quinta-feira, junho 30, 2005

All I need

All I need is a little time,
To get behind this sun and cast my weight,
All I need is a peace of this mind,
Then I can celebrate.

All in all there’s something to give,
All in all there’s something to do,
All in all there’s something to live,
With you ...

All I need is a little sign,
To get behind this sun and cast this weight of mine,
All I need is the place to find,
And there I’ll celebrate.

All in all there’s something to give,
All in all there’s something to do,
All in all there’s something to live,
With you ...


Air

quarta-feira, junho 29, 2005

O meu gato – é imunodeficiente; a partir de agora é necessário estar muito alerta em relação a eventuais focos de infecção que, para ele, são bastante mais problemáticos. O meu cão tem artrite; todos os dias de manhã tem de tomar um comprimido vermelho e branco, que é devidamente enrolado numa fatia de queijo a disfarçar.

terça-feira, junho 28, 2005

- Tens a certeza...?
- Sim
- Absoluta
- Sim...!
- Pronto, ok

- Quer dizer, acho eu...

segunda-feira, junho 27, 2005

À já tradicional entrada – de luzes ainda acesas e guitarra de caixa na mão seguiu-se o álbum novo.
Inteirinho, na íntegra, não faltou ali nada.
Foi mais de uma hora de música de enfiada sem paragens. A pureza, o perfeccionismo marcaram presença: instrumentos uns atrás dos outros, mesmo que apenas para fazer aquela nota isolada que faz a diferença naquele sítio.
Depois apresentou a banda. E é nessa altura que percebemos porque não canta. A voz de cana rachada fez o público vibrar com os agradecimentos.
E seguiu-se mais música.
Alguns dos grandes êxitos. Em duo, em trio, em quarteto, os músicos saíram e iam entrando aos poucos. No fim, ao todo, com encore incluído, tivemos direito a mais de duas horas e meia de música.

É preciso ser muito versátil para tocar com o Metheny.
O homem do piano extensível a teclado e sampler também toca guitarra, o baterista chegou a ter um baixo na mão, o violão do brasileiro esteve durante muito tempo quieto a um canto enquanto tocou percussão, o trompetista de nome asiático cantou e debateu-se com um xilofone.
A dança de instrumentos dá um ar de atarefados aos músicos e não só.
Detestaria estar na pele da roadie daquele concerto.
O que faz todo o sentido, não fosse o protagonista extremamente enérgico. Mais do que isso, irrequieto, repleto de bicho carpinteiro, daquele tipo que impede parar seja porque razão for. O americano começa a ter idade para ter juízo mas consegue sempre arranjar forma de se esquecer disso.
Ainda bem.

Excepto para aqueles que não aguentaram. Era domingo, no dia seguinte esperava-se trabalho e a neura tradicional de segunda-feira. E então começou a haver alguma debandada.
Também eu começava a ficar sem posição, as pernas não paravam quietas, o nalguedo feito num oito de estar sentado mas olhava para os desertores e pensava para mim:
Cambada de frouxos fracos meninos choninhas.

Eu, cá por mim, só saio daqui quando o tipo se recusar a tocar mais.
À noite – todos os gatos são parvos. E, muitas vezes, também de dia.

domingo, junho 26, 2005

Não vão nunca acabar – dizia ela de uma forma quase agressiva, empolgada, a cara a ficar vermelha, os braços a dar imensas voltas, as carótidas salientes. E fixou o olhar em mim, como se eu esboçasse sequer o mais pequeno indício de dúvida ou de descrédito em relação à afirmação. Um curto enorme silêncio em que os nossos olhos não se largaram.

Finalmente continuou, o impasse começava a deixar-me desconfortável. Isso posso eu assegurar-te. Pegas num galego, num basco, num andaluz, numa valenciano, num catalão, num madrileno, qualquer outra comunidade e, sabes que mais?, não tens nada em comum. É tudo diferente. Completamente diferente. São povos distintos, com culturas distintas, línguas próprias.

Outro silêncio. Desta feita, nada desconfortável, apenas fruto da ênfase de quem fala de algo sério. Excepto numa coisa. Os touros. E é isso mesmo que gera algum sentimento de partilha transversal, de identidade comum que faz com que digamos que somos todos espanhóis. Não há absolutamente mais nada que nos possa unir ao ponto de nos fazer pertencer a um mesmo país. De tal forma que até aparecem no centro de algumas bandeiras em vez do símbolo da monarquia.

