terça-feira, julho 27, 2004

Estou prestes a partir para uma viagem de sonho, uma daquelas que um dia disse a mim mesmo que tinha mesmo que fazer. Durante uns tempitos não vai haver aqui nada de novo. Até ao meu regresso, deixo algo de diferente e especial.

Calhou ser hoje o dia do primeiro aniversário da abertura desta página. Cerca de 315 textos depois e 5000 visitas, é difícil não largar assim um sorrisito. Houve quem me vaticinasse uma existência curta como contador de histórias, entre os quais eu próprio. Após uma auto-infligida derrota ao lado mais pessimista, é óbvio que estou contente com o resultado.

Para comemorar, resolvi passar em revista tudo o que se encontrava nos arquivos. Seleccionei o que me deu mais gozo escrever. São muitos textos e é preciso tempo para (re)lê-los. Acasos do destino, juntou-se o útil ao agradável: vai haver tempo de sobra até regressar à actividade para atravessar a lista com calma.

Inté a um regresso cheio de mais coisas para contar.


29 de Julho de 2003
Electricidade - Hoje estou irritado. E não é razão para menos. E qual o objecto deste meu estado de espírito, perguntam vocês, simpáticos que são, tentando que desabafe e que me sinta melhor depois. OK, eu digo. São as cegonhas.

As cegonhas são umas aves filhas da mãe, já para não dizer outra coisa. E porquê? Porque têm uma grave contenda com os postes de electricidade. Não devem gostar deles, só pode ser, não vejo outra justificação. E sobretudo aqui na zona onde resido, deve haver uma reserva natural destes bichos porque as falhas de corrente eléctrica acumulam-se. As últimas duas ocorreram na terça-feira passada à noite e ontem, sendo que esta última começou às duas da tarde para só voltar a poder acender uma luz às nove da manhã do dia de hoje, totalizando a módica quantia de 19 (dezanove) horas sem corrente...

Mas é um fenómeno extremamente confinado e circunscrito, porque basta olhar pela janela para ver que quinhentos metros mais à frente as casas têm luz. Ou seja, ou as cegonhas têm um problema comigo e com as gentes que habitam esta terra e procuram lixar-nos sempre que podem, ou algo de muito estranho se passa aqui. Forças do sobrenatural, quiçá.

No meio disto tudo a pobre EDP está farta de despender energia. Ligamos e ela apenas sabe responder que há uma avaria, estamos a proceder à reparação, não, não sabemos quanto tempo vai demorar até estar resolvida a situação. Coitados.

Raça das cegonhas...


31 de Julho de 2003
Estádios - Relatos de pessoas próximas (tellement pour toi celui ci, mec, je t`avais dit) põem-me ao corrente de duas notícias interessantes do fabuloso mundo do futebol e, neste caso, em especial, da evolução das obras dos estádios para esse grandioso evento, o EURO 2004.

Ora, vamos a isso. A primeira reporta-se ao estádio da Luz: sucede que umas mentes brilhantes conseguiram projectar um estádio e não se dar conta que alguns dos lugares cimeiros ficaram demasiado perto da cobertura, ao ponto da integridade física dos espectadores poder ser posta em causa caso, embrenhados na emoção do desafio, descrevam uma trajectória de salto coincidente com a colisão entre as suas estimadas cabeças e o betão da estrutura.

Melhor, na minha opinião, é a segunda. Há seiscentos lugares (notem bem, não são só dois ou três) que ficaram sem visibilidade, bloqueados por um ecran gigante. Confrontada com este pequeno revés, a administração leonina decidiu, amavelmente, ceder estes lugares a uma associação de invisuais. Estes últimos, por sua vez, classificaram o presente de envenenado, uma forma de discriminação.

No meio disto tudo, há um conhecido arquitecto da nossa praça que parece ter voltado a fazer das suas. Aplicou mais um dos seus “ui ca bom!”, “pronto... já está!” e “todo lá dentro!”, que tão bem o celebrizaram. Só que desta vez não foi no “da querida”, foi no do querido leão.

Aguenta, não chora.


7 de Agosto de 2003
Caguíssimo Senhogue Ministgo da Pguesidência Mogais Sagmento,

Depois da confusão que gegou, quando iniciou o seu mandato, em guedogue do assunto da Égue.T.P e, em especial, da ameaça de extinção do canal dois, voltou novamente à cagga com esta melindgosa questão que, na altuga, desencadeou uma séguie de pgotestos, não só pogue pagte dos tgabalhadogues envolvidos, mas também pogue pagte de algumas elites opinion makegs e da pgópguia opinião pública.

Contudo, lá diz o povo e com gazão que gato escaldado de água fguia tem medo, desta vez paguece tegue abogdado a questão com a ajuda duns quantos paninhos quentes.
Senão vejamos: daqui a nem mais nem menos do que oito anos, o guefeguido canal segá geguido pogue uma entidade cguiada para esse mesmo fim, a segue definida pogue uma outga lei, e que seja guepguesentativa da sociedade civil da altuga. Entguentanto, o canal segá uma concessão da holding Égue.T.P. SGPS.
Peggunta: Afinal o canal dois já não vai às ugtigas?

Indefinição, adiamento de decisões, guecuos.... Afinal em que ficamos, senhogue ministgo?


14 de Agosto de 2003
It`s Oh So Quiet –
Para quem não conhece, trata-se de um tema da Björk, do albúm Post. Se bem que mesmo aqueles que afirmarem não conhecer, possivelmente fazem-no porque não o associam nem à intérprete nem ao título. De qualquer das formas, fica aqui aconselhado para uma futura audição.

O tema consiste de duas partes extremamente demarcadas, que se vão intercalando, quer ao nível da música em si, quer ao nível da letra. Começa a islandesa por discorrer sobre a calma, o silêncio, a paz que antecede uma grande paixão enquanto os sopros vão produzindo uma melodia suave e envolvente. De seguida explode, discorre sobre o dito estado de euforia e arranca um contrabaixo em walking bass, contagiando o resto da orquestra a “swingar” vigorosamente com alguns kicks à mistura. É o céu que cai na cabeça, é desatar a rir e a chorar, é um motim, é o diabo à solta, é um fusível rebentado, é...

Até tudo estar acabado. A calma regressar com os doces sopros e os sons que fazem lembrar caixas de música que embalam o sono de crianças. Até tudo recomeçar novamente. E, no meio deste ciclo interminável interroga-se (ou interroga-nos) para dar o tema por encerrado:
What`s the use of falling in love?

Uma boa altura para me calar.


17 Agosto de 2003
Carla Vanessa é uma pobre menina de quinze anos que não tem um braço nem uma perna, vive nesta barraca que estão a ver com a sua avó, reformada e que recebe uma pensão de miséria, e que é surda do ouvido esquerdo e coxeia da perna direita, sem condições nenhumas, sem casa-de-banho, sem uma divisão só para si, chove cá dentro e no Inverno faz muito frio, há ratos e lagartixas, é um cheiro que não se pode, o irmão dela dorme na cama ao lado, tem asma e pé de atleta, da mãe nada sabe a não ser que é uma prostituta e que a abandonou a ela e ao irmão há um bom par de anos, o pai é toxicodependente e encontra-se preso em Vale de Judeus por posse e tráfico de estupefacientes e assalto à mão armada, sem possibilidade de liberdade condicional, não tem mais nenhuma família, tinha uma tia mas morreu de susto quando um camião quase a ia atropelando, deixou de ir à escola porque as possibilidades escasseiam....

...Blá blá...

...esta menina nunca viu a cidade nem o mar e o seu maior sonho era conhecer a Dona Fulana, a sua heroína da telenovela Grandessíssima Pepineira, que iremos transmitir já a seguir a partir das 21h00, não perca, não saia do seu lugar, um encontro que iremos proporcionar a esta pobre menina para a semana que vem e que lhe iremos mostrar a si, para que você aí em casa possa assistir em directo a mais um belo momento de solidariedade, de compaixão para com os mais pobres e desfavorecidos.

Este foi o telejornal da TVI, boa noite, tenha um óptimo serão na nossa companhia.


19 de Setembro de 2003
Há, de certeza absoluta, não aceito qualquer tentativa de refutação, uma costela de masoquista em todos nós portugueses que aqui em Maastricht nos encontramos. Peço imensa desculpa se ofendo alguns de vós que, eventualmente, resolvam matar um bocado de tempo nalgum curto intervalo entre dois capítulos dum livro secante ou de alguma indisposição depois duma noita mais comprida.

Mas pensem bem nisto... Por quantas vezes já deram por vocês, e eu é claro que também estou metido ao barulho, a falar daquelas comezainas em que só se pode meter o dente se estivermos em terras lusitanas? Ele foi bacalhau com natas, ele foi feijoada, dobrada, ele foi petiscadas como caracóis e moelas, ele foi doces como os pastéis de feijão, de Belém, de Tentugal, as queijadinhas de Sintra. Até as supostamente simples coisas como uma boa bica ou cimbalino (não vá ofender susceptibilidades) vieram à baila.

É que torna-se complicado lidar com este distanciamento gastronómico. Ainda para mais quando vimos para a um país onde se janta às 18h e umas simples sandochas (às vezes, mal amanhadas...) passam por refeição. Não há barriga que aguente.

Resultado: estou aqui a escrever isto e tenho medo de apanhar um choque com a saliva que escorre para as teclas do computadeiro.


25 de Setembro de 2003
Tudo começou com um aparentemente inocente texto numa solarenga manhã de domingo, em pleno verão. Apesar de o prazer de escrever aquelas linhas ter sido incrivelmente intenso, ainda estava demasiado no início para sentir o efeito em toda a sua potência.

De tal forma que aguentei perfeitamente bem até ao dia seguinte, altura em que me sentei a escrever o segundo. E depois do segundo, veio o terceiro. E o quarto. Quinto. E, quando parei um pouco para olhar para mim, dei conta que já não conseguia parar, os meus dedos estavam literalemente em total fusão com o teclado, formavam a mesma entidade física, tal qual gémeos siameses.

E foi aí que os meus problemas começaram. O prazer transformou-se progressivamente em obsessão, passava os dias a pensar em palavras, frases, ideias, cheguei a ter um pequeno caderninho que andava sempre comigo para todo o lado e onde podia anotar o que me passava pela cabeça antes que me esquecesse. As noites passaram a ser invadidas por pensamentos soltos que, invariavelmente, me atiravam da cama para o sítio mais próximo onde houvesse uma folha de papel; não dormia a pensar no que ia escrever no dia seguinte.

É triste, senhoras e senhores, mas fui uma vítima da blogodependência. Felizmente já ultrapassei a fase da negação e, olhando para trás, sou capaz de ver o quanto errei, o mal que inflingi aos meus dedos e ao meu corpo, os problemas familiares, as amizades destruídas, os rios de dinheiro e tempo investidos.

Porém, há, por obra e graça do espírito santo, quem me ajude a resolver este grave problema. Por isso o divulgo aqui hoje. Para lançar um apelo. Se algum de vós, caros blogoespectadores, se sentir a entrar nesta espiral de evolução destrutiva, fique sabendo que há uma saída viável que lhe pode devolver a sua antiga vida. Tudo o que é preciso é não perder a esperança.

A minha vontade de lançar aqui este apelo prende-se com a crescente incidência deste fenómeno sobre a população estudantil. Pegue-se, por exemplo, no caso destes dois jovens que completam o seu Erasmus em Maastricht, e que, recentemente, se viram envolvidos nas malhas do bloguismo: o Gonçalo com o seu Tubaralho e o Luís com o Discurso Descontínuo. Há poucos dias tiveram o seu primeiro contacto com este flagelo e, desde então, nunca mais foram os mesmos, tal não é a intensidade com que se enredam nas malhas desta dependência.

Resta dar o meu apoio incondicional.


