais de dez e seguramente que ainda não atingira o estatuto de adolescente. Talvez por isso só mais tarde tenha efectivamente digerido aquele reencontro do herói com a sua sombra. Percebi-o na mesma altura em que se tornou óbvio para mim que não vale a pena lutar comigo próprio.
É que perco sempre.
Um dos poucos que cheguei a jogar foi o Prince of Persia. Uma das razões para que tal acontecesse foi, seguramente, um crack que existia para o jogo e que anulava a restrição temporal, dava vidas ilimitadas e permitia começar no nível que se pretendesse sem ter forçosamente que completar os anteriores.
Foi obviamente a única forma de conseguir chegar ao 12º nível, o último de todos, aquele em que o desfecho da história podia dar-se, caso as provas fossem superadas.
A primeira era a difícil escalada de inúmeros patamares: um passo mal calculado e o herói caía de uma altura considerável, eram necessários vários ecrans para completar todo o trajecto até ao chão esborrachante. A segunda prova era uma espécie de salto de fé: chegado a um sítio onde um salto não era suficiente para cobrir a distância até ao próximo apoio, o jogador tinha que arriscar dar um passo no vazio para, surpreendentemente, ver o chão completar-se à sua frente e não permitir outra queda aparatosa.
Depois desta demonstração de credulidade, vinha a parte que eu gostava mais. De repente, à frente do pequeno bonequinho branco, aparecia um exactamente igual mas transparente. Um passo em frente e também ele fazia o movimento simétrico. Programado para admitir que todos bonequinhos que cruzassem o caminho eram inimigos, lembro-me que a minha primeira reacção foi desembainhar a espada, acto imediatamente seguido pelo adversário. Treinado na esgrima de teclado, se bem me lembro, a saber, shift para a atacar, cursor para direccionar a estocada, iniciava a investida.
Porém, para meu espanto, a cada um dos meus golpes bem sucedidos, com tanta destreza, acumulada em inúmeras sessões, o espadachim transparente devolvia-me igual e certeiro tratamento, algo que não costumava acontecer com os normais adversários. Pior ainda, rapidamente acumulava danos mortais e acabava em posição fetal no chão cinzento.
Não sei quanto tempo demorou até se fazer luz e conseguir perceber que à minha frente estava, afinal, a minha própria sombra de herói de linha de código e 256 cores VGA. E que, portanto, de cada que acertava na minha sombra, acertava também no boneco colorido.
E isto levantava uma questão importante: se não o podia atacar, então como ultrapassar esta prova tão sui generis? A resposta, para estas coisas, é sempre a solução mais fácil e, por isso, mais difícil. Caminhar até colidir com a sombra que, no momento do contacto, se unia ao bonequinho branco e se tornavam uma só entidade.
Bonito. Poético. A partir daqui, o herói está pronto para o derradeiro combate com o mauzão da fita, aquele que era o espadachim mais difícil de derrotar. Depois deste último estar no chão curvado sobre a espada, o caminho abria-se até à cela da princesa que, perante a visão do bonequinho branco amado, se derretia em abraços e beijinhos.
Quantos anos teria eu na altura, não sei. Pouco mais de dez e seguramente que ainda não atingira o estatuto de adolescente. Talvez por isso só mais tarde tenha efectivamente digerido aquele reencontro do herói com a sua sombra. Percebi-o na mesma altura em que se tornou óbvio para mim que não vale a pena lutar comigo próprio.
É que perco sempre.
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