domingo, setembro 30, 2007
sábado, setembro 29, 2007
Dizia que o problema das pessoas com a solidão - era antes uma questão de auto-aceitação. Se aprenderes a viver contigo, se aceitares aquilo que és, nunca te sentirás sozinho.
quinta-feira, setembro 27, 2007
A noção de que Saramago - tinha uma relação muito própria com o seu próprio pedestal não me era nova. Há uma certa rispidez no seu discurso que radica naquele paternalismo de quem sabe o caminho certo, o que é melhor para os outros, para o “povo” dos marxistas. Sem sequer aflorar a questão da necessidade que os grandes artistas - sejam eles escritores ou escultores ou músicos ou pintores - têm de erigir esse tal pedestal para poderem olhar para os outros enquanto os outros não param de olhar para eles, não consigo de deixar de pensar que o Nobel português (e caindo deliberadamente no lugar-comum) encontrou em Pílar a companheira ideal. Ora vejam só:
«A responsabilidade de traduzir a obra do marido vai mais fundo e provoca-lhe receios que não apenas no domínio da técnica.«O intelectual de primeira que é José Saramago está casado com uma jornalista de província, que é como me defino, e então há momentos que sinto que não temos o mesmo nível... Humanamente somos dois seres complementares, temos uma relação estupenda e provavelmente inexplicável porque, além do mais, nunca iremos pormenorizar o nível de relação que temos. E cada um temo os seus pontos a favor e os seus pontos negros.» Mas, prossegue, «no trabalho é uma cruz saberes que não pode falhar a transmitir a riqueza, as matizes, as virtualidades dessa sinfonia. É que Saramago, para cúmulo, complica tudo e diz que ‘escrever é como compor música, são sons e pausas, sons e pausas.’ Como traduzir Beethoven? O problema terrível, dramático, quando tens de traduzir um génio, é saberes que tens técnica mas nunca terás o mesmo nível de sensibilidade nem de inteligência para traduzir com a mesma qualidade. Isso é duro!»»
Única, 1 de Setembro de 2007
«A responsabilidade de traduzir a obra do marido vai mais fundo e provoca-lhe receios que não apenas no domínio da técnica.«O intelectual de primeira que é José Saramago está casado com uma jornalista de província, que é como me defino, e então há momentos que sinto que não temos o mesmo nível... Humanamente somos dois seres complementares, temos uma relação estupenda e provavelmente inexplicável porque, além do mais, nunca iremos pormenorizar o nível de relação que temos. E cada um temo os seus pontos a favor e os seus pontos negros.» Mas, prossegue, «no trabalho é uma cruz saberes que não pode falhar a transmitir a riqueza, as matizes, as virtualidades dessa sinfonia. É que Saramago, para cúmulo, complica tudo e diz que ‘escrever é como compor música, são sons e pausas, sons e pausas.’ Como traduzir Beethoven? O problema terrível, dramático, quando tens de traduzir um génio, é saberes que tens técnica mas nunca terás o mesmo nível de sensibilidade nem de inteligência para traduzir com a mesma qualidade. Isso é duro!»»
Única, 1 de Setembro de 2007
quarta-feira, setembro 26, 2007
Já não bastava - ter que voltar aos transportes públicos de hora de ponta a abarrotar, cartões sete colinas que não funcionam porque mudaram e é preciso não sei quê e não sei que mais, e ainda tenho que dar de caras com um outdoor da TVI com a Júlia Pinheiro vestida de noiva com uma florzinha nos dentes. Assustador.
terça-feira, setembro 25, 2007
Seria irónico que o OJ fosse preso - por assalto agora depois de ter sido ilibado de um duplo homicídio que parecia mais do que certo. Enfim, não é tão giro como enfiar o Capone em Alcatraz por fuga aos impostos mas isso dificilmente poderá alguma vez ser igualado.
segunda-feira, setembro 24, 2007
Não consigo entender a lógica - de dar nomes de pessoas famosas a aviões. Aliás, para dizer verdade, faz-me alguma confusão olhar para uma bizarma de um Airbus da TAP e, lá à frente ao pé do nariz arredondado, a uns quinze metros do chão, ver Bartolomeu Dias, Fernão Magalhães ou Vieira da Silva em letras pretas. Qualquer um deles estará, certamente, extremamente orgulhoso.
domingo, setembro 23, 2007
sábado, setembro 22, 2007
domingo, setembro 16, 2007
Cabernet
Disseste quase rispidamente, como se a pergunta do empregado fosse, no mínimo, descabida. Não gostas de Merlot, vinhos que consideras de gajas, demasiado frutados, adocicados. Não tens medo do tanino que corroi o estômago dos mais fracos mas que permite o envelhecimento.