2 de Outubro de 2003
Cara Mónica Sintra
, concelho que muito prezo, não fosse eu um exemplar adepto do dominical passeio saloio:
Estava aqui entretido e deliciado a ouvir-te cantar:
“Naa miinhaa caama com eeeeeeeelaa,
Tuu ee eeeeelaa noo meeu quaaaaaaartooo!
Peeerdido nos braaços deeeeelaaa
Mesmo em frente aaaoo meeeeu retraaaaato!”
(And so on, and so on)
quando fui assolado por uma dúvida que gostaria que tivesses a bondade de me esclarecer. Cá vai ela: os dois adúlteros nunca passam da cama, pois não? Nunca cantas:
Naa miinhaa baanheeira com eeeeeeeela
ou
Noo meeeeu sooofáá com eeeeeeela
ou
Noe meeeeu chãããão com eeeeeeela
ou
Naa miinhaa meeesa da saaala de jaaantaar
ou
Naa miinhaa baaaaancaada da cooozinha
ou
Noo meeeu piiiano de caauda braanco da Yamaha a fazer lembrar o John Lennon no teledisco do Imagine, aquele em que a Yoko Ono (vou partir do princípio que é assim que se escreve...) parece a empregada dele a abrir as portadas.

Ora, a questão pode ser colocada nos seguintes termos: ou és tu que primas pela falta de originalidade nas tuas letras ou o teu encornador é um bocado monótono e pouco imaginativo.

A verificar-se o segundo caso, a solução é fácil. O que mais para aí há é literatura especializada que ele pode consultar. Agora, a verificar-se o primeiro, é capaz de ser mais complicado... Mas, de qualquer das formas, podes sempre pagar a outro caramelo para te fazer as músicas.

Saudações


17 de Outubro de 2003
Killer Queen, como está? –
sou normalmente alto e magro. Pele olhos, cabelos, tudo bastante claro, incluindo também um grande piano que, no meio dum sorriso mais maroto, podia fazer um anúncio para uma qualquer marca de pasta dentífrica. O couro cabeludo é curto, rapado de lado e maior em cima, para tornar possível a aplicação estratégica de gel, substância milagrosa que permite que me transfigure num pseudo-porco-espinho após ter sido mergulhado em lixívia. Neoblanc, é claro, para não fazer “straaaaappp”.

As minhas calças são justinhas, especialmente na zona da cintura e coxas, uso umas camisas com riscas de alto a baixo, com grandes colarinhos abertos que deixam entrever um fio de prata com medalhão, às vezes com pequenos folhos nas mangas ou complementadas por um lenço fininho na zona do pescoço. As botas são daquelas que fazem barulho quando se dá o mais curto passo que seja e levam a que me perguntem vezes sem conta ou estacionei o meu cavalo.

Tenho sempre um copo, garrafa ou lata na mão, embebedo-me frequentemente, falo uma língua estranha, gosto de sandes e ando a aprender espanhol porque gosto de latinos e de dançar. Por falar em dançar, sou um perito, em pleno acto de meneamento, em atingir com o meu traseiro gajos do sul da Europa mais ou menos por alturas dos ombros deles, dada a modesta estatura que estas criaturas apresentam. Por vezes, complemento isto tudo com uns óculos de armação prateada e fininha.

Ai eu ai eu


19 de Outubro de 2003
The Fresh One -
Se bem que o único de nós que referiu a denominação no link que colocou na respectiva página foi o Miguel, as mensagens com um carácter mais inquisitivo não têm faltado. Pois então, cá vai a minha explicação.

Ora bem, ele não é o Fresquinho por causa desse fresquinho mais banal, de carácter brejeiro, saidote da casca, nem por causa dessoutro fresquinho fresquinho, tão comum por estas paragens. Ele é Fresquinho porque tem uma incapacidade aguda de se exprimir sem referir o dito vocábulo, usado nas mais variadas acepções que o mesmo pode assumir, e mais outras tantas pelo próprio Fresquinho inventadas.

Entretanto, tal não é o reboliço que vai dentro das mentes jovens, normal e saudável diga-se em abono da verdade, onde já se viu um tipo novo sem imaginação, que, com o andar da carruagem, novas situações passíveis de com fresquinho serem caracterizadas assim o são por nós prórprios que não o Fresquinho, ao gosto do freguês. Diz que é contagioso. E a própria tradução anglo-saxónica também não compromete.

Toma lá fresquinho, Fresquinho.



21 de Outubro de 2003
Ever since I was this tiny little boy (not that long ago...) I knew I wanted to go college. Why? I still question myself about the actual motivations. And, to be honest, even today, the day my final exam needed to graduate took place, I still do not know them exactly and don’t even think it’s that important to lose much time trying to find them out.

Instead I focused on understanding why am I feeling somewhat… weird. One should expect a very recently graduated guy to be happy as hell, screaming and shouting, jumping all over the place. Somehow, I don’t feel like doing that. My explanation for that, after extensive and thorough thinking and some introspection, is as follows:

In my case, things were a bit different. In my last semester in Lisbon I finished all the courses I had to go through to graduate except for one (yes, I only had to pass a course here in Maastricht… I’m lucky but I’ve worked for that…). It was almost as if I was already done. I took part in all the graduation ceremonies that we have in Portugal. I experienced relief and I was glad with my accomplishments. It is good when you achieve something important for which you had to work, to put some effort and dedication. Because being a student is not just about partying. It involves work and lots of boring hours in front of books, as well as a few grey hair and some burned eyelashes.

But I never felt it was over. Done with. Gone with the wind. Because there was always this last course. And the feeling of emptiness that normally comes with the end of something meaningful just wasn’t there. It came now. It’s like if I wrote a big sentence back home and then waited to come to Maastricht to finalize it with a full stop. But sometimes, that very last step that seems to be the least meaningful, is the one that gets you thinking the most. And it just goes to show that no matter how much more experience age gives you in dealing with life’s mysterious ways, it is always difficult to handle changes and new realities.

Big changes await me now. And I have no other choice but to be ready.


28 de Outubro de 2003
Viajar -
De Maastricht a Kandersteg, no coração dos Alpes suíços. E, estranhamente, só me ocorria uma outra viagem, completamente diferente na sua natureza e nos pontos de partida e destino. De Londres a Hong Kong. A primeira feita à custa de centenas de quilómetros de carris, a segunda de milhares de quilómetros a uma altitude de dez mil metros.

Porquê? Sensivelmente onze horas e meia de duração. De resto, mais nada em comum: em Kandersteg nevava, em Hong Kong nunca vesti mais que uma T-shirt; em Kanderteg pernoitei num centro de escoteiros, o hotel de Hong Kong tinha cinco estrelas; Kandersteg é de uma calma absurda, o porto de Hong Kong dá novos contornos ao adjectivo caótico.

Foi então que me lembrei de explicar assim o que viajar significa de prazer para mim. Não gostaria de viver naquela parte dos Alpes. A pasmaceira calcinar-me-ia os nervos em três tempos. E a confusão da Região Administrativa Chinesa naquele misto de humidade lancinante e raios solares não me faria melhor.

Contudo, ver quanto os olhos podem ver, cheirar quanto a penca pode cheirar, absorver o que é possível de cada sítio é levar connosco algo que fica para sempre, imutável e inexorável, no imaginário. E os contrastes que se nos apresentam pela frente abrem-nos novos caminhos e perspectivas, visões e ambientes.

E essa é a nossa verdadeira bagagem, não aqueles objectos onde enfiamos calças e coisas desse género.


15 de Novembro de 2003
Clássicos -
Ficam brochelências a saber que vos vou dedicar um blogue. E levam com ele que se.... Sobre quê, perguntam-me já a calcular que não pode ser coisa boa. Mas enganam-se, porque até vai ser. Acham que não?? Dúvidas?? Não há, nem pode haver! Senão levam um estalo à Pai Natal que até arrotam a presunto. Ora vamos a isso. Zimba!

Tal como se sucedeu comigo, também vos deve ter acontecido receber algumas exclamações surpreendidas quando tiveram de explicar a alguém que não nos conhecíamos minimamente até virmos para esta terra. Mais informo, mais informo, que eu até costumo dizer que foi assim uma espécie de sexto-sentido ter conhecido o Nuno e o Gonçalo no corredor no dia em que cheguei e o resto aconteceu com a naturalidade que já sabemos e tão bem conhecemos.

Isso agora não interessa. A questão central é se isso se prende com o facto de sermos lusos, se existe alguma predisposição genética ou cultural para nos darmos tão bem, ou se, pura e simplesmente, há muita química a fluir entre nós. Disparar esta dúvida existencial é fácil, é só chegar aqui e toma lá morangos; complicado é respondê-la.

Felizmente também não interessa para nada saber isso. Interessa sim manter o espírito bem vivo e activo até ao final. Vamo-nos aplicar! Resta terminar por dizer que já cá faltava um blogue que falasse destas coisas verdadeiramente sérias, que colocasse em perspectiva a dimensão humana e social da Guesthouse Maastricht. E, mesmo assim, se calhar é pouco...

Digam se entendido, sem mais Ó Kapa.


26 de Novembro de 2003
Pombinhos -
Às vezes é um processo contínuo, que se pode arrastar por algum tempo ou mesmo por muito. Mas o fulcral é que, independemente de quanto tenhamos de esperar, as alterações começam-se a notar. E, como em quase tudo na vida, é muito mais fácil aperceber-nos da sua existência quando se sucedem com terceiros do que quando a vítima somos nós.

De repente, é aquele nervosinho miudinho que não pára, que nos faz o coração bater, as mãos tremelicarem. Pode ser tão complicado atingir um nível de concentração aceitável como evitar ir à casa-de-banho mais vezes do que o normal ao longo do dia. Adquirem-se asas, voa-se e toca-se as nuvens que deixam de ser inatingíveis. O sorriso meio parvo recusa-se a abandonar a iminentemente alegre fronha.

E os passarinhos cantam.Cantam, cantam que não se calam. Chilreiam do alto das árvores e passam por nós em voos rasantes.De tal forma que até a nós nos apetece cantar, partilhar, acompanhar o canto deles, seja com a cana rachada com que nos trouxeram ao mundo ou com um assobio mal amanhado.

Cuuuuuuuuu cccrrrrrrrruuuuuuuu...


30 de Novembro de 2003
Às vezes perguntam-me como é. Eu não tenho propriamente uma receita milagrosa, nem me parece que seja possível criar uma. Porque cada qual tem o seu estilo próprio. No entanto, recorrendo a todo o meu manancial de espírito mártir, vou tentar estabelecer um conjunto de regras de carácter geral que a todos possam servir.

Como escrever blogues em dez passos ou lições? Aqui vão os dez mandamentos da bloguice pegada:
1 – Não serás analfabeto
2 – Terás uma pedra no sapato, um assunto que, dado o elevado grau com que vos incomoda, tem de ser cuspido sobre a forma de um texto que alguém possa ler
3 – Terás acesso a um computador com Internet e conhecimentos mínimos de informática. Ou então, conhecer alguém que tenha paciência suficiente para fazer a edição dos textos. Já procurei para mim, mas não encontrei. Se acharem, já sabem...
4 – Desenvolverás um prazer especial pela diversão, pelo gozo que é colocar por palavras uma ideia, um pensamento
5 – Não terás nada melhor para fazer
6 – Gostarás de leitura e escritura
7 – Terás tempo livre
8 – Possuirás um diagnóstico que atesta algum tipo de demência, por mais ligeira que possa ser
9 – Venderás a tua alma ao teu demónio da escrita
E para, rematar em grande, o mais importante de todos
10 – Terás um grupo de amigos e seguidores que, seja porque razão for, vão tendo a coragem e a ousadia de abrir a tua página de tempo a tempo e incitar-te-ão a continuar, a seguir em frente.

A todos vocês.