Por isso não vão nunca acabar. No dia em que isso acontecer, Espanha deixa de existir.

sábado, junho 25, 2005

Elderly Woman Behind The Counter In A Small Town

I seem to recognize your face
Haunting, familiar, yet I can't seem to place it
Cannot find the candle of thought to light your name
Lifetimes are catching up with me
All these changes taking place, I wish I'd seen the place
But no one's ever taken me
Hearts and thoughts they fade, fade away...

I swear I recognize your breath
Memories like fingerprints are slowly raising
Me, you wouldn't recall, for I'm not my former
It's hard when, your stuck upon the shelf
I changed by not changing at all, small town predicts my fate
Perhaps that's what no one wants to see
I just want to scream...hello...
My god its been so long, never dreamed you'd return
But now here you are, and here I am
Hearts and thoughts they fade...away...

Hearts and thoughts they fade, fade away...
Hearts and thoughts they fade...away...
Hearts and thoughts they fade, fade away...
Hearts and thoughts they fade...


Pearl Jam

sexta-feira, junho 24, 2005

«A assustadora mesmice dos dias. Não posso esquecer nada. Recuso-me a ceder uma migalha que seja às frias garras do tempo. Odeio o tempo. Tal como o sofá, as poltronas e as cortinas, também os dias são subtis variações de um simples tema colorido. Uma menina bonita e inteligente num casaco azul, uma ressequida professora de jardim de infância com varizes, e entre as duas um vidro que vai ficando cada vez mais opaco apesar do desesperado esfregar.»

«A assustadora mesmice dos dias. O Outono chegará. À tarde o sol bate na janela virada para oeste, esculpindo padrões de luz no tapete e nas coberturas das poltronas. Os padrões de luz passam a um suave balanço a cada movimento das copas das árvores lá fora. É um movimento inquieto e complexo. Todas as tardes os ramos mais altos da figueira rebentam novamente em chamas. As vozes das crianças a brincarem lá fora lembram uma selvajaria distante. O Outono chegará. Quando era pequena, lembro-me de o meu pai dizer uma vez que no Outono as pessoas parecem mais calmas e sensatas.

Ser-se calmo e sensato: que aborrecido.»

O meu Michael, Amoz Oz
Acerca do prazer – de uma manhã sem fazer a barba.

quinta-feira, junho 23, 2005

Cheguei – e olhei para o visor do telemóvel, no canto superior esquerdo está um pequeno relógio digital. Estava a horas. Sentei-me e esperei. Tinha uma revista na mão, que resolvi folhear. Comecei a ler um artigo. Não muito grande, não valia a pena pegar num de fundo para depois o deixar a meio. Até porque devias estar quase a chegar.

Fui lendo. Devagar. Olhei para as ilustrações. Os gráficos, os dados de suporte. Não sei quanto tempo terá passado até ter chegado à última linha, à última frase, aquela que acaba com aquele quadradinho que nos indica que não vale a pena virar a folha porque já não há lá mais nada. Ao contrário daquelas setas fininhas.

Folheei um pouco mais. Notícias curtas. Disto e daquilo. Destaques culturais, o cartaz, os filmes que andam por aí, as peças de teatro. Notícias cor-de-rosa. O actor casou-se com a modelo, o desportista divorciou-se. O não-sei-quantas abriu um restaurante novo super chiquérrimo.

Começo a olhar em redor. Nada. Telemóvel outra vez. Nada. Telefono-te. Não atendes. Espero? Sim, espero ainda mais um bocado. Que se lixe, começo o artigo de fundo. Detesto deixar leituras a meio mas está-me mesmo a apetecer ler este. E posso sempre parar num dos separadores e recomeçar depois a partir daí. Não é dramático.

O texto é grandito. Consome atenção. Talvez por isso não me aperceba tanto do avançar dos ponteiros do relógio na montra em frente. Das pessoas que passam. Das nuvens que viajam no céu. Outras pessoas esperam alguém. Mas acabam por se encontrar e desaparecem rua abaixo, viram nas perpendiculares e deixo de as ver a seguir às esquinas.

Estou a meio. Já li metade. Foi rápido. Ou não terá sido? Olho outra vez para o visor do aparelho. Não foi assim tão rápido, passou algum tempo, mais do que aquilo que pensei que tivesse passado. Continuo sem te ver. Por isso, calculo que está na altura de estabelecer limites. O meu é até ao fim do que leio. Se não chegares, vou-me embora.