Esticaste o braço e de imediato tiraste o meu copo da minha frente, como que ofendida com o empregado: embora tivesses sido tu a escolher o vinho, foi a mim que ele deu a prerrogativa de dar o aval à sua qualidade, fazendo jus ao costume de ser homem da mesa a provar.
Levaste-o à boca ostensivamente. Olhaste-me pela superfície transparente do vidro e, enquanto o pousavas lentamente, por entre o tom sanguíneo que tingia os teus dentes, que estava bom, podia servir.
Assim que ficámos novamente sozinhos, encheste mais os dois copos. E depois inclinaste-te na minha direcção, a tua cabeça aproximou-se da minha e disseste-me baixinho, muito baixinho:
Sabes que vamos precisar doutra destas, não sabes...?
Disseste quase rispidamente, como se a pergunta do empregado fosse, no mínimo, descabida. Não gostas de Merlot, vinhos que consideras de gajas, demasiado frutados, adocicados. Não tens medo do tanino que corroi o estômago dos mais fracos mas que permite o envelhecimento.
Esticaste o braço e de imediato tiraste o meu copo da minha frente, como que ofendida com o empregado: embora tivesses sido tu a escolher o vinho, foi a mim que ele deu a prerrogativa de dar o aval à sua qualidade, fazendo jus ao costume de ser homem da mesa a provar.
Levaste-o à boca ostensivamente. Olhaste-me pela superfície transparente do vidro e, enquanto o pousavas lentamente, por entre o tom sanguíneo que tingia os teus dentes, que estava bom, podia servir.
Assim que ficámos novamente sozinhos, encheste mais os dois copos. E depois inclinaste-te na minha direcção, a tua cabeça aproximou-se da minha e disseste-me baixinho, muito baixinho:
Sabes que vamos precisar doutra destas, não sabes...?
sábado, setembro 15, 2007
A ilusão do regresso - é a ilusão da realidade que não muda, que não se altera, é a ilusão da ausência de dinâmica. Há a possibilidade de voltar mas será sempre voltar para algo que ficou diferente pela erosão do tempo. Mais: o próprio que volta já não é o mesmo. É por isso que o regresso não existe.
sexta-feira, setembro 14, 2007
Gostava que alguém tivesse a bondade - suficiente para me explicar como é que uma parvoíce destas acontece. Quer dizer, partindo do princípio duvidoso que, de facto, existe uma explicação.
quinta-feira, setembro 13, 2007
Causa-me alguma estranheza - olhar para o ecran escuro de uma daquelas máquinas de venda de bilhetes azuis do metro, quadradonas e feias, e ver, escrito em letras grandes e insinuantes: “toque-me”.
segunda-feira, setembro 10, 2007
domingo, setembro 09, 2007
sábado, setembro 08, 2007
sexta-feira, setembro 07, 2007
quinta-feira, setembro 06, 2007
L. do D. #4 - «Em mim foi sempre menor a intensidade das sensações que a intensidade da consciência delas. Sofri sempre mais com a consciência de estar sofrendo que com o sofrimento de que tinha consciência.»
«O homem perfeito do pagão era a perfeição do homem que há; o homem perfeito do cristão a perfeição do homem que não há; o homem perfeito do budistaa perfeição de não haver homem.»
«Compreendo que, atendendo a certos factos aparentemente desviados de um plano (e era preciso saber o plano para saber se são desviados), se atribua a essa inteligência suprema algum elemento de imperfeição. Isso compreendo, se bem que o não aceite. Compreendo ainda que, atendendo ao mal que há no mundo, se não possa aceitar a bondade infinita dessa inteligência criadora. Isso compreendo, se bem que o não aceite também. Mas que se negue a existência dessa inteligência, ou seja, de Deus, é coisa que me parece uma daquelas estupidezes que tantas vezes afligem, num ponto da inteligência, homens que, em todos os outros pontos dela, podem ser superiores; como os que erram sempre as somas, ou, ainda, e pondo já no jogo a inteligência da sensibilidade, os que não sentem a música, ou a pintura, ou a poesia.»