8 de Dezembro de 2003
Land -
It’s only normal to see it coming, ruthless, harsh, like a cliff that tirelessly resists to the waves’ fury. On one hand, it’s a good sign. It means that the moments spent here were good. Otherwise, the coming end wouldn’t be so difficult to bear. Just like not being jealous is a sign of the absence of love.

There is not much one can do about this early nostalgia. No miraculous cure, no antidote that can completely destroy the poison our brain produces each time it decides to work more than it’s supposed to.

Fortunately, it’s not a deadly one. Nevertheless, even though it won’t kill, it hurts. And therefore, it seems to me that the only possible step to take is to assure that the last days are intense so that at least we can avoid feeling another thing, probably even worse:

Regret


10 de Janeiro de 2004
Batalha –
Diz que os que se batiam pelo país dos Lusos eram em menor número que os que vinham dessoutro país já aqui ao lado, com grande vontade de anexar terrenos de plantação. Porém, quantidade não é qualidade, assim o provaram as artimanhas e armadilhas que foram estrategicamente colocadas, assim como uma tal de técnica do quadrado, originária do Reino Unido, terras de Sua Majestade, uma inovação pensada para a Guerra dos Cem Anos. Desafiando probabilidades contrárias, acercando-se de se tratar dum acontecimento improvável, o que é certo é que a batalha foi efectivamente ganha.

Desígnios Dele, dirá Nuno Álvares Pereira, aquele a quem deram um cognome que mais parece azeite, que havia prometido uma construção em Sua Glória. A lenda jura a pés juntos que arremessou a espada que momentos antes, decepava e rasgava a carne dos corpos adversários, provavelmente ainda banhada em sangue, pelos ares até que esta se imobilizasse no pântano onde hoje se ergue a construção em calcário. Imponente, grande, como todos os edifícios que pretendem assinalar a imortalidade de grandes feitos.

Podia era estar mais limpinho.


28 de Janeiro de 2004
Graças –
Era a reposição dum programa que homenageava os soldados da paz depois dum ano excepcional em termos de incêndios florestais. A páginas tantas, uma senhora veio prestar o seu depoimento. As chamas progrediam violentamente em direcção à sua habitação, chegou a pensar que estaria perdida. Mas a sua casa ardeu ou não, ajudou o apresentador ao desenvolvimento do relato com este pequeno empurrão.
Sim, é verdade, graças a Deus.

Isto intriga-me. Quando algo corre bem e o resulta final é positivo quando as expectativas apontavam para o contrário, Quando as coisas correm mal, nunca é “desgraça a Deus”. É raios parta a polícia que nunca chega a horas quando é precisa, o médico que foi negligente, o advogado que não fez tudo o que estava ao alcance dele, é a falta de civismo, a displicência, a falta de profissionalismo.

Ficar com os créditos alheios e nunca ser alvo de críticas… que bom ascendente.


18 de Fevereiro de 2004
Sortudos –
São uma espécie, uma raça, uma casta diferente do comum dos mortais. São aquele tipo de pessoa a quem tudo corre bem, com quem as pessoas engraçam e têm prazer em fazer favores, em facilitar a vida da forma que puderem. Para estes indivíduos, as barreiras da vida são, indubitavelmente, de altura reduzida e, por isso, transpõem os obstáculos que a existência lhes vai criando com uma graciosidade, uma simplicidade irritante.

Ele é não pagar excesso de peso no aeroporto quando os demais o tiveram de fazer; ele é obter um selo à borla para ter acesso ao parque de estacionamento quando a tão almejada insígnia tem um preço; ele é conseguir que a regente suba algumas míseras décimas, mas suficientes para se dar conta, à nota do exame quando os restantes colegas saem do mesmo gabinete com um semblante carregado; ele é ter sucesso, facturar no campo das investidas amorosas.

Na boa gíria lusófona, pelo menos na europeia, as outras não domino em tal grau, chama-se, a estes indivíduos, pessoas que nasceram com o cu para a lua. Não querendo averiguar que mais farão com o respectivo traseiro seria, no entanto, interessante apurar o que jaz na origem de tão fantástica característica, uma autêntica benesse, uma dádiva. Será o olhar maroto, a expressão juvenil, colegial? Ou aquela pelezinha suave do rosto? Quiçá a simpatia das palavras e dos gestos, a naturalidade dos actos. Quem sabe. Mas algo tem de estar por detrás de todo este magnetismo.

No fundo, lá mesmo bem no fundo, uma coisa é certa. Ó Granito, podes ter a certeza que isto é a minha profunda inveja a falar.


20 de Fevereiro de 2004
Profissões de alto risco –
Ainda me lembro do primeiro contacto que tive com a substância. Era ainda acólito e, apanhando o padre distraído, quis experimentar, já que o velho homem nunca dava uma gotinha que fosse a provar aos outros, guardava aquilo tudo só para ele. Para ser sincero, não gostei muito de início. Era amargo, ardeu-me pelas entranhas abaixo e deixou-me o estômago em revolução durante um bom par de horas.

Porém, quando a ordem natural das coisas levou a que passasse a ser eu aquele que não dava nada a provar, mentalizei-me que teria de conseguir beber os cálices sem esboçar as caretas condizentes com aquele sabor. Com o passar do tempo, aquela bebida passou de intragável a néctar os deuses e era com um gosto crescente que esperava pelo momento do ritual em que levava ao cálice aos lábios e bebia o seu interior.

Era um padre na flor da idade, numa paróquia populosa e jovem, casamenteira e a querer constituir família. De tal forma, que os casamentos e baptizados se sucediam a bom ritmo, e eu habituei-me a emborcar aos cinco e seis cálices por cada dia de fim-de-semana, forçosamente os mais movimentados. O problema é que sentia falta desse movimento todo durante os dias úteis. Por isso decidi aumentar a cadência das missas celebradas e, rapidamente, os mesmos cinco ou seis cálices passaram a ser comuns durante qualquer dia da semana.

E foi assim que o vício começou. Limitado pela impossibilidade de expansão das comemorações, nada mais me restava que aumentar o tamanho dos cálices. Criei uma petição e convenci o rebanho a aprovar a compra dum com o dobro do tamanho do original. Nesta altura, já bebia que nem gente grande, e lembrava-me dos tempos de acólito com uma grande vontade de rir.

No entanto, os boatos e as histórias que começaram a correr acerca da minha pessoa, que tanto contribuíram para a minha fama, só começaram verdadeiramente a despoletar exponencialmente quando, pela primeira vez, celebrei um baptizado com um garrafão de cinco litros ao lado da pia baptismal. Lembro-me como se fosse hoje: era um bom Borba, daqueles que aquecem bem as orelhas.

No dia em que apareci a cambalear com um jerrycan de vinte e cinco litros, foi a gota final. Bem tentei explicar à congregação que a minha dificuldade em caminhar era devido ao peso do dito cujo, mas eles não me quiseram ouvir. Chegaram mesmo a chamar a GNR, esses brutos que acabaram por me despejar o recipiente todo, acompanhando-o com umas alheiras. A mim, chegava-me o cheiro do petisco ao calabouço, local onde estive até os tipos dos AA se dignarem a me vir buscar.

As opções de carreira de cada um não se criticam, são como são.


26 de Fevereiro de 2004
Cor –
Estas coisas, regra geral, exigem um certo tempo de digestão, de pousio, até estarmos aptos para poder falar acerca delas. O problema é aquele bichinho, aquela comichão que nos impele a realizar a tarefa mais cedo do que o que seria o tempo de incubação ideal. Abdica-se de alguma precisão, pontaria, pureza estética, para pôr cá fora a criança mais cedo.

É verdade, não tarda faz um mês. E as reacções, que cedo se fizeram sentir em mim, esperneiam, dão coices com uma vontade doida de se materializarem em meia dúzia de parágrafos. Eis o resultado duma gestação medianamente inacabada:

A minha incapacidade de transposição de semelhantes acontecimentos para a minha própria existência sempre motivou aqueles comentários impressionados. Sinto um passo daqueles a milhares de distância do ponto onde me encontro agora, tal como o sentia há cinco, dez anos atrás.

Desnorteamento? Egoísmo? Infantilidade? Inaptidão? Medo? Talvez sim, em doses mais ou menos equilibradas e proporcionadas. Mas esta é a versão simplista. No meu modelo da realidade, tudo depende de timings precisos, de acasos, sortes e reveses da fortuna. De pequenos grandes acontecimentos que, de forma indelével, marcam definitivamente o caminho trilhado ou a trilhar. Depende também da vontade do momento. Podemos levar um cavalo até ao bebedouro, mas ele só abrirá a boca se tiver sede. E não se pode obrigar, nem sequer ensinar, ninguém a ter sede.

Para um pouco convictamente convencido pessimista como eu, é sempre bom romper a sucessão de dias cinzentos com um renovador dia de sol, luminoso e esperançoso. Ilumina os espaços obscuros, traz vida a partes ensombradas e adormecidas. A solução do problema parece surgir do nada, com a simplicidade com que todas as soluções nos fazem mostrar quão simples são e, simultaneamente, quão incompreensível é termos necessitado tanto tempo para a elas chegar.

No fundo, resta desejar acordar um dia com a garganta tão seca, sequiosa duma sede insaciável, de tal forma que não seja possível fazer outra coisa senão levar copos de água, uns atrás dos outros, à boca. E rezar a todos os santinhos que, em algum canto do universo que é aquele que conhecemos, haja alguém com a mesma necessidade em ingerir a mesma dose maciça de líquidos.

Não significa que as dúvidas não surjam. Será este o copo, o líquido que matará a minha sede? Meio mundo coloca a si mesmo esta pergunta todos os dias, enquanto tenta adormecer na cama à noite, enquanto coloca uma camisola sobre o corpo, enquanto se desloca na sua rotina diária, enquanto espera, enquanto desespera, enquanto recebe, enquanto dá, enquanto observa, enquanto se mostra. Enquanto, enquanto, enquanto…

Respostas talvez surjam um dia, o tempo o dirá. O risco de falhanço está intrinsecamente ligado a personalidades, carismas, idiossincrasias: cada qual calcule o seu da forma que lhe aprouver. A única certeza é de quem não arrisca não petisca, ou seja, que a ausência de risco não premeia com respostas, sejam elas as que queremos ouvir ou não.

Obrigado, Cristina e Duarte, por toda essa imensidão de cor.


7 de Março de 2004
O texto que se segue é da exclusiva responsabilidade dos seus intervenientes. Aborda a temática da religião numa perspectiva que poderá, eventualmente, ferir certas e determinadas susceptibilidades. Aconselho àqueles que poderão sentir-se incomodados com a sua leitura, que fechem de imediato esta página e não lhe ponham os olhos em cima. Se optarem por prosseguir, não me chateiem depois a cornadura. Eu sei que este tema é polémico, mas o país é livre assim como a opinião dos que nele vivem. Respeitem a minha, como eu respeito a vossa. Boa noite.


Remendos – Para um não crente, uma das coisas que gera confusão é aceitar a existência duma entidade superior associada ao mundo em que vivemos. Perguntei uma vez a alguém que teve a bondade para me explicar que, segundo corre, Deus deu a hipótese de escolha ao Homem e, por isso, não interfere nestas matérias de mundos injustos. Deu-lhe o livre arbítrio, a hipótese de escolher e, portanto, a responsabilidade de avançar por caminhos menos ortodoxos cabe-lhe exclusivamente. Deixa as coisas correrem, a crueldade, a injustiça, e tudo o mais que de mal por este mundo fora grassa, perpetuar-se com a naturalidade de quem semeia uma semente e espera ver o resultado.