Volto a mergulhar os olhos nas letras pretas e miúdas. Os meus olhos focam com alguma dificuldade, é um dia com muita luz e o pavimento é branco, dispara os raios solares em todas as direcções, tornando-os ainda mais agressivos. Agora não penso em mais nada, embora sinta que estou a abrandar o ritmo para te dar mais hipóteses, como se parte de mim te quisesse desculpar e entender.

Contudo, por muito lento que possa ser, chego ao fim. Olho outra vez em todas as direcções. Fecho a revista. Dobro-a debaixo do braço enquanto agarro as minhas coisas todas. Levanto-me, sinto as costas a estalar. Ando em direcção à saída, lentamente. Sempre atento, sempre alerta.

Saio devagar.

quarta-feira, junho 22, 2005

Determinados conceitos há – cuja decifração é, no mínimo, complicada. Por exemplo, o da limpeza a seco. Questiona-se o Seinfeld, e muito bem diga-se de passagem, como será possível lavar seja o que for sem incluir água no processo? Para ele, esta técnica que engorda o negócio das lavandarias é uma das maiores farsas que existem na sociedade de consumo.

O conceito que queria abordar hoje é algo que, embora já tenha estado mais na berra do que hoje, continua a ser extremamente actual. Estou-me a referir ao “católico não praticante”. É um termo giro, soa bem, é religioso, é moral, fica bem quando largado ocasionalmente numa conversa e pode, inclusivamente, ser um óptimo desbloqueador.

Na minha humildade, simplicidade e possível ignorância, sempre pensei que ser católico implicava ter uma determinada fé, a defendida pela Igreja que está sediada no Vaticano, e levar a cabo um conjunto definido de rituais e práticas. Condições que entendo terem um carácter sine qua non. Visto através deste prisma, um “católico não praticante” é algo que não pode, de facto, existir, é um paradoxo, um contra-senso.

Mas é um paradoxo interessante. Porque espelha o sentimento de individualismo e egoísmo que muitas vezes apontam como defeito à sociedade moderna. É um comodismo. É aceitar o que a religião dá, a salvação, o céu, um lugar ao sol, sem ter de penar nada por isso. Sem rezas, restrições, ter de levantar ao domingo para ir aturar o padre e toda aquela tralha. É como se pudesse comprar um carro novo sem ter de pagar as prestações.

Eu, que sou um hedonista mais do que convicto (e bastante comodista, confesso), consigo entender a lógica. Se posso obter algo sem ter de me chatear, então para quê chatear-me? Enfim, não me levem a mal, é óbvio que também atribuo prazer à sensação de ter lutado e trabalhado para algo, receber a recompensa pelo esforço realizado. Mas há muita coisa que, quanto mais fácil, melhor.

Por outras palavras, não discordo com o pacote crença/religião que essas pessoas escolheram. Cada qual sabe de si e o Outro sabe de todos. A denominação é que peca pela inexactidão. É como um “esposo não casado” ou um estabelecimento que está aberto 24 horas por dia e fecha para almoço.

Lá estou eu a ser um ateu praticante outra vez.

segunda-feira, junho 20, 2005

Lendo aqui e acolá – apercebi-me de que detesto o uso abusivo de pontos de exclamação. Se todas as frases acabarem com um, quase como se de uma regra fixa se tratasse, então todas elas perdem o impacto que é suposto ser transmitido. E o curioso sinal curvo passa a ter o significado dum comum e mortal ponto final, ponto este que passa a indicar-nos uma oração particularmente desprovida de emoção, em vez da típica neutra, aquela que não era nem carne nem peixe.

Senhor leitor, se for um destes abusadores de pontos de exclamações, saiba que já há cura para isso.

domingo, junho 19, 2005

Doze horas de asfalto – e alguns enganos nas circulares à passagem em Madrid, Castela e a paisagem que parece marciana de Aragão, chegámos à Catalunha. O rádio do carro apanha “cadenas” noutra língua, o provençal dos tempos modernos, aquela misturada de francês, espanhol, italiano.

Ajustei bem os espelhos, agarrei-me bem ao volante, preparei-me para mais uma dose daquela condução que já tinha visto na capital: ausência de piscas, mudanças de faixas bruscas e repentinas, razias estonteantes. Auxiliado por co-piloto de guia da American Express na mão, conseguimos entrar pela Gran Via. Até à Praça de Espanha, onde virámos à esquerda para contemplar o Palácio Nacional.

Montjuïc e o castelo. Uma vista soberba sobre a cidade que permite identificar muitos dos ex-libris. Algumas fotografias depois e seguiu-se o Poble Espanyol. Com a maioria das “tiendas” fechadas porque a entrada depois das 20h00 é mais em conta.