«Ninguém, suponho, admite verdadeiramente a existência real de outra pessoa. Pode conceder que essa pessoa seja viva, que sinta e pense como ele; mas haverá sempre um elemento anónimo de diferença,uma desvantagem materializada.»
«Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são.
Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para sentir.
(...) Para quê viajar? Em Madrid, em Berlim, na Pérsia, na China, nos Pólos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo e género das minhas sensações?»
«Em qualquer espírito, que não seja disforme, existe a crença em Deus. Em qualquer espírito, que não seja disforme, não existe crença em um Deus definido. É qualquer ente, existente e impossível, que rege tudo;cuja pessoa, se a tem, ninguém pode definir; cujos fins, se deles usa, ninguém pode compreender. Chamando-lhe Deus dizemos tudo, porque, não tendo a palavra Deus sentido algum preciso, assim o afirmamos sem dizer nada.»
Livro do Desassossego, Fernando Pessoa
«O homem perfeito do pagão era a perfeição do homem que há; o homem perfeito do cristão a perfeição do homem que não há; o homem perfeito do budistaa perfeição de não haver homem.»
«Compreendo que, atendendo a certos factos aparentemente desviados de um plano (e era preciso saber o plano para saber se são desviados), se atribua a essa inteligência suprema algum elemento de imperfeição. Isso compreendo, se bem que o não aceite. Compreendo ainda que, atendendo ao mal que há no mundo, se não possa aceitar a bondade infinita dessa inteligência criadora. Isso compreendo, se bem que o não aceite também. Mas que se negue a existência dessa inteligência, ou seja, de Deus, é coisa que me parece uma daquelas estupidezes que tantas vezes afligem, num ponto da inteligência, homens que, em todos os outros pontos dela, podem ser superiores; como os que erram sempre as somas, ou, ainda, e pondo já no jogo a inteligência da sensibilidade, os que não sentem a música, ou a pintura, ou a poesia.»
«Ninguém, suponho, admite verdadeiramente a existência real de outra pessoa. Pode conceder que essa pessoa seja viva, que sinta e pense como ele; mas haverá sempre um elemento anónimo de diferença,uma desvantagem materializada.»
«Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são.
Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para sentir.
(...) Para quê viajar? Em Madrid, em Berlim, na Pérsia, na China, nos Pólos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo e género das minhas sensações?»
«Em qualquer espírito, que não seja disforme, existe a crença em Deus. Em qualquer espírito, que não seja disforme, não existe crença em um Deus definido. É qualquer ente, existente e impossível, que rege tudo;cuja pessoa, se a tem, ninguém pode definir; cujos fins, se deles usa, ninguém pode compreender. Chamando-lhe Deus dizemos tudo, porque, não tendo a palavra Deus sentido algum preciso, assim o afirmamos sem dizer nada.»
Livro do Desassossego, Fernando Pessoa
quarta-feira, setembro 05, 2007
terça-feira, setembro 04, 2007
Ninguém lhe dava música. Não ia em cantigas. Gostava de ser ele a colocar a tónica no discurso. Às pessoas que lhe tentavam dar palheta, que davam corda à língua, respondia com o seu tom calmo, frio como o metal.
Afinava quando gozavam consigo. Não tolerava ser o bombo da festa. Como retaliação, fazia algumas pausas e acentuava cuidadosamente os silêncios. Se mesmo assim não conseguia o respeito que exigia, soltava um rufo e dizia “que gaita!” com os olhos inflamados.
Maestro da sua vida, dirigia a sua existência com uma batuta inflexível. Pautava o seu comportamento por uma enorme contância, não largava as linhas nem os espaços, nunca improvisava. Orquestrava situações mas sempre de acordo com as notas que previamente escrevia, não ia para lá dos clássicos e dos standards. Fizesse chuva fizesse sol, nunca mudava de opinião, não fazia marcha-à-ré.
Para ele, a vida resumia-se a uma enorme sucessão de intervalos de vinte e quatro horas: as segundas eram dias menores, já as sextas maiores; as quartas diminutas, as quintas eram aumentadas, por vezes mesmo perfeitas. No entanto, nada o convencia a dobrar a oitava. Não percorria muito o teclado, não gostava de se afastar do dó central, local onde se sentia confortável.
Mas pior do que o controlo sobre si mesmo, era a cadência à dominante que exercia sobre os outros. Dava descompustoras, pregava sarabandas quando não estavam em sintonia consigo. Não suportava que fosse alguém que não ele a dar o tom.