Tudo bem, é uma posição, cada qual é como é. Eu pessoalmente, se tivesse o poder para alterar tudo o que de mal se passa neste mundo, acabar com as injustiças, com a miséria, as guerras, a fome, não hesitaria dois segundos sequer. Do meu ponto de vista, é o mínimo de moral, humanidade, compaixão, chamem-lhe o que quiserem, que assiste a um qualquer ser humano que se considere verdadeiramente gente. Enquanto Ele, que tem efectivamente o poder para mudar as coisas, não é apenas mais um peão deste tabuleiro de xadrez, opta por não o exercer.

Mas, ao mesmo tempo, dizem que Ele sabe tudo. Não se engana, escreve direito por linhas tortas, essas coisas todas. É incrivelmente bondoso e só quer que as coisas nos corram bem ao longo da nossa existência. E é aqui que a porca torce o rabo. Ora, se assim é, então, à partida, devia ter percebido perfeitamente, com uma lucidez que torna o mais opaco dos acontecimentos cristalino, que criar-nos, nestes moldes, à sua semelhança, iria descambar, iria dar uma grande bronca. Esta é a visão de Deus como uma entidade sádica que, através da sua omnisciência e mais todas as outras características começadas pelo mesmo prefixo, estava ciente do monstro que tinha acabado de criar e, mesmo assim, deixou-o avançar. Pior: passados todos estes anos, continua a não intervir.

A outra forma de resolver este problema é desculpar o sadismo com o recurso à negligência. Ou seja, partir do princípio que Ele se enganou. Acontece, pronto, é uma chatice, não podemos acertar sempre. Contudo, esta versão não tem graça nenhuma; deita por terra a omnisciência e as demais características que costumam vir-lhe, em catadupa, associadas. É afirmar a Sua incompetência, uma constatação que choca frontalmente com as hipóteses inicialmente avançadas. È uma espécie de redução ao absurdo.

Vou partilhar convosco um segredo meu. Costumo associar, ou melhor, visualizar religião como a parede duma barragem que, de velha, gasta, não interessa o motivo, está a desmoronar aos poucos, encontra-se periclitante, e a água só ainda não começou a escorrer pelas rachas que se abriram no betão porque há uma série de remendos colocados estrategicamente, que a vão sustendo temporariamente, por pessoas que têm tanto de coragem e de devoção, como de fé e de vontade de acreditar.

Qual será o segredo desse material isolante que impede o iminente desmoronamento?


13 de Março de 2004
O mundo é pequeno –
Hoje regresso aos caminhos da religião. Não daquela religião a que normalmente associamos o termo e que suscita discussões filosóficas que nunca passam do plano abstracto. Estoutra a que me refiro, só tem graça se descer a um plano objectivo, concreto, material. Não obstante, tem inúmeras ligações com a primeira: também eleva determinados seres à categoria de deuses; tem a capacidade para nos levar ao êxtase, para produzir em nós comportamentos pouco ortodoxos, impulsivos e, até mesmo, claro está, as mais profundas contradições; pode-nos tirar o sono.

Passemos à fase descritiva desta curta narração.
Nunca ninguém me explicou porque raio as entidades sobrenaturais que governam este e o outro mundo são todas masculinas. Possivelmente, a mesma confusão aflige o herói deste relato. De tal forma o terá apoquentado que, certo dia, decretou ter, para si próprio, elevado uma pessoa à categoria de Deusa (a letra maiúscula é empregue para reforçar a dificuldade de acesso a esta categoria dada a exigência dos critérios para ela estabelecidos). Com um discurso frenético, acalorado, como não podia deixar de ser, colocou Sevilha no centro do mundo conhecido. O grande problema que a vida lhe colocava naquela circunstância precisa era o da tradicional inacessibilidade dos seres superiores: têm, regra geral, uma agenda e uma paciência terríveis.

Assim sendo, com estas hipóteses na mesa, chegou a altura de jogar a cartada que, a ter em conta a lógica, devia seguir-se. O tráfico de influências, o lobbying, desenganem-se, é prática a que todos recorremos. Bastou um conhecimento comum para, de imediato, o contacto tomar lugar. Porém, nem sempre as notícias trazem as informações que queremos ouvir. Disse a Deusa que era engraçado, o nosso herói tinha a mesma nacionalidade que o mais-que-tudo dela.

O facto do Desmancha-prazeres (aqui, uma vez mais, com letra maiúscula, dado o profissionalismo com que exercia esta função) ser aluno da concorrência ainda contribui para arrefecer mais o balde de água, já de si, fria. Mas, não foi por isso que a diversão não continuou a ser nota dominante até ao final da noite. E, mais à frente na estadia, correu outra notícia de grande importância. Parece que a Deusa estava novamente sozinha no monte de Olimpo. O Desmancha-prazeres tinha-se posto na alheta.

Estava estabelecido o caminho a trilhar. Agora, apenas a casa-de-banho era um verdadeiro obstáculo, digno desse nome.

Como conhecia o nosso herói o rosto do Desmancha-prazeres tão bem? Humildemente confesso que, mesmo tendo-o visto naquela noite em que nos deixou jornais e revistas nacionais, autênticas preciosidades naquela terra de bárbaros que não almoçam, não conseguiria reconhecê-lo se o visse novamente. Como aliás, não reconheci.

Reconheci, isso sim, no decorrer da conversa com os especialistas de recursos humanos, que tinha perante mim um homem modificado. Pessimista, rendido, conformado, só falou de problemas. a propósito da globalização, do alargamento da União e da política de taxa de juro do BCE. Engasgou-se, balbuciou, perdeu o fio à meada quando o convidaram a discursar durante três muito longos minutos. Não consegui deixar de sentir pena por aquela pobre alma perdida. É um sentimento recorrente quando nos apercebemos que alguém teve tudo na mão, o mundo por inteiro, e deixou que lhe escapasse como areia por entre os dedos.

Que almas andarás tu a converter para a tua religião nos dias que correm, ó Deusa?


15 de Março de 2004
Há cinco anos atrás, este texto saiu-me directamente para o teclado depois duma deslocação à capital. Já tinha, obviamente, utilizado os transportes públicos lisboetas, mas só agora o começava a faze-lo com regularidade.

«Queira auxiliar-me – Rotunda. Entro e sento-me. Este é daqueles novos em que as carruagens são abertas e podemos ver até ao final do veículo. É manhã, cerca das oito e meia, hora em que a maior parte das pessoas se arrasta diariamente para o seu emprego, enchendo os transportes públicos de pensamentos soltos, projectos e ansiedades enquanto se preparam para mais um dia de trabalho. À minha frente está um possível jovem executivo, de fato cinzento com a recente moda de camisa amarela e gravata a condizer, pasta de pele na mão, olhando impacientemente para o relógio com aspecto de caro, provavelmente preocupado com um atraso. Usa gel no cabelo lustroso para fazer uma pequena popa, óculos enormes de armações azuis.

Picoas. Em pé, perto da porta, está uma mulher jovem, bonita, de cabelos pelos ombros e pele bronzeada, nos seus vinte e poucos anos, de óculos escuros e vestida mais casualmente. O dossier e os livros que carrega na mão levam-me a pensar que é estudante universitária. Depois tem aquela cara que o conhecimento dá à maioria das pessoas: um antagonismo entre orgulho e a estima pessoal pela sua valorização pessoal e o sentimento de supremacia em relação aos menos habilitados.

Queira auxiliar-me

Na outra porta, do meu lado esquerdo, estão dois adolescentes, em amena cavaqueira, discutindo jogos de computador. O que tem um enorme rabo-de-cavalo mostra uns discos ao outro, revelando todos os pormenores que fazem um jogo cativar a atenção, ser viciante e, como tal, altamente interessante. Também à esquerda, mas nos bancos, estão duas donas-de-casa que aparentam ter por volta de cinquenta anos. O tema da conversa é o filho da vizinha que, vejam só, o rapazinho que é filho de gente de bem e parece ajuizado, que tinha bons resultados nos estudos, tanto que até foi para a faculdade, para engenheiro, e agora anda lá metido com aquelas más companhias que o levaram para a droga. Uma pena.

Queira auxiliar-me com o seu auxílio

Saldanha. Apercebo-me de que vem das carruagens que estão para trás mas ainda não consigo ver de quem se trata. Sentado do lado esquerdo está também um tipo grande e gordo. Todo ele é um grande barril de cerveja com umas calças vestidas que, com a força de um estômago dilatado, parecem estar à beira da ruptura. Agoniza com a força do calor. Pela sua testa escorrem gotas de suor que ele tenta eliminar, mas escapam algumas que lhe percorrem a face, passando pelas enormes patilhas e pelo bigode, até atingirem o queixo e o pescoço.

Obrigado e felicidades para si e para os seus

Ouço o tilintar de moedas. Já está bastante próximo. Continuo a deambulação visual. Os meus olhos quedam-se num velhote que entretanto entrou aquando da última paragem. Veste umas calças beige, uma camisa de cor clara indefinida com manga curta. Carrega um pequeno saco escuro numa das mãos. Tem um olhar pensativo, triste e vago enquanto olha insistentemente para o relógio, como que lutando contra o avanço dos ponteiros, sofrendo com a engrenagem impassível de um único sentido.

Campo pequeno. Primeiro o ruído da bengala a embater em todos os sentidos, tacteando o caminho. Depois é que consigo vê-la finalmente, e o homem de pequena estatura, ligeiramente forte, com vestes gastas e velhas pelo uso frequente a que são sujeitas que faz uso dela. O invisual está a passar ao lado do meu assento prosseguindo a sua caminhada.

Queira auxiliar

Pára para receber as moedas de algumas pessoas que as depositam num recipiente cilíndrico com uma pequena abertura na parte superior. Depois deseja felicidades a cada moeda que ouve cair junto das outras que já se encontram no recipiente e segue, com o cabelo sujo colado à cabeça e a barba por fazer, os olhos revirados e a cabeça estática, em direcção ao final do veículo; os seus passos são curtos, incertos e cuidadosos.

Entre campos. Já passou por mim e está fora do meu campo visual. Desfeito o mistério, as suas palavras, o barulho da bengala e das moedas vão progressivamente deixar de ser captadas pelos meus ouvidos, à medida que ele se distancia. A minha atenção volta-se a focar em novas pessoas que entram e se sentam na sua migração diária. Todas as idades e quase todas as profissões estão ali representadas em rostos desconhecidos e distantes. Suspiro, bocejo e, simultaneamente, espreguiço-me. Pego na minha mochila, levanta-mo a custo porque estou ensonado e ando em direcção à porta.

Cidade Universitária. Saio.»

Depois de um hiato em que pouco andei de transportes públicos, recomecei a fazê-lo diariamente. E foi não sem alguma tristeza que constatei que, a situação que há cinco anos estava circunscrita, confinada, alastrou de tal forma que pouco provável é entrar numa carruagem em que não haja um invisual pedinte. Multiplicaram-se, cada um com a sua lenga-lenga personalizada; há, inclusivamente, um que canta enquanto percute um ritmo, batendo com um objecto metálico contra a sua bengala.

Hoje apeteceu-me falar deste assunto porque, antes de ter passado por mim um pedinte na carruagem, estava um invisual no apeadeiro, com aspecto de quem tinha acabado de sair do trabalho e que regressava a casa como a maioria das pessoas que ali se encontravam.

Somos nós que descriminamos estas pessoas e tornamos um deles que tenha uma vida normal numa excepção ou são eles que exploram a nossa comiseração?


17 de Março de 2004
Futuro comprometido –
A notícia atingiu-me como um raio, fulminante e devastadora. Explicou-me a senhora da Câmara onde resido e, depois, a senhora do Centro de Recrutamento da Avenida de Berna que, presentemente, estamos somente num regime de voluntariado; só serão feitas chamadas individuais na eventualidade de não haver um voluntariado suficiente e apenas para os mancebos que entenderem. O que, dada a minha formação universitária, à partida, deve ser o suficiente para dizer que estou excluído.