A aproximação à pousada. Com trânsito de hora ponta de uma sexta. Descer a Avinguda del Paral-lel. Ver o Colombo lá em cima no pedestal. Subir a Rambla e rezar a todos os santinhos para que seja possível virar à direita na Carrer de Ferran. Os santinhos não estavam para aí virados. Praça da Catalunha, descer a paralela seguinte e procurar a praça do Anjo. Suei.

Bairro Gótico. A Casa da Cidade e a da Catalunha. A Catedral. O Museu Picasso. Bem munido de obras de infância e dos períodos azul e rosa. As meninas, o estudo das de Velásquez, o mais interessante que tem para oferecer. O Parque da Cidadela, para descansar um pouco.

A Sagrada Famelga. Confesso que não me atraiu muito. E não pelo facto de que está que parece um estaleiro. A própria fachada não me agrada, é angulosa, bruta, feia.

A casa Batlló. Mais intimista, personalizada. A lareira em forma de cogumelo, a arrecadação com a forma das entranhas de uma baleia, as formas da natureza espelhadas na arquitectura. A Milà com um pátio interior fascinante, as chaminés do terraço são um marco que dificilmente se esquece. O interior é um chamariz inferior, mais descaracterizado.

Barcelona, uma cidade a regressar.

quinta-feira, junho 16, 2005

Quem tinha toda a razão - era o Variações, com aquela voz quase maquinal, mecânica.

Eu só estou bem onde eu não estou.

terça-feira, junho 14, 2005

A ilibação de Michael Jackson – não me estranhou muito. Não só pelo argumento da justiça parcial no caso dos ricos e poderosos. Mas sobretudo porque nunca vi criatura tão assexuada como aquela. Como é que aquele palito branco de nariz pontiagudo pode sequer ficar excitado, é algo que me ultrapassa.

quinta-feira, junho 09, 2005

Uma das grandes vantagens de começar a trabalhar - é a capacidade que se adquire de aproveitar ao máximo as hipóteses que nos são dadas. Administrar melhor, aproveitar melhor. Por essa razão, ainda apenas decorriam os últimos meses do ano passado e eu já sabia todos os fins-de-semana mais compridos do que o normal que íamos ter neste ano. Os feriados de Junho são, efectivamente, uma dádiva dos céus.

Cerca de 1250 quilómetros de alcatrão separam a capital portuguesa da capital catalã. Doze horas de viagem, a cifra que incluímos na contabilidade do tempo. Recorri ao meu guia de Espanha para ver os mapas, as ruas, as atracções. Questionei quem já esteve na cidade. Neste momento, com o que fui absorvendo, quase sinto que lá já estive. Se uma sensação de déjà vu me atingir assim que nela puser olhos, provavelmente não o estranharei.

É uma viagem dois em um. Shampoo e amaciador. Barcelona é uma cidade que me aguça o apetite há algum tempo. Não há ninguém que lá tenha estado que diga mal. Antes pelo contrário. Por outro lado, é a hipótese de repetir uma viagem de estrada, de condução. Daquelas em que saboreia cada um dos quilómetros que vão passando e ficando para trás.

Bem ao estilo da mítica Maas – Berlin.

quarta-feira, junho 08, 2005

«Sonhavas comigo, Comendador? Sabes? Agora mesmo me acaba de ocorrer que o facto de não ter conseguido seduzir a doce Zerlina foi talvez o que me salvou de cair há bocado no inferno… Que te parece? Imagina que há lá uma balança que vai registando o peso das vítimas das nossas maldades e que a nossa alma só começa a estar em perigo quando excedemos um número convencionado de toneladas de culpa… Que te parece? Não crês que uma medida destas poderia haver sido pactuada entre Deus e o Demónio por causa do exagerado crescimento demográfico do inferno nos últimos tempos? Que te parece?»


Don Giovanni ou O dissoluto absolvido, José Saramago

terça-feira, junho 07, 2005

É em situações – como as da anunciada compra da maior multinacional de distribuição de fármacos por parte da ANF por 640 milhões de euros, que fico deveras revoltado com o clima de impunidade que grassa neste país e com a falta de respeito pelos cidadãos. É a resposta à tentativa de liberalização dos medicamentos de venda livre.

Nunca vi um cordeiro que se parecesse tanto com um lobo.

domingo, junho 05, 2005

A única coisa que não gosto no Nadal – são os calções. Não vou muito à baila com eles. O branco ainda faz um contraste giro com o laranja forte do corte de pó de tijolo. Mas quando há a tradicional queda, disfarçam pior.