Até que uma breve manhã teve um contratempo. Sentia o seu ritmo cardíaco acelerado. A pulsação aumentava descontroladamente. Seria uma síncope? Não fazia ideia, nem mínima nem semínima. Teve sorte, o médico disse-lhe que não passara de uma nota em falso.
Mesmo assim, começou a sentir-se progressivamente deslocado, fora de tempo. De início, não sabia se era grave se agudo. Depois, vieram mais sintomas: começou a ouvir tudo em surdina. Um trinado obscuro, uma cacofonia, um timbre de cana rachada. Estava a entrar em anacrusa.
Fez um compasso de espera: tinha que parar para pensar. Respirar. Criou uma suspensão. Após um curto interlúdio, resolveu que tinha que quebrar a rotina, tinha que mudar a cifra para obter uma nova harmonia na sua vida. De todo o lado lhe parecia ouvir um “Acorde!”.
Tinha que recomeçar. Tudo desde o início. Mudar de tonalidade, mudar de escala. Arrancar com uma introdução. Procurar um mote, um riff, uma malha. Depois imprimir uma nova dinâmica com acentuações bastante pronunciadas, encher-se de melodia.
E, se mesmo assim não fosse suficiente, então “da capo al coda”.
Afinava quando gozavam consigo. Não tolerava ser o bombo da festa. Como retaliação, fazia algumas pausas e acentuava cuidadosamente os silêncios. Se mesmo assim não conseguia o respeito que exigia, soltava um rufo e dizia “que gaita!” com os olhos inflamados.
Maestro da sua vida, dirigia a sua existência com uma batuta inflexível. Pautava o seu comportamento por uma enorme contância, não largava as linhas nem os espaços, nunca improvisava. Orquestrava situações mas sempre de acordo com as notas que previamente escrevia, não ia para lá dos clássicos e dos standards. Fizesse chuva fizesse sol, nunca mudava de opinião, não fazia marcha-à-ré.
Para ele, a vida resumia-se a uma enorme sucessão de intervalos de vinte e quatro horas: as segundas eram dias menores, já as sextas maiores; as quartas diminutas, as quintas eram aumentadas, por vezes mesmo perfeitas. No entanto, nada o convencia a dobrar a oitava. Não percorria muito o teclado, não gostava de se afastar do dó central, local onde se sentia confortável.
Mas pior do que o controlo sobre si mesmo, era a cadência à dominante que exercia sobre os outros. Dava descompustoras, pregava sarabandas quando não estavam em sintonia consigo. Não suportava que fosse alguém que não ele a dar o tom.
Até que uma breve manhã teve um contratempo. Sentia o seu ritmo cardíaco acelerado. A pulsação aumentava descontroladamente. Seria uma síncope? Não fazia ideia, nem mínima nem semínima. Teve sorte, o médico disse-lhe que não passara de uma nota em falso.
Mesmo assim, começou a sentir-se progressivamente deslocado, fora de tempo. De início, não sabia se era grave se agudo. Depois, vieram mais sintomas: começou a ouvir tudo em surdina. Um trinado obscuro, uma cacofonia, um timbre de cana rachada. Estava a entrar em anacrusa.
Fez um compasso de espera: tinha que parar para pensar. Respirar. Criou uma suspensão. Após um curto interlúdio, resolveu que tinha que quebrar a rotina, tinha que mudar a cifra para obter uma nova harmonia na sua vida. De todo o lado lhe parecia ouvir um “Acorde!”.
Tinha que recomeçar. Tudo desde o início. Mudar de tonalidade, mudar de escala. Arrancar com uma introdução. Procurar um mote, um riff, uma malha. Depois imprimir uma nova dinâmica com acentuações bastante pronunciadas, encher-se de melodia.
E, se mesmo assim não fosse suficiente, então “da capo al coda”.
segunda-feira, setembro 03, 2007
domingo, setembro 02, 2007
«It is my experience, and one to which I have found no exception, that every dream deals with the dreamer himself. Dreams are completely egocentrical. Whenever my own ego does not appear in the context of the dream, but only some extraneous person, I may safely assume that my own ego lies concelead, by identification, behind this other person; I can insert my ego into the context.»
The interpretation of dreams, Sigmund Freud
The interpretation of dreams, Sigmund Freud