Seria bom que, quem de poder, revogasse esta decisão, abrisse os olhos. Afinal, trata-se do futuro de um mar de jovens que, como eu, se sentem agora, perdidos. Mas o pior, o pior de tudo, foi mesmo ter de encarar os meus pais. Tantas esperanças que depositaram em mim, tantas expectativas positivas para tudo, afinal, se esfumar.

Mãe, pai, é triste, mas há uma elevada possibilidade de que não venha a ser homem…


23 de Março de 2004
Ambição –
Se é verdade que os dicionários associam o vocábulo “ambição” com um “desejo veemente de riquezas, glórias” e coisas do género, também não é menos verdade que nós somos uns animais a quem, feliz ou infelizmente, cada um julgará como quiser, nos foi dada a capacidade de analisar, ver para lá do significado tradicional das palavras. Ou, se calhar, não.

Porque gasto o meu latim a falar disto hoje? É simples. Porque me faz confusão, mete medo e, confesso, alguma pena, quando vejo que há muito boa gente que nunca deixou de o interpretar tal qual a definição que avancei em cima. São, regra geral, criaturas extremamente desinteressantes, a sua vida gira em torno de muito pouca coisa. Falam de bons empregos, dinheiro e carreira e ficam por aí.

O que, por si, mesmo não tem mal nenhum. Não é nenhum crime querer ser bem sucedido profissionalmente. E essa é, efectivamente, uma das vertentes que compõem este substantivo abstracto. Mas, por outro lado, não pode ofuscar as demais. Caso contrário, estaremos apenas a querer corresponder à tão nossa necessidade de satisfazer as exigências de aparentar sempre algo de muito bom, de querer exibir, mostrar.

Pergunta: e o que são as demais? Tanta coisa…Posso avançar algumas minhas, se quiserem. Primeiro, algumas simples. Por exemplo, viajar o máximo possível. Ou, conhecer outras perspectivas deste nosso mundo. Nunca permitir que a imaginação esgote e esta página fique sem temas ou que música deixe de se fazer ouvir à minha volta. Agora, algumas complicadas. Se a situação surgir, dar o máximo enquanto pai e não somente sufocá-lo no materialismo a que o meu bruto ordenado se pode dar ao luxo. Querer ser bem sucedido nas relações de amizade e amor, corresponder.

Sobretudo, expelir essa convicção de que só somos gente se tivermos um emprego muito bom e ganharmos um rio de dinheiro. Não nos afirmamos exclusivamente assim. O principal mote, a cenoura que, à distância, me induz a caminhar em frente não pode ser só isso. Porquê? Fácil:

Senão a vida não teria graça nenhuma.


24 de Março de 2004
Problemas de visão –
Diz que a Irmã Lúcia celebrou mais um aniversário, aqui ficam os meus parabéns, atingiu uma idade bonita e digníssima de respeito (embora já não me lembre ao certo qual é). Contudo, tanta vela junta não pode deixar de acarretar os seus problemas, tais como os óculos que traz apoiados no nariz, como todos os que usam esses aparelhos e que, no caso dela, por se destacarem violentamente, candidatam-se fortemente à alcunha de fundos de garrafa.

Pergunto eu: já usaria a Irmã aquelas gafas aquando da tão aclamada aparição? É que eu, com umas bizarmas daquelas, no mínimo, seria capaz de confundir um elefante com uma divindade…


10 de Abril de 2004
Terrorist Governments –
A month ago, bombs went off in suburban trains heading for Madrid in the early hours of the morning. A massive terrorist attack took place, the biggest ever in Spain. Since then, a lot has been said a lot more will be. Discussing the slaughtering is not my purpose. What else can you add to the discussion when you’re simply talking about two hundred deaths? Yes, it’s true; I confess I’m here to discuss politics.

What I find absolutely intolerable, disgusting, appalling, whatever adjectives you may want, is the fact that the Spanish PP was much more worried about protecting themselves, hiding the truth from the electorate. They knew public opinion would punish them for the position alongside the USA and so, they deemed telling the truth about death something not as important has creating the conditions to see their party re-elected.

After all, they only had to disguise the facts a little bit for a couple of days, just enough to get them passed the elections. Zapping exercise: while TV’s from all over the world where screening Saturday night’s protests in Madrid, Spanish channels, public and private, where pretending nothing was happening. TVE was airing a wildlife documentary. A Spanish girl told me the following week that the private are owned by a holding the PP controls. Go figure.

The result: right wing fell on that Sunday. More people than the poles told us would vote showed up and demonstrated that, above all, we the voters can’t stand lies. Probably fearing a manipulation of the kind could also be put in practice in their own backyard, the French decided to present Monsieur Jacques Chirac with a dilemma worth a couple of migraines, forcing him to consider having to dismiss Monsieur Jean_Pierre Raffarin.

All of this is great. It just goes to show how we can become a nightmare to the ones that rule the destiny of our countries. With a manifestation of disapproval in regard to lying, we point out democracy’s main problem nowadays, the lack of credibility. I just hope my own rightwing Government learned a few lessons the past weeks. It should, at least, have a bunch of things to think about.

I’m not exactly here to present a miraculous recipe to end with one of the plagues that torment our days. Far from that. I wouldn’t be able to, I do not possess one. But what I do know is that violence only generates violence and I’m pretty much sure I’m not the only one to be acquainted with this precious little piece of advice. And, therefore, the traditional striking back solutions, especially when based on shitty assumptions about weapons that will never be discovered, don’t seem to be able to take us to where we really want to go.

And I mean peace, in case most of those sitting in the chairs of power have forgotten.


18 de Abril de 2004
Profissionalismo –
Pus-me confortável num daqueles bancos corridos de madeira que têm uns apoios óptimos para os pés. A cerimónia parecia prestes a começar, havia muita gente visivelmente nervosa no recinto. Às tantas lá apareceu a protagonista feminina, conduzida da porta até cá à frente por um gajo com idade para ser pai dela que rapidamente se desfez da sua mão e a atrelou ao protagonista.

Seguiu-se o parlapié. O tipo do fato branco lá começou a dizer as coisas dele, assim e assado. Tinha um grave problema. Era indeciso. Ora mandava levantar, ora mandava sentar, ora sentem-se ora levantam-se, ora cantem comigo, ora façam gestos rápidos à frente da cara e do peito.

Mas o que mais desgostei nele até nem foi essa questão. Foi o egoísmo. Não é que, a páginas tantas, toca de encher um copo todo catita com vinhaça e o despejar todo para o bucho, com umas palavras pelo meio, sem sequer se preocupar se alguém queria? Passado um bocado estava a oferecer hóstias. Olha, muito obrigado, hóstias também ofereceria eu, à campeão, à mãos-largas. Ainda por cima, a dizer que aquilo era corpo e mais não sei quê, uma coisa a virar para o canibal.

Eu não queria dizer porque afinal gostava que aquilo tivesse corrido bem. Felizmente, não fui o único a pensar que deu para o torto. Coitados dos protagonistas que queriam tudo a andar sobre rodas e afinal, acabaram por pedir o livro de reclamações e foram assiná-lo à frente do tipo de branco enquanto nós íamos saindo calmamente do edifício, não sem sentir alguma pena por eles.

É por isso é que este país não vai a lado nenhum!


20 de Abril de 2004
Simplicity -
Most of the best things that can you can ever offer someone are the most simple you can thing of. Imagine how an ordinary glass of water might be incredibly appreciated by some poor guy who just crossed the Sahara. That’s the thing about gifts. They are much more dependent on the context in which they were given than anything else.

Of course, in the situation I’m referring to now, there’s also the thing about welcoming you, giving you a guided tour of the most important places and sightseeing, taking you partying at night. But you never forget a toothbrush when you’ve been “brushing” your teeth with your finger for two days. Even if you carry it around in your pocket all night and use it to kill the birds inside the street signs that sing for the blind.

Thank you girls


21 de Abril de 2004
Saúde –
Andava eu, alegremente, devo confessar, nas minhas andanças festivas de fim-de-semana sossegado, sem mãe, pai, irmã, avó que me perturbem, quando dei de caras com um artigo do suplemento de saúde de “O Independente” deveras interessante. No meu caso, devo acrescentar, algo assustador pelo meio.

A propósito do dito cujo (e também porque me apetece escandalosamente aumentar o número de pessoas que me lêem, recorrendo a práticas assumidamente sensacionalistas) vou falar dum tema importantíssimo, controverso, tabu à mistura, mas extremamente adorado e nunca posto de parte, seja por quem for, de todas as classes sociais, idades e orientações políticas. É verdade, pela primeira vez neste espaço vou falar de sexo. Sim, porque eu sou um gajo que sim senhor, até gosto dessas coisas do amor e dos beijinhos.

Toda a gente conhece o velho cliché, frase feita maior que esta é difícil de arranjar, da amável esposa, namorada, amante, amiga colorida ou engate esporádico que se vira para o tigre de olhos penetrantes e esfomeados com quem partilha os lençóis e lhe diz qualquer coisa do tipo “Mor… fofo, hoje não, dói-me a cabeça…” assim como quem diz não estou para aí virada, cheiras mal, deixas pêlos no ralo da banheira, divirto-me mais com a minha revista e um daqueles aparelhos maravilhosos a pilhas.

É aqui que entra o artigo. Alterações do padrão de sono e mudanças de dieta (menos cafeína, mais doces) poderão, efectivamente, estar relacionadas com as ditas “cefaleias de fim-de-semana”. Contudo, deverão estar na mesma proporção que a falta de vontade de relações sexuais e, por isso, continuam a ter um carácter manifestamente de afastamento.

Mas há mais tipos de dores de cabeça, decorrentes da actividade sexual em si, e que são despoletadas pelo aumento da pulsação, pressão arterial, tensão muscular e da produção da seratonina, uma coisa que tem um nome terrível mas que tem a incrivelmente nobre tarefa de controlar os nossos impulsos ao nível do sistema nervoso. São as chamadas cefaleias orgásmicas (outro nome genial), porque aparecem durante ou depois do auge sexual.

E agora, pasmem-se, minhas senhoras e meus senhores, mas as investigações apontam para um sexo masculino mais atreito a sofrer desta última estirpe da maleita. Caríssima leitora, da próxima vez que estiver na trungalhunguice com o seu companheiro de horas não vagas, tenha atenção. Em vez de dizer “ai Jesus que lá vou eu”, ele poderá dizer “ai Jesus que lá vem ela”. A dor de cabeça, claro está. Assim, quando chegar à hora do “ora zus truz truz, ora zás trás trás”, em vez de ouvir o normal “ora chega, chega, chega”, poderá, ao invés, ouvir “ora arreda lá pra trás!”. Isto tudo com uma cara visivelmente assustada, evocando a valente cefaleia de que agora foge a sete pés.

Estará descoberta a origem da palavra “enxaqueca”?

P.S. – Convocam-se os blogoespectadores, masculinos e femininos (sim, também são visadas…!) para uma marcha lenta dos Restaurados até à Assembleia da República, onde se realizará um minuto de silêncio, em honra das vítimas deste flagelo.


26 de Abril de 2004
Granito volta a dar cartas –
João Granito, o campeão nacional de cortes estratégico, voltou a realizar uma boa prestação na passada terça-feira ao conseguir não comparecer num edifício no Parque das Nações. Depois duma comparecência redonda num jantar em Santos o mês passado, em relação à qual terá dito “não consegui não ir”, Granito deita por terra os críticos que não o julgavam capaz de voltar às grandes prestações.

Desde pequeno que Granito manifestou uma apetência pela modalidade acima da média. Afirma que a família e os amigos sempre o apoiaram, inscreveram-no em treinos aos quais não foi, não o levaram a competições no estrangeiro e reuniões de desportistas da modalidade.

O atleta mostra-se bastante confiante em relação ao futuro da sua carreira. Aposta forte nos Jogos Olímpicos de Atenas, que se realizam este verão, aos quais espera não marcar presença. “Ficar fora dos dez primeiros lugares será um bom resultado”, afirmou ser o seu principal objectivo, neste momento.