É mesmo o único senão do rapazinho. Tirando isso, num misto de muito talento, coragem, garra, tenacidade, Rafael Nadal é um dos maiores prodígios que alguma vez pisar o Chatrier em Paris. Com uma segurança e uma confiança impróprias para um puto com dezanove anos feitos nas meias-finais. O jogo em que eliminou aquele que, a páginas tantas, pensei ser o vencedor natural e inquestionável.

A star is born.
Carlos e Carla – e a dificuldade em entender o “s” no final do nome dele. Porque em italiano é Carlo. Não precisa da última consoante. Se bem que em inglês e francês só temos a Charlotte que nos leva para Carlota. É claro que o problema poderia ser resolvido de outra forma. Em vez de retirar, colocar. E então teríamos Carlos e Carlas. Possivelmente ainda mais estranho.
Coming back to life

Where were you when I was burned and broken
While the days slipped by from my window watching
Where were you when I was hurt and I was helpless
Because the things you say and the things you do surround me
While you were hanging yourself on someone else's words
dying to believe in what you heard
I was staring straight into the shining sun

Lost in thought and lost in time
While the seeds of live and the seeds of change were planted

Outside the rain fell dark and slow
While I pondered on this dangerous but
I took a heavenly ride through one silence
I knew the moment had arrived
For killing the past and coming back to life

I took a heavenly ride trough our silence
I knew the waiting had begin
And headed straight... into the shining sun


Pink Floyd

sábado, junho 04, 2005

Viraste o sofá - para a janela grande por onde entravam os claros raios do sol invernal. Aproveitavas o calor para aquecer as tuas pernas esticadas enquanto contemplavas o azul escuro do mar repleto de espuma das correntes e vagas fortes. As gaivotas manobravam dificilmente por entre os sopros do vento, o mesmo vento que assobiava e empurrava o vidro na tua direcção. Com tanta força que parecia que não resistiria e que, mais tarde ou mais cedo, cederia em mil pedaços.

Deitei-me ao comprido no sofá, a minha cabeça nas tuas pernas, no teu ventre. Pegaste na minha mão com a tua mão esquerda. Beijaste-a algum tempo. Quando acabaste, pousaste-a delicadamente e começaste a afagar o meu cabelo. Com a outra, pegaste no cigarro que repousava no cinzeiro e levaste-o à boca. Os acordes do Bill Evans ecoavam por entre a nuvem de fumo que exalaste.

quarta-feira, junho 01, 2005

Está mais velho e gordo – desde a primeira vez que me lembro de o ver. Os dentes são menos e mais gastos e destruídos. Agora até deixou crescer a barba grisalha e nota-se mais que coxeia. Mas continua a levar o mesmo saco muito amarelo com Cais escrito a preto onde guarda as revistas à tiracolo pelo lado esquerdo, enquanto passeia alguns exemplares na mão direita, apoiados contra o peito.

Nunca lhe comprei nenhuma revista. Não simpatizo com a cara dele. Um dia, há uma meia dúzia de anos atrás, vinha num daqueles bancos que estão virados frente a frente com uma namorada da altura e duas amigas e ele passou. Disse qualquer coisa que eu não entendi de momento porque não pensei que fosse comigo. Só quando comecei a ouvir os demais amigos que iam noutros bancos da mesma carruagem percebi que se dirigia a mim. Chamou-me qualquer coisa como “cão” porque ia rodeado de “cadelas”. Enfim, não me lembro ao certo mas não era. Mas tenho a certeza de que não era um comentário de todo simpático.

Normalmente, tenho o meu livro em riste quando passa por mim, a não ser que vá acompanhado na viagem. São poucas as vezes em que chega sequer a tentar vender-me o seu ganha-pão: o alvo primário são senhoras de meia-idade, mais facilmente impressionáveis, presumo.

Por vezes, se a carruagem está vazia quando passa, acaba por ter de se contentar comigo. Invariavelmente digo-lhe não, obrigado, levantando os olhos das linhas do meu romance e olhando-o de frente, fixado na cara enrugada e com um quase esgar de dor bem elaborado, fruto de anos após anos de metier, de desenvolvimento do seu savoir faire.

Normalmente, fica zangado. Achar-me-á ríspido, por ventura. Não o censuro, é provável que seja mesmo. A verdade é que resulta, porque também invariavelmente se afasta resmungando suficientemente alto uma série de impropérios e palavras de cariz duvidoso em forma de ladaínha.