28 de Abril de 2004
Camaradaz

Comemoramoz o trigégimo aniverchário da revolushão do vinte e chinco de Abril e os mezmoz problemaz acholam o nocho paíz. A política dezte Governo é uma dezgracha… o dezemprego aumentou…a inflachão dizparou para valorez….o neocapitalizmo e as medidaz que aumentam a precaridade no trabalho fazem-che…o focho entre os maiz pobrez e oz maiz ricoz aumenta…dizaridadez sociaiz…racizmo e chenofobia…

Blá blá blá blá…..zzzzzzzzzzzzzzzzzzzz


8 de Maio de 2004
Being a host -
My afternoon coffee-break-girl-buddies couldn’t have understood that every bit of attention I had left in me after a stressful morning was lodged in my eardrums. Very swiftly, the sound of their voices, the sound coming from the other tables, the cups, the plates, the people standing, it all vanished. I could only listen to the music. “Never Leave You”, Lumidee.

It wasn’t also “Uh-oh” that I was hearing in the refrain. I heard and I saw us with a huge smile, screaming out the name of a Dutch guy with all the air our lungs could store. How did it get started? I can’t remember precisely. A vague idea tells me it all begun in one of the world famous Meta marathons with Nuno, that later became know as the finish-people-night because we managed to put those professors in staring at walls, those standing-still-and-not-having-fun heavy-weights, screaming and jumping all over the place.

Remco is coming to visit us. He sent us a very funny e-mail with his Virgin flight number. He’s not the first one to drop by. But the enthusiasm is as it was the eternal first time. It gets me a bit nostalgic but also very happy.

Reeeeeeemmmccooooooooo
Reeeeeeemmmccooooooooo


13 de Maio de 2004
Infância –
Os reencontros costumam ser de natureza e de resultado inesperados. De natureza porque são imprevisíveis, surgem quando menos os esperamos, quando as nossas defesas têm a guarda em baixo e estão mais vulneráveis. De resultado porque, normalmente, ou nos deixam muito contentes ou muito irritados. Encontrar aquela pessoa que não víamos há muito tempo mas que, por acaso, acontece que não suportamos, não nos faz o dia, ao invés, contribui drasticamente para que soltemos um daqueles por que raio saí da cama hoje!

Hoje, resolvi falar de um reencontro que me fez sorrir. Um reencontro muito especial e importante. Platónico, contemplativo, embora tão intrinsecamente físico. Sabe-se lá há quanto tempo não lhe tomava nos meus braços, passava pelas minhas costas e a percorria com os dedos. Duma ponta à outra. Por vezes com delicadeza, com a subtileza que o momento exige; outras, repentino, brusco, respondendo ao pedido rítmico, agressivo, impetuoso.

Naquela hora em que deslizei pelas cordas da minha guitarra que, por culpa duma falta de desejo crónica, esteve a ganhar raízes no suporte durante meses a mais, voltei a sentir aquela fúria. Aquela que também esteve presente no dia em que disse para mim mesmo pela primeira vez que queria segurar num daqueles “bacalhaus” e perceber como funcionavam. Voltei a ser aquele miúdo com um mistério pela frente.

No máximo, e talvez seja este um máximo já de si bastante maximizado, houve cinco minutos em que eu e ela soámos verdadeiramente a música. No meio de inúmeros acordes, sons, notas, poucas são as frases, os pequenos e tão incrivelmente efémeros discursos, que conseguem dizer aquilo que queremos efectivamente dizer.

Por isso valem pelos restantes cinquenta e cinco.


15 de Maio de 2004
Olha quem fala –
Nunca digas nunca, não cuspas para o ar que te pode cair em cima, não digas desta água não beberei, não mandes pedras ao ar se tens telhados de vidro.

É verdade, a sabedoria popular já tem idade suficiente para se ter apercebido que as pessoas se revelam nas situações com que se deparam pela vida fora. Por isso, apetrechou-se de adágios como estes supracitados, para prevenir os incautos que certos e determinados comentários jocosos, proferidos em certa e determinada época, podem sair disparadíssimos pela culatra na próxima.

Sim, porque se há efeito do qual essa coisa do amor e dos beijinhos se pode gabar é de produzir, em certos e determinados dos que padecem dessa condição, enormes faltas de concentração, de tal forma que parecem não prestar a mínima atenção àquilo que lhes dizemos, bem como uma excessiva fixação no tema fulcral das suas existências de cada vez que abrem a boca que não seja para meter o escalope em beiças alheias.

Depois há os comportamentos idiossincráticos. O atender de telefone saltitante, inquiridor de local privado e fora de ouvidos aguçados, bem como o “olá” bem articulado e pronunciado que despoleta a conversa; o sorrisinho meio aparvalhado, estilo tenta-te Maria, não caias; os litros de café pela goela abaixo naqueles prédios espelhados ao pé do Rato.

Em suma: é aquele embevecimento que tudo revela, aquela cara que tudo espelha, aqueles olhos que a tudo cintilam. Uma leveza de passarinho que nos avançar com a denominação à altura daquela criatura que, quando de penugem branca, há quem use para simbolizar a paz.

E anda para aí tanta estátua suja… é uma vergonha!


22 de Maio de 2004
Bem-vindos –
Há seis meses atrás escrevia eu coisas do género. Aliás, um pouco mais do que isso porque, por vicissitudes do sistema de Maastricht, o exame que me levou a ultrapassar a barreira do número de créditos mínimo para me licenciar foi em Outubro do ano passado. Talvez por ter partilhado intensamente essa experiência convosco, sinto que volto a vivê-la em colaboração outra vez, mesmo que agora seja a vossa e não a minha.

Já comentei os respectivos textos que abordaram o tema, já disse todos aqueles lugares comuns que, por paradoxal definição, são banais e vazios ao mesmo tempo que significativos e importantes. Novas etapas, desafios, bla bla, ah e tal e o camandro. Resta dizer outro tanto que se me veio a desenhar na cabeça enquanto percorria numa das minhas solidões curativas os cerca de 250km que ligam o Algarve a casa.

Entraste de rajada na McKinsey, Nuno, com uma velocidade que revela o quanto as tuas capacidades analíticas são desejadas por empresas topo dos topos. Partiste atrasado para derrotar o leão (com letra minúscula, claro!) mas rapidamente os conquistaste, Luís, com calma e tranquilidade aquilo ficou no papo. Numa demonstração de amor à primeira vista, o patrão da L’Óreal foi-te buscar literalmente ao anfiteatro, João, evidenciando aquela vontade que mostras que tens em triunfar. No meio disto tudo, num desfecho surpreendente, eu tornei-me um funcionário público do único banco que gosto em Portugal.

Mais do que pretendidos a nível profissional, é um prazer ver quatro amigos obter empregos que desejam com relativa facilidade. Olho para nós e vejo que, não obstante todas as diferenças que nos fazem querer isto ou aquilo, temos uma coisa em comum. Bons profissionais, com qualidades e potencial. Aquele ascendente que nos permite atingir o que queremos e ter sempre tempo para partir para a diversão. Porque não basta ficar à espera, cada um constrói a sua sorte.

Outra palavra muito importante. Para os que ainda vão ficar pelos livros, para os outros que procuram onde bulir ou que, se calhar, já se orientaram e eu é que não estou a par das notícias. Estou a vossa espera! A verdade é que já estava farto de ser o único SôDôTôr. Dá-me sempre aquela ideia de velho, parece que tenho de apadrinhar os outros quando chegam a trilhos que já percorri.

Com tudo isto dito, num dos textos com maior carga de amizade que coloquei on-line, lembro-vos que ainda têm de passar por um calvariozito que se chama exames.

Força nisso. Estou à vossa espera.


30 de Maio de 2004
Dúvida –
Para quando a Serena Williams a competir de igual para igual no ténis mundial masculino?


3 de Junho de 2004
Aparentar –
Há dias, quando cá esteve o enviado da saudosa Holanda a visitar-nos, sentei-me um dia com ele na Telepizza da Guia em Cascais e, enquanto esperávamos pelo jantar, aproveitar para lhe fazer perguntas. É sempre interessante questionar estrangeiros acerca da ideia com que ficam de nós e dos nossos lugares.

Uma das coisas que referiu foi o facto de ter visto muita gente engravatada na Baixa. É normal. Na terra das tulipas, não se vê assim tanta gente de forca ao pescoço. De tal forma que, dos poucos que usam, muitos têm um péssimo gosto que dá a entender que não percebem mesmo nada do assunto.

Fez-me perceber que se nota bastante o quanto nós olhamos para as aparências, para a roupa, para a vida privada. Gosto especialmente daquela noção de que devemos mudar de roupa de tanto em tanto tempo, não vá alguém pensar “que não tenho mais nada para vestir”. Assim como quem anda com quem e quem mete quem na cama.

É mesquinho, é de baixo nível. Um resquício dos não tão afastados tempos de pobreza do país E é uma característica típica dum provincianismo terrível. O mesmo que apregoa um puritanismo que não existe em países do norte e centro da Europa, onde as pessoas estão mais à vontade e se preocupam menos com o que os demais pensam acerca deles próprios.

Estas regras de convivência são, possivelmente, as mesmas que nos conferem o estatuto de hospitaleiros. Outro exemplo. A verdade é que, acaso determinada dona de casa não cumpra o infinito rol de items a verificar aquando duma visita, não se livra de classificações e críticas assim que for apanhada de costas. Isto é válido, sobretudo, de mulher para mulher.

O grau de exigência perpetua-se e aquela dona de casa que abriu as portas do seu lar naquele dia, é a mesma que no dia seguinte vai a casa de outra e, mesmo não tendo gostado do que lhe fizeram, é exactamente isso que faz em troca. Um pouco como a lógica da praxe académica.

Por um lado, há determinados aspectos que, na minha opinião, foram alvo de avanços. Numa recente sondagem da Visão/SIC, tanto o número de pessoas que dizem aceitar as uniões de facto, mesmo que incluam filhos, bem como as que efectivamente vivem assim, aumentou bastante. As mentalidades abriram, evoluíram; o casamento deixou de deter o monopólio da forma de vida em casal por excelência.

Mas, por outro lado, numa sociedade crescentemente individualista, egoísta, hedónica, o aspecto continua a mandar. Pode não ser o do “aprumo” das gerações anteriores, mas a aparência dos “dreds” demarca-se e indica-nos na perfeição quem são. Assim como aqueles que não têm onde cair mortos e que se matam a estoirar dinheiro num carro todo janota (ou não, depende dos gostos). O mesmo com roupa de marca.

Há seis ou sete anos atrás, quando li pela primeira vez um dos livros da minha vida, “Os Maias” do grande Eça, achei deliciosa a personagem do Dâmaso Salcede. O tipo gordinho, “roliço” que passava a vida a dizer “très chique!”. Era um pelintra, um cobarde, junta-se aos que lhe convinham. Não tinha nem de perto a disponibilidade financeira de Carlos (aliás, cravava dinheiro à “mãezinha”) mas gostava de se fazer ser visto com ele para que fosse confundido na riqueza. Entre outras coisas.

Será que estamos mortalmente condenados a nunca deixar de ser caracterizados pelos livros com século e meio do Mestre?


23 de Junho de 2004
Olha prá estrelas! -
Lembro-me em concreto dum manual escolar, penso que de Ciências Naturais, ou lá como raio se chamava a disciplina do ido sétimo. Com as sucessivas reformas curriculares, deve ter um nome completamente diferente e falar exactamente das mesmas coisas. Enfim, voltando ao manual, este tinha uma pequena foto duns jovens com o que parecia uma ganza na mão e uma legenda que dizia, mais coisa menos coisa, que um charro era o primeiro degrau duma escalada perigosa que leva às drogas duras e, no limite, à destruição e à morte.

Entretanto passaram dez anos da minha vida. Não, não vos vou contar tudo o que se passou nessa década. Até porque, mesmo que quisesse, parte ficou esquecida, enterrada com o tempo. Vou antes partilhar convosco a minha cada vez maior descrença nos sistemas proibitivos.

Corria o verão de 2000, salvo erro, quando o repórter que se encontrava no recinto do Festival do Sudoeste resolveu entrevistar alguém responsável pelo evento que, garantia a pés juntos que não havia drogas leves ali dentro. Mal se lembrou ele que a mesma reportagem estava a ser transmitida no ecran gigante do festival e as pessoas que lá se encontravam estavam a ver em tempo real as sérias declarações.

Obviamente, desencadearam uma gargalhada colectiva que também apareceu em directo para o jornal da tarde. Sabemos que, actualmente, mais de metade dos jovens já experimentou dar uma passa numa broca. E não há concerto em que o cheiro não surja.
Agora, para a geração dos baby-boomers, que corresponde, grosso modo à dos pais de filhos da minha idade, ou seja, vinte e poucos (mandem lá as bocas, vá) o acto de aspirar os fumos de um charro é algo de muito sério, perigoso. No mínimo, a necessitar de intervenção. E eles, os pais, no mínimo, a necessitar de se informar melhor em relação a uma realidade que desconhecem em larga escala.

No entanto, quantos deles fumam tabaco? Aquele que mata anualmente milhares de pessoas, com as doenças cardiovasculares e o cancro no topo da lista. Isto para não falar no álcool. E, já agora, porque não, o café? E os comprimidos para tranquilizar ou dormir melhor esta noite, é a última vez que tomo, estou tão cansado hoje.
A questão é meramente geográfica. Ou topográfica, ou morfológica, como quiserem.

Onde está o fosso que marca o verdadeiro perigo? É da ganza para cima? Eu analiso o que vejo. E conheço bastantes pessoas que a fumam duma maneira regrada, em ocasiões e momentos festivos, quando se querem divertir com os amigos. São cidadãos normais, responsáveis, pessoas que trabalham ou estudam e úteis para a sociedade.

Retiro o que disse. A questão não é definir o fosso. Se bem que o tenha perfeitamente delineado nas drogas duras porque essas destroem a capacidade de viver, de discernir, de ser útil, de produzir, de ter um trabalho. A questão é o uso. Se fumar três maços de cigarros por dias, beber dez imperiais ou quinze cafés, estou a prejudicar-me seriamente. Se fumar vinte bóias, também. Mas se fumar de vez em quando, se beber alguns cafés por dia, se beber ao fim-de-semana uma cerveja com os amigos, não me estou a destruir a olhos vistos.

É claro que há sempre uma componente de dano para a nossa saúde. Da mesma forma que trabalhar o dia inteiro sentado em frente ao computador ou obrigar os olhos a ler muito tempo não faz nada bem. Por isso não gosto dos puristas, dos que alegam uma vida cem por cento livre do que nos prejudica. Porque cada um está disposto, de acordo com a sua preferência, a abdicar de um pouco de saúde ou qualidade de vida pelos prazeres da vida. Que, no final, também eles são parte da nossa qualidade de vida.

É a forma como usamos estas drogas que dita o perigo delas, não o facto de as usarmos.

segunda-feira, julho 26, 2004

Meia dúzia – Dizem que é dos desportos mais exigentes e violentos que há. Cerca de três semanas para fazer mais de três mil quilómetros numa bicicleta. Ao todo, são mais de três dias a pedalar para aqueles que fazem o percurso em menor tempo.

Contou com os dedos as seis vitórias. Celebrou com champagne ainda sentado no selim. Fez tudo certo. Uma vez mais, calculista como já o conhecemos, esperou pelas montanhas para mostrar que não há ninguém que lhe faça frente a trepar. E nos contra-relógios.

É mais do que um recorde absoluto quebrado. Para mim, não vai ser só relembrado pelo homem que bateu o anterior máximo de Indurain. Mas pelo americano que derrotou a morte.

Acima de tudo, parece-me uma corrida pela vida, pela vontade de querer calar aquela senhora que veste de preto e anda com uma grande gadanha às costas. Quem diria que alguém com um cancro dos testículos, que chegou a ter metástases cerebrais, poderia vir a alcançar o que ele alcançou?

Hats off for Mr. Lance Armstrong.

domingo, julho 25, 2004

Após cuidadosa análise - do procedimento quotidiano dos canídeos cá de casa, penso que estou apto a elaborar uma hipótese acerca da intrincada psicologia destes animais tão fieis e dóceis. O cão, na ausência de um qualquer pneu de veículo motorizado, é assolado por depressões agudas que podem culminar em tentativas de suicídio.

sábado, julho 24, 2004

Tot ziens - Sempre me foi difícil tentar explicar isso. Normalmente, é algo que se sente ou se aprende a sentir quando se aprende a tocar. É uma tarefa hercúlea tentar elaborar um discurso acerca disso. E, no entanto, para mim é o que faz toda a diferença. É praticamente tudo o que há de relevante em música.

É o que torna um bom executante num músico espectacular, é o que torna o Coltrane ou o Miles em tipos de outra galáxia, é o que confere ao Eric Clapton uma força inabalável, é o que faz com que a Björk esteja a milhas de ser só mais uma cantora. A velha guarda do Hot Clube chama-lhe “nervo”. Outros chamam-lhe “feeling”. Outros, simplesmente, tocar muito bem. A denominação não é consensual, portanto.

Contudo, é esta mesma característica que, sendo eu alguém mais ligado a música jazz, moderna ou rock (não sei como definir tudo o que oiço) venha para aqui hoje falar do Carlos Paredes. Embora longe das minhas andanças musicais, o guitarrista era daqueles que possuem em larga escala essa tal característica com a qual perdi tempo na primeira parte do texto.

Ponho o CD a tocar e sento-me. A respiração ouve-se por entre as notas agudas. O frenesim do Movimento Perpétuo, a beleza da Canção Verdes Anos. Com Paredes aprendemos como a simplicidade pode ser bela, tudo aquilo que queremos e precisamos dizer.

O único senão foi o facto de nunca ter querido dedicar-se exclusivamente à sua arte. Quiçá pudesse ter deixado um legado maior para a cultura portuguesa. Nas suas próprias palavras, a música é uma coisa demasiado bela para dela se viver.

Até sempre, Carlos Paredes.

sexta-feira, julho 23, 2004

Palavra de apreço – dirigida ao grande GSM, Tubaralho para os amigos, por me ter resolvido a questão dos comentários. Afinal, eles estão de volta e em grande forma! Nada de piadas foleiras acerca da minha inaptidão para lidar com computadores…
Muito queijo - Durante anos foi o menino bonito da Luz. Um imprescindível, fazia parte da família da águia, ninguém pensava sequer a hipótese de saída como minimamente plausível. O expoente máximo terá sido, porventura, o célebre 6-3 contra o Sporting, jogo em que parecia estar endiabrado.

Mas saiu. Para os rivais. Aqueles que, supostamente, não gostavam dele. Quatro anos do outro lado da 2ª circular. Sempre que regressava à Luz, agora com a camisa às riscas verdes e brancas, era ver as claques vermelhas a entoar cânticos pouco dignos, insultuosos ao máximo.

Com as cores nacionais, que me lembre, e não é muito porque não costumava acompanhar de perto o desporto, foi importante no europeu belga e holandês, na qualificação para o mundial asiático. Em 2002 foi o jogador mais valioso do campeonato português.

Estragou tudo com a célebre cena de pugilato que o colocou nas aberturas de telejornais, primeiras páginas de jornais e capas de revistas durante largo período de tempo. A partir daí, tudo em queda.

Deixaram de gostar dele no Sporting. Foi para a rua. Acabou, agora, no clube de origem, como se fosse um aparelho que, após cumprir a sua função, fosse recambiado para o sítio donde veio. Depois de velho e gasto.

Isto faz-me confusão. Esta volatilidade vertiginosa do futebol. Como os heróis de hoje são trastes no dia seguinte. Será que no Benfica se esqueceram do que ele representava? Porque podiam ter-se despedido dele com um sinal de reconhecimento e respeito. Mas não. A memória teima em ser curta.

Nisto da bola, independentemente do passado, a regra máxima é ou estás connosco ou contra nós.

quinta-feira, julho 22, 2004

Siesta - A sinalização, os cartazes, as indicações, são todos invenções que visam facilitar a compreensão ou orientação de qualquer coisa. Por isso se explica a pouca ortodoxia deste. Suscitou-me, desde o momento em que o vi, grandes dúvidas em relação à informação que pretendia veicular. Em termos técnicos, é um péssimo exemplo de comunicação.

Senão vejamos: são as camas que estão a 1 km do local? Se sim, em que direcção? Ou será que são uma espécie de king size levado aos extremos do imaginável, uma proeza mais digna de megalomania desenfreada do que do Livro dos Recordes do Guiness?

A verdade é que o estabelecimento estava fechado e não pude tirar a dúvida.

quarta-feira, julho 21, 2004

Ave rara - Este texto e a acompanhante foto de sorriso Pepsodent chegou-me à caixa de correio há algum tempo. Sabe-se lá quantas vezes repassado de colegas de faculdade que, por essa razão, conhecem bem a peça que temos em mão. O único, inigualável, Baleiras. É coisa para, por muito estranho que pareça, até ficar com saudades.

"Tinha acabado de comprar a revista SÁBADO (edição nº7) para ler no fim-de-semana, chego ao artigo de capa e nem queria acreditar na fotografia que ali estava, o Baleiras, sim, o mesmo Baleiras que dá Introdução à Macro na FEUNL, o próprio, no Hawai com as suas filhas, mas a pièce de résistance é o colar que ele tem, qual surfista hawaino, o Baleiras com um colar de conchinhas é algo que nem nos meus mais loucos sonhos esperei ver.

A partir de hoje nunca mais serei o mesmo, e de cada vez que vir o Baleiras pelos corredores da FEUNL lembrar-me-ei sempre desta foto e cumprimenta-lo-ei com um forte e convicto haloah!!!"


terça-feira, julho 20, 2004

Reacções - Mesmo que, comparativamente aos outros solistas, não se destaque por aí além, o baterista é aquele que, normalmente, leva a salva maior. Às vezes, limita-se a tocar mais rápido e com mais força, uma técnica a que muitas vezes nos referimos com expressões como “muita parra e pouca uva”.

O que será que prende as pessoas ao instrumento? O carácter físico, quase de desporto e que exige um esforço com os braços e as pernas. Ou então, o facto de que é necessário manter os quatro membros do corpo a fazer o seu ritmo individualmente, o que implica muita coordenação e horas de treino.

Eu cá acho que é simplesmente por todos nós gostaríamos de ser bateristas pelo menos uma vez na vida. Sentar naquele banquinho e martelar os pratos, tachos e panelas com toda a pujança. Basta olhar para os espectadores e vê-los a imitar o herói deles que está no palco, meneando os braços no ar com baquetas invisíveis e com esgares de muito emprego de energia.

segunda-feira, julho 19, 2004

As duas presenças mais detestadas no alcatrão –
 
1 – Viaturas policiais descaracterizadas quando surgem no nosso encalço, de sereia ligada e com insistentes ordens para encostar;

2 – AP 50 da Piaggio.

domingo, julho 18, 2004

Histórias de sucesso - O Granito nunca me enganou. Por detrás daquela pele lisinha tinha de se esconder algum segredo. Aquele que os tipos da L’Óreal perceberam logo, ou não trabalhassem eles com cremes, loções e todo o tipo de mixórdia que produz esses resultados.

E, no entanto, foi este conhecimento específico e aprofundado, este know-how acumulado ao longo dos tempos que acabou por ditar a sorte do rapaz. Mais uma vez se prova que o aspecto exterior transmite uma imagem que pode influenciar em muito o nosso destino.

Entretanto, a vida vai correndo bem nos corredores da multinacional de produtos de beleza. De tal forma que, segundo consta, já andam na calha novas aplicações e negócios. Parece que se largou a inventar e nunca mais parou. O primeiro resultado é surpreendente e será, por certo, um sucesso:
 
Um pepino L’Óreal para pôr nos olhos a acompanhar uma máscara facial.

sábado, julho 17, 2004

Fiquei a modos que chateado que nem um peru em vésperas de Natal - O Blogger, programa editor dos textos que são colocados on-line, já vinha a dar-me dores de cabeça. Com o seu aspecto rudimentar, este site era propício a alinhamentos de texto estranhos, colocações bizarras e incompreensíveis.
 
Por isso, resolvi modernizar-me, profissionalizar o bicho. Acontece é que sou nabo nestas andanças. Tudo correu bem excepto o “singelo” facto de ter lixado todos os comentários que havia para trás…
 
Quem ficou lixado com “f” fui eu. Agora já passou um bocado. Espero que gostem do novo look da página e do novo formato dos comentários. Porei os links quando um acesso incontrolável de paciência me afligir temporariamente. 

quinta-feira, julho 15, 2004

Temos de ser iguais a nós próprios - Será porque o desporto foi inventado no Reino Unido? Se sim, então calculo que a denominação passaria a ser Herr, Monsieur ou Senor acaso tivesse surgido primeiro, respectivamente, na Alemanha, na França ou na Espanha. É claro que, no dia em que finalmente chegarem elementos do sexo feminino à direcção de equipas de futebol, estas coisas vão ter todas de ser revistas. Será preciso saber se contraíram matrimónio para escolher entre as versões apropriadas para senhoras.

É claro que acho que esta linguagem técnica, este jargão futebolístico uma pepineira tão grande quanto uma preciosidade. Sobretudo porque “Mister” é pronunciado mesmo à portuguesa, desvirtuando o verdadeiro significado da palavra, que mais parece identificar-se com a profissão do que com aquilo que é realmente. E, por isso, fica incrivelmente interessante usarem-na para profissionais brasileiros, por exemplo.

Lá fora também é assim? Um alemão que dá uns toques na bola também fala à imprensa do seu Mister? Custa-me a crer. Mas sou um leigo na matéria. Entretanto deixo aqui uma singela sugestão que quase carrega o peso duma sugestão suplicante:

Já experimentaram treinador?

quarta-feira, julho 14, 2004

Perguntas otárias –

Cena 1
(uma personagem manda uma espeta de todo o tamanho)

- Caíste??

Cena 2
(uma personagem parece dormitar)

- ‘Tás a dormir?

Respostas Cretinas –

- Quem é?
- Sou eu

terça-feira, julho 13, 2004

Paradoxo - Das minhas leituras de carácter sistemático, consta o menino Tubaralho. Há dias, andava eu nessas andanças, quando deparei com um post sobre o concerto da Dulce Pontes mais o outro caramelo das músicas do cinema. E deparei-me com um paradoxo de termos empregues nesse texto de bradar aos céus. Senão vejamos:

Contra-fagote. Usando um pouco de calão inglês, sobretudo norte-americano, penso eu, este termo parece mais denominar alguém que tem um grave problema de homofobia e, por isso, está contra os homossexuais.

Chegados a este ponto, devem estar um pouco impacientes. Onde raio está o paradoxo? Eu digo, calma… É fácil… Basta atentar no nome do italiano. Como raio é que um Morricone pode andar de mãos dadas com um contra-fagote sem ser à chapada?

Ainda por cima em Monsanto.

segunda-feira, julho 12, 2004

Publicidade engenhosa - Sugestão para rentabilizar o Alqueva.

domingo, julho 11, 2004

Pensamento do dia – Vendo um documentário sobre nudismo na televisão nacional, verifiquei que a média de idades era digna da mais honrosa brigada do reumático. O que me leva a concluir:

O problema do nudismo é ver mais do que aquilo que efectivamente se quer ver.

sábado, julho 10, 2004

Infiltrados - Hoje vou falar de um dos maiores conhecimentos que foram transmitidos de geração para geração na minha família, embora, neste caso, só entre duas gerações, dada a natureza do invento em questão. Conta a minha mãe as grandes advertências que o meu avô lhe fez, quando tirou a carta, para o cuidado que se deve ter no momento em que temos um condutor de chapéu ou boina à nossa frente. “Foge deles!”

Da mesma forma que o caro leitor deve estar a pensar neste preciso momento que este desabafo é totalmente descabido e não merece a atenção que tão estoicamente lhe atribuí, pensei eu quando o maternal instinto me debitou o mesmo sapiente conselho, assim que chegou a minha vez de me fazer às estradas nacionais e internacionais.

Rapidamente, tive de dar o braço a torcer, a mão à palmatória. Os caríssimos leitores que sejam, concomitantemente, condutores, observem da próxima vez que o destino lhes presentear com a situação supracitada. Eu também não acreditava. Passei a ter de o fazer.

O estilo domingueiro com a famelga toda no veículo, a terceira a morrer que não permite passar dos 35 km/h mas permite a contemplação da paisagem, as súbitas hesitações e mudanças de sentido sem sinalização com travagens repentinas, as manobras perigosas nos sítios que não lembram ao menino Jesus.

Eles andam por aí a colocar em perigo os demais que usufruem do alcatrão. Têm, normalmente, carros impecavelmente lavados, tal não é a religião de balde e esponja ao fim-de-semana. E não se esqueçam que, se baterem por trás, não podem alegar absolutamente nada. É assim que eles operam.

Temam pela vossa segurança. Fujam dos chapéus.

sexta-feira, julho 09, 2004

Jazz num dia de verão - Candeia que vai à frente alumia duas vezes. Na sua vigésima terceira edição, o Estoril Jazz é um dos eventos percursores da música no país. As produções de Duarte Mendonça, que também passaram pelo saudoso Cascais Jazz no Pavilhão Dramático, continuam a dar cartas no panorama nacional. Depois de grandes nomes como Wayne Shorter e Dave Holland terem actuado no festival o ano passado, temos a felicidade de poder contar com Kenny Garrett e Branford Marsalis este ano.

Para quem diz que pouco se passa neste país e, que do pouco, é caro, aqui fica o cartaz a que se tem acesso por 60 euros.

quinta-feira, julho 08, 2004

Já visto - As aulas de inglês devem fazer parte do contrato com o clube londrino. De tal forma que, não obstante as evidentes arestas que quedam por limar, os progressos, por ténues que sejam, já se notam. Os problemas surgem quando estendemos aquilo que já aprendemos ao que ainda não sabemos. Francês pronuncia-se em francês, não em inglês macarrónico.

Alguém explica ao Mourinho que “déjà vu” não é “dê já view”?

quarta-feira, julho 07, 2004

Interrogação - Porque é que muita gente, quando se refere à capital do austríacos, junta sempre o nome do país a seguir ao cidade? Viena de Áustria. Ninguém diz Paris de França, Londres do Reino Unido nem Berlim de Alemanha.

Possível confusão? Com quê? Alguém conhece outra Viena? Eu não, sobretudo não como uma cidade importante, de relevância mundial. Nem sequer Viana do Castelo.

Se bem que uma Vienneta marchava…

terça-feira, julho 06, 2004

Grito do Ipiranga - Há dias falei de cantar o hino regularmente no ensino e da correlação com o desenvolvimento dum espírito patriótico. Desta vez, andei a pensar no outro lado da questão. Porque razão somos, muitas vezes, tão relutantes em conviver com os nossos símbolos?

Devo confessar que não quis aderir à bandeiromania resultante do Europeu de futebol português. Achei fatela. Não queria, nem quero, uma bandeirita com uma haste plástica no vidro da porta de trás do carro. Da mesma forma que não estive, nem estou, particularmente motivado para pôr outra numa janela ou varanda cá de casa.

Mas reconheço que, nos últimos tempos (leia-se cerca de um ano), uma operação de mudança teve lugar em mim. Hoje em dia, revolto-me bastante contra os profetas da desgraça que tecem brilhantes discursos pessimistas e bota-abaixistas em relação a tudo o que é nacional.

Penso que é uma das maiores heranças da Outra Senhora. Depois de décadas de exacerbação da pátria, dum nacionalismo, do fado fátima e futebol, a geração anterior fazia uma ligação muito estreita entre todos estes elementos que geram e simbolizam a identidade lusa com o regime autoritário. E, por isso, foram intensamente rejeitados durante muito tempo.

Lembro-me de ouvir o Nuno da Câmara Pereira dizer que, nos tempos imediatamente a seguir ao 25 de Abril, não tinha coragem de dizer que era fadista porque era acusado instantaneamente de ser fascista.

É claro que muita dessa aversão passa de pais para filhos. Mas, como estes últimos não passaram pela mesma situação, aos poucos aprendem a libertar-se desse complexo de inferioridade, dessa vontade suprema de destruir com críticas uma forma de ser e de estar na vida única que nos distingue tão bem de pessoas tão próximas como os espanhóis.

segunda-feira, julho 05, 2004

ΕΛΛΑΣ olé olé - Mais do que perder, irrita não ver a derrota vendida cara, como o espelho duma luta baseada na consciência de que existe um potencial que permite lutar de igual para igual. Esse foi o obstáculo inicial, ultrapassado logo a seguir ao primeiro jogo. Fica um sabor muito amargo de quem esteve mesmo muito perto. Porque morrer na praia é pior que morrer logo em mar alto.

Em relação ao último jogo, um paupérrimo desafio, irrita ver premiada a equipa que coloca a solidez defensiva, a frieza acima de tudo. Destroem o adversário e chegam ao objectivo através de bolas paradas nitidamente estudadas, tiradas a papel químico doutros embates. E é assim que o colectivo mais chato, desengraçado, sem piada absolutamente nenhuma, menos amigo dos adeptos de um bom desafio, leva o caneco para casa.

Quem disse que o desporto é justo?

domingo, julho 04, 2004

Eirós do mar, nozes podres, maçãs reinetas do meu quintal - “Não lhes faz mal nenhum”, dizia o agora Ministro da Defesa há uns anos atrás num espaço informativo televisivo, evidenciando a prática das escolas americanas de pôr os seus alunos de pé a cantar o hino diariamente. Tudo devidamente acompanhado de bandeirinhas e outros símbolos nacionais.

Pergunto eu que adoro fazer perguntas: e que bem é que faz cantar o hino até à exaustão, à náusea? Da mesma forma que assinar um contrato chamado casamento não me faz gostar mais da pessoa com quem o quero fazer, entoar as estrofes da Portuguesa numa agonia diária não vão despoletar em mim um sentido patriótico nunca antes visto.

Terapia de choque não é remédio para criar nenhum tipo de empatia. Aliás, normalmente é responsável por antipatia.

sábado, julho 03, 2004

Enxovalho - Um dos maiores eufemismos que existem na televisão nacional é o dos programas a que chamam, genericamente, “debates”. Porque esse formato televisivo não se coaduna com interrupções, levantar a voz, bocas sarcásticas, um rol sem fim. Os participantes esperam com entusiasmo a sua vez de intervir para depois perderem grande parte do seu tempo de antena útil a pedir aos outros que os deixem falar e a lembrar-lhes que, quando foi a vez deles de mandarem bitates, estiveram de boquinha fechada a ouvir tudo.

Em nítido contraste com esta pouca vergonha e má criação, cito um exemplo. A esmagadora maioria dos debates na TV5, expoente cultural e de seriedade da televisão francesa, é de um respeito e de um civismo que faz os nossos parecer inferior a peixeiradas. E isto, basicamente, porque os gauleses respeitam um dos princípios basilares da vida em comunidade.

Quando um burro fala, os outros baixam as orelhas.